quarta-feira, 27 de abril de 2011

THRANGU RINPOCHE

Tenho anotados em meu diário de 1978 os ensinamentos que Thrangu Rinpoche me passou.
Thrangu Rinpoche nasceu no Tibet em 1933. Reconhecido aos quatro anos como a reencarnação de um dos grandes lamas (ou monjes do budismo  tibetano), foi preparado, através de estudos, meditações e retiros, para ser um dos maiores instrutores do Budismo. Encontrei-o em 1978, em um mosteiro tibetano situado em Bouddhanath, em Kathmandu, no Nepal. Nessa ocasião, foi-me possível receber os seus ensinamentos e participar de um curso especialmente preparado para os ocidentais.
A doutrina de Sunyata ou do vazio torna-se fácil de ser compreendida através de seu livro: The open door to emptiness, ou A porta aberta para o vazio. O Vazio, segundo Rinpoche, não é um nada branco ou uma ausência de qualidades. Apesar de ser um estado de ser indescritível, o Vazio é a potencialidade total, que dá nascimento a todas as formas. Esse campo supremo do insight ou o espaço básico de todos os dharmas, é frequentemente referido como a mãe de todos os Budas e Boddhisattvas (pessoa que alcançou a iluminação para benefício de todos), pois, assim como a mãe dá nascimento às crianças, também o insight dentro da natureza fundamental produz todas as ações iluminadas do passado, do presente e do futuro. Todas as aparências têm o vazio como qualidade essencial. Quando esvaziamos o sofrimento, percebendo-o na essência de onde vem, ele imediatamente desaparece. Muitas vezes estamos presos às nossas preocupações, e somente abrindo as portas da compreensão tomamos consciência de que tudo nasce do vazio e desaparece no vazio.

A lição do lama começava com a concentração em uma pedrinha. No dia seguinte, concentrávamos no retrato de Buda ou numa paisagem, até que pudéssemos perceber que não existe a separação entre o observador e a coisa observada. A recomendação era concentrar por muito pouco tempo, sem forçar. Ela podia ser feita três vezes ao dia, mas não devia ultrapassar cinco minutos. Quando nossa concentração já estivesse treinada, então poderíamos entrar em meditação. A meditação começava com a observação de nossa respiração entrando e saindo de nossas narinas. Não devíamos interferir no seu ritmo natural, mas apenas observá-la.
A quarta lição referia-se à observação de nossos pensamentos. Sentávamos em silêncio, o corpo relaxado, os olhos semi-cerrados. Se viesse algum pensamento, apenas observávamos sem nos identificarmos com ele.
Thrangu Rinpoche orientava os alunos de forma simples, e ao final do curso recebíamos um pequeno xale branco, um rosário de contas de madeira e um mantra para ser repetido diariamente como forma de meditação.
“OM MANI PADME HUM”. Esse mantra é muito conhecido nas comunidades tibetanas. OM é a vibração da qual todo o universo emana, estando na origem de todos os mantras. MANI PADME ou “a jóia no lótus” é a Sabedoria Eterna contida em nossos corações. HUM, representa a Realidade Ilimitada, contida dentro do ser humano, que une os objetos separados ao OM universal.
“Quando um mantra nos é transmitido por um mestre qualificado, a integração da sabedoria desse mantra em nossa consciência é muitíssimo facilitada. Através do poder da sabedoria do mantra, haverá facilidade para nos comunicarmos com a nossa verdadeira sabedoria interior, permanecendo contudo livres das distrações externas.” Através da recitação de mantras podemos transcender os sons e as palavras externas, para escutarmos um sutil som interior que já existe em nós.

