Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
A FLAUTA DE ALEXANDRE
Seguimos
Pela estrada
Mandando
Mensagens
Telepáticas
Para os carros
Andarem
Mais rápido.
Chovia devagarinho
Molhando os vidros
Do carro.
Em nossa frente
Uma fileira
De luzes
Vermelhas acesas
Dentro da neblina.
Chegamos com
Algum atraso na
Universidade.
Ali estava
Meu neto
Alexandre
No meio do
Palco.
Tocando uma peça
De Mozart.
Me lembro do
Alexandre
Aos doze anos.
Tocando Mozart
Junto com Artur
Seu pai.
Foi na casa de
Marília
No meu aniversário.
Empolgou a plateia
Com sua flauta
Em duo com o
Pai.
Os dois me acompanham
Nas exposições
E nos grandes eventos
De minha vida.
Sempre a flauta
Elevando as vibrações
Para o alto
Como um gorjeio
De pássaros.
No momento
Alexandre
Está sozinho
No palco circular
Da Universidade.
O concerto é uma
Prova de doutorado.
Foi realmente emocionante
Sentir o neto
Trazendo energia positiva
Para a plateia.
E se preparando
Para ser doutor...
*Fotos de arquivo
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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018
ARTE NO COTIDIANO
Na zona rural, o aproveitamento de objetos para
outra finalidade é comum. Assim, uma banheira daquelas antigas, pode se
transformar em bebedouro para o gado. Já vi muitas vacas bebendo água nas
banheiras e fiquei pensando: as madames de antigamente já tomaram seus banhos,
depois as banheiras caíram em desuso, agora estão matando a sede das vacas.
Uma das características mais positivas da arte
contemporânea é a sua profunda ligação com o cotidiano e com a vida.
É o mundo interno do ser humano que precisa vir à
tona e ser conscientizado.
No Oriente esta conscientização é feita através da
meditação e do autoconhecimento.
No Ocidente a ação criadora das artes promove a
abertura de consciência e o crescimento interno.
A inteligência emocional se expressa de forma
espontânea, nas obras de arte ligadas à emoção – expressionismo, fovismo,
abstracionismo, ora lírico, ora informal e violento, trágico ou pessimista.
A inteligência mental se organiza nas composições
concretistas, construtivistas, cubistas, etc.
Foi necessário um esvaziamento de todas as
tendências para que a arte chegasse até o cotidiano.
Foi preciso a dessacralização dos ícones e a quebra
do mito do artista.
Para descer ao cotidiano, a arte teve de abrir mão
do seu caráter elitista.
Qualquer objeto, por mais vulgar que seja, tem a sua
própria dignidade e nas mãos do artista pode ganhar novas formas.
Escutei o depoimento de uma professora: meus alunos
ficaram radiantes diante de uma exposição contemporânea. “Podemos criar com
latinhas, caixotes, isso nós temos em casa...”
Hélio Oiticica uniu sua energia de criatividade a um
bloco carnavalesco.
Quando a arte se dessacraliza e se confunde com a
vida, já não pode mais ser analisada nos termos tradicionais de arte, ela é a
própria vida se manifestando.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 26 de novembro de 2018
MINHA PARTICIPAÇÃO NO CONSTRUTIVISMO BRASILEIRO
Pediram-me para fazer uma palestra no CCBB de Belo
Horizonte sobre a minha participação no movimento construtivista brasileiro,
como representante de Minas Gerais. O texto abaixo é uma síntese de todos os meus
artigos já publicados sobre o assunto.
“A
exposição Construções sensíveis: A
experiência geométrica Latino-Americana na coleção ELLA FONTANAIS-CISNEROS, traz
ao Brasil um recorte da abstração em nosso continente. Junto ao importante
legado do concretismo e neoconcretismo brasileiros, são apresentadas as
poéticas abstratas que prosperaram em outros países a partir dos anos
1930.”(Extraído do catálogo da exposição Construções
Sensíveis, no CCBB de Belo Horizonte)
Percorro uma exposição que nos remete ao passado, ao
Construtivismo que percorreu o mundo e
veio nos mostrar o quanto somos irmãos. Realmente, somos parecidos, mesmo que
não tenhamos tido a oportunidade de um encontro pessoal. Existe o encontro
espiritual, encontro de sensibilidades semelhantes. O construtivismo vai nos
mostrando a identidade dos artistas. Ele
veio da Europa e encontrou na América Latina seus irmãos espirituais.
