terça-feira, 24 de fevereiro de 2015


CENTRO DE KRISNAMURTI EM TIRADENTES II

 Durante uma semana participei das vivências educacionais que são o “trabalho de campo” do Centro Krishnamurti em Tiradentes. Krishnamurti entende a educação como um processo total de aprender com tudo na vida:
            “Todo movimento da vida é aprender. Nunca há um tempo no qual não exista o aprender. Toda ação é um movimento de aprender e todo relacionamento é aprender.”
  Gabriel participa das atividades cotidianas durante todas as manhãs. Ele tem 11 anos e está interessado em aprender tudo (colocar corretamente a mesa do café, cuidar dos coelhinhos, regar o jardim e fazer vasos novos, ajudar a esticar o alambrado da cerca nova e, naturalmente, em participar das “oficinas” de artes, violão, ritmo, desenho e cores). Incentivei-o a fazer colagens, uma alternativa para evitar o cheiro forte da tinta. O menino começou a criar e recortar em papel uma árvore que eles vêm cuidando – e que é sistematicamente atacada por uma praga. Na véspera, Rachel – a responsável pelo Centro de Estudos - havia convocado todos a irem para o trevo no quarteirão de baixo, afim de retirar mais uma vez a parasita de cima da árvore. Foi uma experiência importante não só para as crianças, mas para todos nós. Há exatamente um ano atrás esta árvore estava tão tomada pela parasita que estava a ponto de morrer sufocada. A turma reunida conseguiu libertá-la e hoje ela está verdinha, respirando o sol da cidade. Assim, foi estendida esta solidariedade para a população de Tiradentes, que agora pode se refrescar com a sombra e beleza da arvorezinha. Gabriel está fazendo duas colagens: uma com a árvore coberta de parasita e outra com a árvore livre.
            O cuidado do professor em qualquer destas “oficinas vivas” de trabalho/lazer é não ensinar, não favorecer uma aprendizagem por imitação. O importante é o despertar da criança, jovem ou adulto para a sua vida interior. É deixar livre o contato consigo mesmo, o conteúdo a ser aprendido é só uma ferramenta para o auto-descobrimento.  O professor permanece atento, presenciando o aluno tirar de si mesmo o aprendizado. Ele está presente, numa atenção impessoal, afetuosa, sem julgar ou comparar (nada que alimente a separatividade). Ele dá “orientações técnicas” que podem ou não serem aproveitadas, olhando tudo o que acontece sem a pressão de um resultado pré-determinado. Há uma alegria neste aprender sobre si mesmo, sobre o outro e sobre o mundo.
Após a sessão de colagens, a brincadeira inverteu – e aí foi a vez do Gabriel me ensinar a fazer os tsurus de dobradura. Tive que “entrar na linha”, senão não dava certo o dobrar no próximo passo.
Assim, as vivências e aprendizados acontecem de forma natural e compartilhada pelos visitantes, moradores, empregados e alunos, que se reúnem de forma prazerosa e criativa. Participei de um grupo improvisado de vocalistas, cantando desde músicas do folclore brasileiro, até o jazz de Louis Armstrong e a música “Imagine” de John Lennon – cada um cantando e acompanhando com instrumentos de corda o violão do Sr. Geraldo. Ao final do sarau, nos reunimos debaixo da jabuticabeira para saborear um picolé de coco queimado famoso na região.
Aliando trabalho à música e às artes plásticas – e a uma viagem de trenzinho até São João Del Rey, senti o processo de toda esta experiência como se fosse uma orquestra de sons e cores que promovia o lúdico para todos – uma alegria que só as crianças manifestam quando se envolvem com seus jogos criativos, livres de comparação e competição. Nessa atmosfera leve e afetuosa cada um podia entrar em contato com seus movimentos interiores, seus medos, ansiedades, projeções e outras coisas reprimidas que fazem parte da nossa história pessoal. Isto pode finalmente vir à tona sem preconceito, sem o perigo de ser recompensado ou punido.
Nas palavras de Krisnamurti: “Educação é aprender o que está acontecendo exatamente, sem teorias, preconceitos e valores. Os livros são importantes, mas o que é muito mais importante é aprender sobre o seu livro, a sua própria história, porque você é toda a humanidade. Ler este livro é a arte de aprender.”
Fotos de Rachel Fernandes
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.








quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015


CENTRO DE KRISHNAMURTI EM TIRADENTES I

  Neste final de janeiro estive hospedada no Centro de Estudos de Krishnamurti – o único do Brasil – em Tiradentes, MG. Rachel, minha sobrinha e amiga, é quem disponibiliza o Centro, promovendo encontros de estudo e trabalho cooperativo em uma atmosfera afetuosa, rica de auto-descobertas e cercada de natureza por todos os lados.
Lá nos encontramos em meio a um curso contínuo de auto-conhecimento aplicado à vida diária. É um “currículo” improvisado com as atividades normais de uma casa com jardim, horta, cachorros e coelhos, situada numa rua típica do interior de Minas Gerais. De um ano pra cá as atividades dessa “casa-escola” transbordaram para o entorno, ocupando o espaço público da rua com uma “horta demonstrativa”: canteiros feitos de material reciclado onde estão sendo cultivadas hortaliças não convencionais e plantas medicinais. Junto a este viveiro de mudas catalogadas há um “Livro da Horta” onde são apresentadas as características e propriedades da planta, assim como sugestões de uso e algumas dicas culinárias. Mudas são oferecidas ou trocadas com a população interessada em fazer ou ampliar sua horta caseira. Recentemente, inspirados nesta iniciativa,  professores e pais da escola local montaram uma horta comunitária, contando com várias doações de mudas, com a participação da comunidade local.
 Neste Centro de Estudos de Krishnamurti, há vários contextos de aprendizagem viva, onde a pessoa pode testar por si mesma os insights daquele grande filósofo e educador nascido na Índia e que por mais de 60 anos percorreu o mundo falando sobre a urgência de uma nova cultura, onde o ser humano possa “florescer em bondade” em uma atmosfera afetuosa e de lazer.
  Como disse Krishnamurti:
- “Estamos interessados em criar uma existência social diferente, uma geração futura que percebe a futilidade das guerras e do assassinato organizado; uma geração que está interessada no relacionamento global, sem o isolamento nacionalista; uma geração que está envolvida com a verdade.”
 - “Os seres humanos criaram uma sociedade que exige todo o seu tempo, toda a sua energia, toda a sua vida. Não existe lazer para aprender e assim a vida se torna mecânica, quase sem sentido. Assim, devemos ser bem claros em relação ao entendimento da palavra lazer – um tempo, um período quando a mente não está ocupada com o que quer que seja. É um tempo de observação. É só uma mente desocupada que pode observar. Uma observação livre é o movimento de aprender.”
  Neste centro em Tiradentes, a criança aprende fazendo ela mesma, com suas mãos, as tarefas diárias (jardinagem, cozinha, pequenos projetos no viveiro de mudas e de coelhos, projetos em marcenaria e construção, etc). Ao mesmo tempo ela está conectada com o mundo, com pessoas de outras cidades e países, com as notícias mundiais, e aprende a usar o computador com responsabilidade - e não ser usada pela “rede”.
 Realmente, somos uma só família. Aqui estamos participando e também criando com as crianças da Terra. É uma criação viva, em movimento, e anônima. Neste Centro de Estudos todos – moradores, visitantes, empregados e alunos – estão aprendendo juntos a arte de viver. Eles estão continuamente aprendendo, através do espelhamento da interação entre eles - e com a natureza - como eles realmente são. E nas lições práticas, cada hora é a vez de um aprender com o outro, em rodízio. Como Krishnamurti escreveu no final de seu livro “Cartas às Escolas”: “Aprender traz igualdade entre os seres humanos”.
  Durante o dia o Centro de Estudos oferece este período de trabalho e interação educacional. Em outro período a pessoa fica livre para passear, descansar, fazer estudo individual ou simplesmente ficar recolhida.
E toda noite nos reuníamos na sala para assistir a um DVD de Krishnamurti, um “curta” de suas palavras para plateias do momento. Lembro-me de Krishnamurti na Índia, falando para mais de 5.000 pessoas. Tomei um táxi para assisti-lo, rompi uma multidão e fiquei bem na frente escutando-o. Há mais de 40 anos que o acompanho através de vídeos e livros. Sua mensagem mobiliza nossas energias interiores, para nos integrarmos ao canto da vida, que está sempre nos chamando. 
Fotos de Rachel Fernandes
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.