*Fotos da internet


segunda-feira, 11 de abril de 2011

ENSINAMENTOS TIBETANOS


“Leva-se vinte anos para estudar o Budismo, mas se a pessoa estiver preparada aprende em dois dias”. Quem estava falando era um jovem lama, de uns trinta anos, ladeado por dois discípulos canadenses. Estava na varanda de um mosteiro, a paisagem embaixo descortinava-se numa grande planície plantada, a terra dividida em espaços retangulares, preparada com cuidado para as chuvas que se aproximavam. Varas de bambu com panos coloridos, graficamente preparados com mantras, balançavam ao sopro do vento, espalhando paz no campo. Podiam-se ver as mesmas bandeiras em redor da grande stupa, ou templo budista, onde os devotos realizavam suas preces. As comunidades tibetanas se espalharam pelos Himalaias e é comum se ver bandeiras coloridas em toda essa região, incluindo o Butão. Os lamas viajam pela região levando os ensinamentos de Buda. Numa das palestras a que assisti, o lama se despediu dizendo: “Amanhã estarei dando aulas no Butão.” Os tibetanos falam pouco, não se ouve vozerio como na Índia, são discretos, e quando aprendem o inglês, resumem-se ao essencial.

A meta é o encontro com o estado de Vazio, onde as preocupações, conflitos e ansiedades não têm vez. É o encontro do homem com ele mesmo, com a sua própria interioridade, além do bem e do mal, do prazer e da dor, na busca do equilíbrio perfeito entre o corpo, a emoção e a mente. Procuram viver nesse estado de não envolvimento emocional, ou melhor, de não permanência nas conseqüências da emoção e nos embaraços criados pela mente. Todos explicam a mesma coisa de forma diferente, mas sempre estão prontos a ajudar as pessoas interessadas. Vem gente de longe para participar dos cursos e entrar em contato com os lamas.

Há várias técnicas de meditação, variando de acordo com as necessidades dos discípulos, mas todas levam ao mesmo ponto: o estado de atenção necessário a uma plena consciência das coisas. Todas insistem no não pensamento. Sentir, olhar e perceber o presente sem interferências do passado ou do futuro. Os nossos sofrimentos vêm de nós mesmos, dos nossos conflitos mentais e do acúmulo de imagens conflitivas na mente. Quando aprendemos a olhar a mente de forma direta, quando a esvaziamos por completo, percebemos um estado de Serenidade e Paz, que seria o estado natural do ser humano.
O caminho do meio, pregado por Buda há 2.500 anos, conduz a um estado de alegria sem excessos e à Felicidade a que tem direito a pessoa durante o seu curto tempo de permanência na terra. Mas, de um modo geral, esse tempo é gasto em várias atividades e somente uns poucos se aproximam da beleza desses momentos como um privilégio especial. Os ensinamentos dos lamas, quando se referem à observação dos próprios pensamentos, assemelham-se às instruções de Krishnamurti. “Olhe dentro de você mesmo, observe os movimentos de seu ego, suas reações à vida diária.”
Quando tomamos consciência de que tudo está na nossa própria mente, quando compreendemos como surgem, permanecem e acabam os nossos pensamentos, sentimos que eles são realmente os geradores de todos os nossos altos e baixos. O momento presente é sempre belo e cheio de luz. Somos nós que criamos a nossa própria dor.

*Fotos de Heloisa Oliveira

Visite meu outro blog “Memórias e Viagens”, cujo link está nesta página. Hoje será postado “Lições de vida e morte”.