Os construtivistas europeus vieram da Rússia,
desceram até a Alemanha e a França, e, por motivo de guerra, chegaram às
Américas.
Os Estados Unidos acolheu os imigrantes artistas, tais como
Mondrian. Ali ele se redescobriu, ficou
famoso.
A Argentina e o Uruguai receberam a mensagem
construtiva, através da arte e do pensamento de Torres Garcia e Maldonado. Torres
Garcia buscava o espiritual na arte e a
redescoberta dos povos primitivos das Américas.
O Brasil tornou-se o grande difusor das ideias
construtivas. No nosso solo floresceram artistas plásticos, poetas, críticos,
tendo a Bienal de São Paulo como a grande difusora.
O construtivismo chegou até as montanhas de Minas e
ali encontrou jovens artistas que aderiram ao movimento.
Fiz parte deste movimento.
O Construtivismo
na década de 50, nos propunha disciplina, concentração, limpeza de cores, uma
arte mental, intimista, sem impulsos emocionais. Cultivava-se a virtude da
paciência. Os quadros levavam meses para serem feitos e o instrumento usado na
época para se conseguir uma linha perfeita era uma espécie de caneta ou
bisturi, chamado tira-linhas, instrumento gráfico em desuso hoje em dia, na era
do computador. Com as linhas paralelas eu fazia postes de luz e partituras
musicais. Gostava de ficar horas pintando, porque me fazia bem à alma.
Passar pelo
construtivismo foi para mim uma lição de vida. O fazer artístico significava
crescimento. A integração de varias áreas das artes, necessária a uma revisão
de valores, era um dos pontos mais importantes do movimento construtivista que
surgiu a partir da primeira Bienal de São Paulo. Poetas, músicos e pintores se
uniam dentro do mesmo ideal estético dando prioridade à pureza da forma. O
grande incentivador do construtivismo foi o crítico de arte Mário Pedrosa, que
visitava os artistas em seus ateliês e muitas vezes chegava até Minas Gerais
para acompanhar o trabalho dos artistas mineiros que buscavam uma arte pura,
desligada dos padrões figurativos. Os júris de seleção das primeiras Bienais,
que às vezes eliminavam 90% dos trabalhos apresentados, eram o grande teste a
ser enfrentado. Naquele tempo não existiam curadores de arte e os artistas se
dispunham a passar por essa experiência.
A aprovação na Bienal era a minha chance de
descer das montanhas e viajar para São Paulo, encontrar os amigos companheiros
de jornada, participar dos eventos internacionais e estudar o pensamento dos
grandes artistas abstratos europeus. Trocava ideias com os paulistas Maria
Leontina, Milton Dacosta, Arcângelo Ianelli e Volpi. Todos tínhamos vindo de
antecedentes figurativos e isto transparecia em nossos trabalhos. Não havia a
preocupação matemática dos concretistas suíços, seguíamos o comando da
sensibilidade e da intuição. Naquela ocasião as ideias espiritualistas de
Kandinsky começaram a me acenar como uma estrela luminosa. Os grandes pintores
abstratos europeus, principalmente os da vanguarda russa, não se limitavam aos
aspectos formais; tinham uma busca interior, um contato direto com níveis mais
profundos de consciência.
O rompimento com a figura e o tema indicaram
também direções novas para a escultura brasileira. A exposição do artista suíço
Max Bill no Museu de Arte de São Paulo em 1950, impulsionou a nova geração de
escultores ao questionamento dos moldes tradicionais da escultura figurativa,
para abraçar a forma tridimensional pura. Do grupo de Minas, três artistas
escultores aderiram ao movimento: Amílcar de Castro, Franz Weissmann e Mary
Vieira. Mais tarde, Mary deixou o Brasil para se radicar na Suíça, onde se
tornou uma aluna e seguidora de Max Bill vindo a ser uma artista de renome
internacional.
Repensar
o construtivismo é também repensar os
caminhos por onde passamos. Aqui em Minas Gerais a nossa visão da arte vinha
dos antecedentes líricos de Guignard. Um pequeno grupo se reunia no ateliê de
Marília Gianetti, projetado pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos. Marília
Gianetti, Mário Silésio, Nely Frade e eu formávamos o grupo de pintores que na
década de 50 encontraram o seu próprio caminho dentro da arte não figurativa.
No
Museu do Índio, no Rio de Janeiro, procurei observar com atenção os caracteres
geometrizados em todo artesanato indígena, nas cestarias, cerâmicas e até na
pintura corpórea. Muito antes da chegada dos europeus, mergulhados nas
florestas, seguindo o ritmo natural da vida, os índios buscavam o equilíbrio
também em suas manifestações artísticas.
Observavam a pele dos
animais, onças, lagartas e dali partiam para a busca da ordem e da simetria em
seus padrões geométricos.
Nossos antepassados se
manifestavam de forma construtiva, um construtivismo orgânico e espontâneo.
O construtivismo brasileiro também buscou
alcançar este equilíbrio e ordem. O movimento construtivista que se propagou
pelo Brasil na década de 50 foi uma
integração perfeita do que veio da
Europa com o que já existia dentro de nós.
O construtivismo sensível não acaba nunca, porque
ele é o mensageiro de uma paz que existe dentro de todos nós.
Esta paz, os artistas buscaram por meio de obras de
grande beleza e serenidade.
O desejo de paz veio à tona numa época de grandes
guerras.
Duas grandes guerras na Europa, várias ditaduras
pelo mundo.
Todos passaram para a história, os artistas
morreram, mas sua arte continua viva, trazendo até nós o desejo da paz que os
inspirou.
O construtivismo é uma meditação.
Mergulhados no silêncio de sua própria interioridade
os artistas transcenderam a violência e a opressão.
Percorrendo as salas desta exposição vou sentindo
cada vez mais o poder da arte de transmutar energias. Revejo os Bichos
de Lygia Clark, os Metaesquemas de
Hélio Oiticica, as telas construtivas de Volpi e Ivan Serpa, os objetos de Ana
Maria Maiolino e Mira Schendel.
Caminhar pela exposição é encontrar as origens, a
expansão e o sentido deste movimento que percorreu o Brasil na década de 1950.
No momento, todo o meu trabalho está inspirado no
que eu fiz nos anos 50. Os meus desenhos construtivistas da década de 50 foram
tridimensionados com a ajuda de minha neta Elena Andrés Valle, transformando-se
em esculturas de aço. Recentemente, retomei o construtivismo de uma forma mais
espontânea, através de uma série de colagens.
*Fotos de arquivo
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segunda-feira, 19 de novembro de 2018
CELSO RENATO, 100 ANOS
A série de pinturas construtivas de Celso Renato, no
momento em exposição na Grande Galeria do Palácio das Artes marcou a sua
presença definitiva no cenário das artes plásticas de Minas e do Brasil.
Percorrendo a mostra, reproduzo aqui trechos dos depoimentos de Claudia
Renault, Marcio Sampaio e Amílcar de Castro, amigos do artista e admiradores de
sua obra.
“Celso
aparece nos anos 60, no cenário das artes de Belo Horizonte, já como um homem
maduro, com uma pintura expressionista, com traços fortes e largos. A ideia é
de um sujeito à procura de si, da sua alma, na maneira mais íntima de se
expressar.
É nesse momento que as coisas do mundo começam a
conversar com ele. Celso parece escutar o silêncio e outros materiais que não a
tela. Nessa hora ele revela a sacralidade das coisas mais rudes. É com um gesto
mínimo, certeiro, de quem lança uma seta, que Celso Renato inicia suas
intervenções nas madeiras – restos de materiais de construção civil. Uma vez
que o material utilizado já carrega em si texturas, falhas, pregos, Celso
inclui esses materiais e cria uma relação muito especial entre sua proposta
geométrica e a organicidade do suporte. É nesses tapumes que o artista enfatiza
as formas e revela a sacralidade e a verdadeira alma das coisas. Nessa hora
lembro-me de Manoel de Barros ao dizer que as “coisas sem importância são bens
de poesia”. Celso Renato me ensinou isso antes de Manoel. Ele retira do refugo
da madeira e trava com ela um diálogo. Nesse diálogo amoroso com a matéria, dá
vida ao que já estava perdido.