segunda-feira, 4 de abril de 2011

ESCRITA JAPONESA

Alguns críticos ocidentais, especialmente os franceses, falam da caligrafia de um quadro quando se referem ao modo de um pintor conduzir um pincel, ao traço característico do artista. Dizem que um quadro é legível quando comunica através da clareza do traço, da emoção e da sensibilidade linear. As origens desse conceito vêm da China e influenciaram o Ocidente através do Japão, país que serviu de ponte entre o Oriente e o Ocidente.
Observando de perto a pintura do Extremo-Oriente podemos ver clara a predominância da escrita como forma de expressão. Os artistas da China Antiga e do Japão escreviam textos poéticos em suas telas de seda e usavam o mesmo pincel para escrever letreiros ou cartazes. As cenas desenrolavam-se linearmente através dos grandes painéis, como se a natureza, perdendo os limites de espaço captados por nossa percepção, pudesse se desdobrar em tela panorâmica, revelando o conjunto de várias paisagens. Árvores e folhagens obedeciam a um ritmo caligráfico de intensidades variadas. As manchas sugeriam espaços indefinidos, esfumaçados, cheios de nuvens. Os poemas acompanhavam o traçado das árvores e dos rochedos, com a mesma sensibilidade do desenho. A letra integra-se à paisagem, faz parte dela, não se destaca do conjunto como elemento dissonante. A caligrafia oriental é por si mesma artística e sugeriu ao Ocidente a pintura de ação, o grafismo e o abstrato lírico.

Meu filho Maurício relata que no livro de Almerinda da Silva Lopes sobre Arte Abstrata no Brasil, (publicado pela Editora C/Arte em 2010) ela realça o pioneirismo na reaproximação com o oriente do crítico de arte Mario Pedrosa, depois de uma viagem feita ao Japão como bolsista da UNESCO, em 1959, com o prêmio que lhe foi concedido durante o congresso de críticos de arte realizado em Brasília, cidade prestes a ser inaugurada. Escreve Almerinda que Mario Pedrosa, ao retornar daquela viagem, “ redigiu o ensaio denominado: A caligrafia sino-japonesa moderna e a arte abstrata no Ocidente, na qual revelava ter encontrado respaldo para discorrer sobre a escritura informal ou lírica. E em uma seqüência de matérias publicadas no Jornal do Brasil, no mesmo ano, Pedrosa afirmava: “toda a arte chinesa, e mesmo a japonesa é iconográfica, isto é, feita em função de uma idéia ou símbolo”. Em outro texto publicado no ano seguinte, o crítico referia-se mais detalhadamente ao significado da escrituração do gesto pictórico, tomando como referência, mais uma vez, a caligrafia oriental: “Se, no Oriente, a primeira das artes, em importância e ordem cronológica de seu aparecimento foi a Escritura, ou a Caligrafia, no Ocidente a relação entre pintura e escritura foi totalmente outra. A escrita nasceu, aqui, já de um modo ou com objetivo prático, utilitário, de meio para fim.  No Oriente, a escrita, ela mesma, se transformou num fim, muito antes de a Europa apresentar-se como um continente separado e marcado por  uma civilização autônoma. Da caligrafia chinesa nasceram as pinturas chinesa e japonesa. No Ocidente, a pintura só depois de desenvolvida dava motivo ao nascimento de uma variação pictórica com algo de caligráfico ou de escritura.”

Maurício Andrés buscou naquela publicação sobre arte abstrata elementos para comentar sobre as afinidades com o modo de expressão japonês em minha própria pintura: “Ao buscar inspiração no Oriente, Maria Helena fez  trajetória inversa à de pintores japoneses que migraram para o Brasil, tais como Tomie Ohtake, Kazuo Wakabayashi, Tomoshige Kusuno, e Manabu Mabe. Seu abstracionismo lírico tem  afinidade com o Oriente, com a gramática icônica dos japoneses. Essa gramática icônica é apropriada pela propaganda e pela publicidade ao conceber logomarcas e outros signos gráficos de forte apelo comunicativo.  Não por acaso, a própria logomarca do Instituto Maria Helena Andrés, criado em 2005 para desenvolver trabalhos de educação pela arte, identifica ao mesmo tempo os traços da artista e sua assinatura tendo, ao mesmo tempo similaridade com a caligrafia oriental.”

Fotos da internet e de Maurício Andrés


 VISITE MEU OUTRO BLOG "MEMÓRIAS E VIAGENS", CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA. HOJE FOI POSTADO "SUAVE ENVELHECER".