É com suas interferências com a madeira que Celso
marca presença nas artes plásticas do Brasil e do mundo. Estabelece uma
conversa com deuses e ancestrais. Formas e cores puras que nos remetem a
rituais, conversas veladas com povos que fazem arte com verdade, como religião,
como necessidade de registro da existência.” (CLAUDIA RENAULT, curadora)
“O trabalho atual de Celso Renato parte dessa
experiência, desse diálogo com a matéria. Sua arte só é possível na medida em
que a matéria respondeu a seu apelo e se entregou totalmente para que a mão a detenhe
e a transforme.. O suporte é a madeira que ele encontra nas construções – já
usada, recosturada, escarificada pelo uso e condenada à deterioração – e que o
artista recupera , modificando-a com traços, formas pintadas, sempre seguindo
as sugestões que lhe trazem as erupções naturais e os acidentes sofridos antes
pela própria matéria.” (MARCIO SAMPAIO)
“É madeira de construção
Cheia de sinais, riscos e ranhuras
Frinchas, frestas, buracos e rachaduras
São algumas tábuas juntas a martelo
Com pregos aparentes
Às vezes aparecem pedaços como tramelas
Tramelas de portas que não se abrirão jamais.
Como se guardando imenso segredo perdido
Segredo agora revelado
E que mostra o caminho dia
Da noite
Do sol esquecido
Que volta a nos envolver
Na música de tambores longínquos” (AMILCAR DE CASTRO)
Fotos de Ivana Andrés
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segunda-feira, 5 de novembro de 2018
ARTE NA CONTRA CULTURA II
Dou continuidade ao artigo "Fluxus", que escrevi para o jornal "O Estado de Minas".
“Fluxus”
pode ser considerado exemplo da busca do humanismo na arte. Segundo a
apresentação da exposição, “Fluxus”
nasceu em 1961, a partir da liderança do lituano George Maciunas, tendo como
origem a rejeição aos valores que cercavam as “artes eruditas” e o caráter
comercial que dominou o mercado internacional de arte após o fim da Segunda
Guerra Mundial. “Fluxus” foi o último
grande movimento coletivo de artistas em torno de ideias de transformação da
cultura e da sociedade. Maciunas dinamizou o movimento de contracultura,
valorizando a criatividade que existe em qualquer ser humano.
O descondicionamento de
receitas e fórmulas que aprisionam a arte e a mudança dos valores tradicionais
permitiram que aquele movimento se estendesse às pessoas comuns, sem qualquer
ligação com críticos, marchands ou professores de arte. Maciunas escreveu um
manifesto verificando no dicionário o significado da palavra “fluxo”
selecionando todas as definições que tinham conotações de mudança, purificação,
fluidez e fusão.
Participaram daquele
movimento artistas como Yoko Ono, George Brecht, John Lennon, Roberts Morris,
Joseph Beys e vários outros, que integraram festivais, debates e exposições.
A mensagem de “Fluxus” ultrapassou as fronteiras da
Europa.
Havia no mundo a
necessidade de protestar contra o consumismo, o imperialismo e as guerras,
contra o massacre de inocentes e o crime organizado em forma de poder.
Quem contempla a
exposição pode sentir a denúncia explícita dos grandes criminosos de guerra do
nosso tempo, sedentos de expansão. George Maciunas lançou sua denúncia contra a
violência, os massacres realizados pelos nazistas na Europa, o genocídio dos
índios americanos pelos espanhóis e o sofrimento da população civil na guerra
do Vietnã.
Ao mesmo tempo que
denunciou a opressão como impressionante bandeira da morte, também levantou a
bandeira da paz, com o incentivo ao budismo zen e às práticas de meditação. A
meditação busca o ser interno e a intuição que está além da mente fragmentada.
O budismo zen não é uma religião, mas incentiva um modo de viver criativo e
espontâneo. Chegando aos EUA na década de 60, as práticas de meditação ganharam
adeptos em vários artistas da Action Painting ou expressionismo abstrato e nos
jovens que largaram o conforto das famílias, o consumismo e os bens materiais
para viverem em comunidade.
Os Beatles trouxeram da
Índia práticas de meditação e, através da música, divulgaram sua mensagem de
“paz e amor”. Era necessário vivenciar o “agora”, o eterno presente”, e saber
viver de forma simples e despojada.
A importância dos
movimentos de contracultura está no fato de que eles promovem mudanças no
comportamento passivo da sociedade, abrem indagações, despertam novos
horizontes.
“Fluxus”
me fez refletir mais uma vez sobre a capacidade intuitiva dos movimentos
artísticos que, movidos por um impulso energético universal, buscam a
libertação da violência e a harmonia planetária.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 29 de outubro de 2018
CONSTRUÇÕES SENSÍVEIS NO CCBB
“A
exposição Construções sensíveis: A
experiência geométrica Latino-Americana na coleção ELLA FONTANAIS-CISNEROS, traz
ao Brasil um recorte da abstração em nosso continente. Junto ao importante
legado do concretismo e neoconcretismo brasileiros, são apresentadas as
poéticas abstratas que prosperaram em outros países a partir dos anos 1930.”(Extraído
do catálogo da exposição Construções
Sensíveis, no CCBB de Belo Horizonte)
Percorro uma exposição que nos remete ao passado,
ao Construtivismo que percorreu o mundo e veio nos mostrar o quanto somos irmãos.
Realmente, somos parecidos, mesmo que não tenhamos
tido a oportunidade de um encontro pessoal.
Existe o encontro espiritual, encontro de
sensibilidades semelhantes.
O construtivismo vai nos mostrando a identidade dos artistas.
Ele veio da Europa e encontrou na América Latina seus irmãos espirituais.
Os construtivistas europeus vieram da Rússia,
desceram até a Alemanha e a França, e, por motivo de guerra, chegaram às Américas.
A América acolheu os imigrantes artistas, como
Mondrian.
Ali ele se redescobriu, ficou famoso.
A Argentina e o Uruguai receberam a mensagem
construtiva, através da arte e do pensamento de Torres Garcia.
Ele buscava o espiritual na arte e a redescoberta
dos povos primitivos das Américas.
O Brasil tornou-se o grande difusor das ideias
construtivas.
No nosso solo floresceram artistas plásticos, poetas,
críticos, tendo a Bienal de São Paulo como a grande difusora.
O construtivismo chegou até as montanhas de Minas e
ali encontrou jovens artistas que aderiram ao movimento.
Revejo nesta exposição os Bichos de Lygia Clark, os Metaesquemas
de Hélio Oiticica, as telas construtivas de Volpi e Ivan Serpa, os objetos
de Ana Maria Maiolino e Mira Schendel.
Dá vontade de chegar perto, tocar e participar.
Mas o Bichos
estão resguardados por vidros protetores.
Caminhar pela exposição é encontrar as origens, a
expansão e o sentido deste movimento que percorreu o Brasil na década de 1950.
Fiz parte deste movimento.
Nunca me senti tão bem numa exposição de arte.
Dá vontade de ficar olhando cada quadro, cada
escultura, cada desenho ou gravura.
Seus autores já partiram para outro plano, mas
deixaram sua obra como testemunho de sua passagem pelo planeta.
O construtivismo sensível não acaba nunca, porque
ele é o mensageiro de uma paz que existe dentro de todos nós.
Esta paz, os artistas buscaram por meio de obras de
grande beleza e serenidade.
O desejo de paz veio à tona numa época de grandes
guerras.
Duas grandes guerras na Europa, várias ditaduras
pelo mundo.
Todos passaram para a história, os artistas
morreram, mas sua arte continua viva, trazendo até nós o desejo da paz que os
inspirou.
O construtivismo é uma meditação.
Mergulhados no silêncio de sua própria interioridade
os artistas transcenderam a violência e a opressão.
Percorrendo as salas desta exposição vou sentindo
cada vez mais o poder da arte de transmutar energias.
Os movimentos políticos passam, mas a arte permanece.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 22 de outubro de 2018
A VENDEMMIA
O texto abaixo foi retirado de uma carta da Teresa ,
minha neta, filha do Euler e Iara. Teresa nasceu e foi criada na fazenda
Luiziania, em Entre Rios de Minas. Casou-se com Alberto Sica, professor de uma
escola antroposófica na Toscana, Itália. É uma região com paisagens lindas,
semelhantes às nossas, do Campo das Vertentes, onde ela nasceu. A colheita de
uvas na Itália é uma tradição daquele país.
“Semana passada terminei a “Vendemmia”, a colheita
das uvas para fazer o vinho. Adoro a ideia que existe um verbo (e um
substantivo, claro) para essa atividade. Eu vendemmio, você vendemmia... A
tradução é livre mas a palavra é usada. E dá toda uma cor diversa ao início do
outono aqui na Toscana. É um período particular, e todo mundo de alguma maneira
sabe o que está acontecendo. Você pode chegar atrasado a algum compromisso
porque encontrou um trator com uma carreta de uvas pela estrada (se formam
filas enormes atrás deles), ou a sua casa vem invadida pelo perfume da
fermentação. Parece um eterno pão de “pasta
madre” no forno.
Tem carros estacionados nos lugares mais estranhos e
você acaba vendo umas cabecinhas no meio do vinhedo.
Eu tinha
feito a “Vendemmia” 6 anos atrás, quando
a Itália ainda era uma viagem com data de ida e volta. Me lembro que na época fiquei impressionada,
mas não entendia nada do que eles falavam, apesar de já saber um pouco de
italiano. Realmente não é suficiente conhecer o italiano para isto, principalmente na Toscana.
Me explico contando sobre as pessoas que trabalham na “Vendemmia”. O mais
normal é encontrar velhos (e velhas) toscanos neste trabalho, além de jovens,
muito jovens. Claro que no momento existe
uma grande mudança no perfil da mão de obra e essa matemática não é sempre
correta. Mas a base é esta: velhos misturados a jovens. Os velhos porque têm um
conhecimento e uma força de resistência tal, que são capazes de trabalhar mais
que os jovens. Os jovens porque ainda não têm um trabalho estável. Para quem
não sabe, a língua italiana nasceu do dialeto toscano, porque os grandes
escritores da antiguidade italiana eram toscanos. Isso pra dizer que o toscano
pensa que fala bem o italiano e acaba por misturar palavras italianas com o
dialeto, além de omitir alguns sons. O toscano é famoso também por dizer muito palavrão.
Na verdade não é palavrão mas bestemias (não lembro se tem em português esta
palavra, é quando você usa palavras santas com um sentido de palavrão). Então
dá pra imaginar qual é o clima da “Vendemmia” : os velhos é que dão o ritmo e
os tons, com uma língua cheia de palavras típicas, entre palavrões e
brincadeiras de conotação sexual. Sim, este é o outro hit da “Vendemmia”, não
me entendam mal, nada exagerado, mas sempre com um pouco de malícia. Alguns
defendem que é para passar o tempo. Mas todos estão de acordo sobre o mesmo
ponto: aquilo que é dito nos vinhedos fica dentro dos vinhedos. É quase uma
seita.
Uma seita não é, mas tem algo de místico na “Vendemmia”.
A uva, essas filas de parreiras longas, o sol do outono que já é diferente, a
exaustão do corpo físico, tudo junto te leva a um estado de felicidade
estranha, parece uma realização antiga, como uma homenagem a um deus. No caso
seria Baco.
Depois tem o gosto especial de saber que daquele
trabalho vai vir um vinho, melhor ou pior, dependendo de tantos fatores. Alguns
deles você vai aprendendo enquanto colhe. Se choveu
muito e tem muito mofo na uva, se deve-se
colher uma certa uva (que dá cor) e com qual outra uva misturar. Se a
uva de ontem está fermentando bem. Enfim, aqui começa um outro mundo.
Estar nos vinhedos me deu as melhores vistas da
toscana. E tantas vezes me vinha vontade de dividir essas "imagens"
com pessoas queridas, tantas das quais passaram por aqui este verão. Mas o melhor jeito de relembrar essa
experiência será tomarmos juntos o vinho
“Majnoni safra 2018” (sem nenhuma intenção de fazer publicidade).
Avoé bacantes! (não era assim a saudação do reino de
Baco?)
Um abraço,
Teresa.”
*Fotos de arquivo e da internet
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segunda-feira, 15 de outubro de 2018
ARTE NA CONTRA CULTURA I
Em 2003 publiquei o artigo abaixo no jornal “O
Estado de Minas”, seção “Pensar”.
Uma exposição no Centro
Cultural do Banco do Brasil, em Brasília, acenava com um grande cartaz: “Fluxus”. Caminhei despreocupada em sua
direção, sem ter programado com antecedência. À porta, comprei uma camisa com
uma enorme seta e a legenda “Fluxus”.
Afinal, pensei, já vestida com a camisa, o que será “Fluxus”? Lá dentro, meninas vestidas de preto com botas alaranjadas
conduziam grupos, explicando o significado das obras. “Então, qualquer um de
nós pode ser artista?”, indagou uma senhora, entusiasmada com a ideia.
Acompanhei com
curiosidade os debates, sem me apresentar. Aquelas ideias me tocavam de perto,
lembravam meu próprio posicionamento sobre a comercialização da arte, os
happenings dos anos 60, os domingos de criação que possibilitavam a todos a
oportunidade de criar. Aos poucos fui me sintonizando com as ideias do grupo,
refletindo sobre o que já havia escrito na década de 70 no meu livro “Os
Caminhos da Arte”:
“Quadros não são feitos
para combinar com tapetes e cortinas, nem para ser colocados como títulos na
bolsa de valores do mercado de arte. A preocupação comercial leva o artista a
concessões imperdoáveis, que o fazem esquecer a razão de ser da arte como força
vital da civilização, para colocá-la no plano da especulação comercial. O valor
de um trabalho artístico, suas qualidades expressivas, não se limita a números
e cifrões, mas alcança lugar que lhe assegura realmente a permanência no tempo
e sua equiparação com as demais artes.
Assim como a música e a
poesia, também o quadro que vemos numa exposição contém toda uma vida de lutas
e experiências. Não se podem separar as inquietações da alma humana, seus
momentos de sofrimento ou alegria, de violência ou de paz, de revolta ou de
submissão, daquela forma que espontânea e diretamente lhe sai das mãos.
A Arte é a mais pura
manifestação da liberdade, hoje tão limitada à mecanicidade do mundo moderno.
Toda e qualquer forma de imposição, ao atingir o domínio da arte, impede-lhe o
progresso e a conduz à mediocridade. O sentido de liberdade é expresso com
grande veemência por meio da arte, porque ela se fundamenta e nasce num clima
no qual a opressão não tem lugar. Pode-se proibir o homem de falar, mas nunca
de sentir. A arte é a expressão do sentimento humano, desse sentimento tantas
vezes bloqueado por slogans e rótulos, mas que desperta quando se desenvolve a
capacidade de inventar, de renovar, de contatar a essência do próprio ser. O
verdadeiro humanismo brota das mãos dos artistas e da alma dos poetas, dos
cineastas, dos escritores, dos músicos, que proclamam espontaneamente a
compreensão entre os povos. O humanismo autêntico tem suas raízes no
sentimento, e não na razão.”
No Brasil, o artista
pernambucano Paulo Brusky, integra o movimento “Fluxus” com suas instalações e performances de contracultura.
*Fotos da internet
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terça-feira, 9 de outubro de 2018
AS PEDRAS DE VIRGINIA WOOLF
Recebi de Ivana Andrés o texto abaixo, sobre o
espetáculo “As pedras de Virgínia Woolf”, encenado no Teatro da Cidade,
integrando o Festival de Teatro Mínimo. Nesta peça, Ivana faz o papel da
própria Virgínia.
A
complexidade e riqueza da vida e da obra de Virgínia Woolf possibilita a
escolha de diferentes caminhos,
conduzidos por diferentes motivações. Após a leitura de alguns livros da autora
e também sobre ela, (inclusive roteiros cinematográficos), é possível
apresentar algumas motivações ligadas à questões essenciais de qualquer ser
humano. Questões que acontecem em qualquer época e lugar. Semelhanças ou
coincidências?
Um espetáculo teatral, seguido de debates e
vivências motivadoras sobre o tema do feminismo, da diversidade de gênero, do
amor pela literatura, do sofrimento
infligido às pessoas pela guerra e pelo fascismo e também sobre a morte por
escolha própria, o suicídio. E o renascimento, como pessoas ou personagens de
um livro ainda por ser escrito.
Um encontro imaginário de Virgínia Woolf com Leonard
Woolf, seu marido e com personagens de
suas obras, no fundo de um rio, onde a escritora se afogou, usando pedras nos
bolsos do casaco. As pedras, na
concepção deste espetáculo são seus próprios livros, que revolucionaram a
escrita de sua época, a primeira metade do século XX. Personagens de alguns de
seus livros deveriam aparecer como elementos materializados de sua própria
consciência, criarem vida própria e questionarem a sua própria existência, a
razão de terem sido criados pela autora. Virgínia deveria lhes responder
revelando sua própria vida, suas angústias, revoltas e anseios e de como o seu
trabalho era a forma quase exclusiva de superação. Mas isso não acontece. É
mais importante levantar outras questões e envolver a platéia, as pessoas que
vivem agora, com os atores, as atrizes, com a realidade que espera por todos
nós lá fora. E isto quem faz é o diretor. Não há tempo para descrever, contar
histórias, distrair a atenção para o mais importante: a volta da direita em
âmbito mundial. E os personagens, líricos, apaixonados, voltam para seus
livros, para serem abertos, quem sabe, pelo espectador, curioso em desvendar
suas histórias?
Resta a sua vida, real, vivida com personagens
reais, pessoas físicas, encarnadas em Leonard Woolf, seu marido. E o encontro
acontece também no fundo do rio. Existe a vida pessoal de ambos, as depressões
de Virgínia, os surtos. Existe nela a revolta contra o machismo e o
patriarcado, e seu amor pelas mulheres. E existe a descoberta de si mesma como
ser andrógino, homem e mulher ao mesmo tempo. É o feminismo metafísico, quando
a mente é fertilizada e usa todas as suas possibilidades.
Juntos relembram os tempos de juventude, a criação
do Grupo dos Bloomsbery, que marcou presença na Cultura Inglesa do início do
século XX, estendendo-se por décadas e criando uma nova estética e uma nova
ética. É a revolução dos costumes,
reação à moral vitoriana, que encontraria seu apogeu nos anos 60, com a
revolução Hippie.
Virginia
revela seu amor pela literatura e sua frustração por não ter mais um público
que lhe dava alimento para o trabalho e razão de ser para sua existência. E
ambos “morrem” novamente, para imediatamente renascerem como outras pessoas e
outros personagens, duas meninas com traços de outras existências, mas com uma
imensa vontade de compreenderem juntas a
razão e sentido da vida humana, com esperança de reescreverem suas próprias vidas.
Todos os personagens de seus livros e o próprio
Leonard são interpretados por uma única atriz, Vânia Campos, que faz tanto papéis femininos
quanto masculinos.
A concepção cenográfica revela um lugar escuro
invadido por uma enchente. Tanto pode ser o fundo de um rio, quanto o “umbral”,
lugar sombrio descrito pelos espíritas, como aquele conduzido pela consciência
dos suicidas. Lá Virgínia lê a conhecida carta de despedida dirigida a Leonard,
deixada por ela, enquanto é descrito um trecho do livro “Orlando” sobre um
degelo ou enchente. Sobre uma catástrofe, imagem simbólica da sua própria
tragédia.
*Fotos de Kátia Assis
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segunda-feira, 8 de outubro de 2018
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