sábado, 25 de setembro de 2010

DUAS EXPOSIÇÕES NA PAMPULHA

Paulo Bruscky

No Museu de Arte da Pampulha, a mostra conceitual do artista pernambucano Paulo Bruscky nos envia mensagens políticas da década de 70, em plena ditadura militar, quando os artistas davam seu recado, denunciando a repressão. A injustiça contra o ser humano proibido de pensar, injustiça contra a destruição da natureza. A força autoritária da repressão não conseguiu impedir que esses artistas se manifestassem contra o poder central que reprimia, prendia e matava os jovens rebeldes.

Agora, no meio da sala, o artista conversava com os visitantes. “Conheço a senhora há muito tempo, desde a década de 60, através de seu livro “Vivência e Arte”. Realmente, pensei, os livros transmitem nossas idéias e este artista de Pernambuco aqui estava me conhecendo, agora pessoalmente. “Vivência e Arte” deu o seu recado, percorreu o Brasil de norte a sul, viajou até os Estados Unidos, chegou à Biblioteca do Congresso e à Universidade de Berkeley, na Califórnia.

Volto a apreciar a mensagem do artista. Ali estão os seus livros objetos, dentro de uma vitrine. São mensagens, anotações costuradas e formatadas pelo próprio artista, num carinho imenso pelo livro e a palavra escrita em suportes pequeninos, intimistas. Do lado de fora do Museu, uma escultura de barras de gelo foi erguida em forma de fogueira. Aos poucos o gelo vai derretendo, formando uma lagoa no chão. Não seria esta uma alusão ao efeito estufa derretendo as geleiras? Paramos em frente a uma série de microfones. O artista captou a música de várias fontes e cachoeiras em suas viagens pelo mundo. Agora também podemos ouvi-las logo na entrada do Salão.

A Arte Contemporânea, com seus recursos que se ampliam para a vida, sensibiliza o publico de forma direta. Ela não procura o conhecimento científico, mas atinge o ser humano através da sensibilidade e emoção.

Paulo Bruscky abre questões para a arte atual em torno da idéia de unicidade da obra de arte. “Valendo-se de canais alternativos de circulação, Paulo Bruscky, pioneiro da arte postal no Brasil, ativou ampla rede de correspondência disparada a partir de Recife, cidade onde nasceu e sempre viveu, para várias partes do mundo, o que acabou por gerar um rico arquivo de arte conceitual com cerca de 70 itens, que incorpora desde trabalhos de artistas/ativistas integrantes do Fluxus até artistas do grupo japonês Gutai. (...) O subterrâneo estourou, tornando a arte simples. Será que arte é sempre única e original. O que é a arte? Para que serve? pergunta o artista.”

Edith Derdyk, linha de costura

Na mesma tarde de sábado, a Galeria Livrobjeto da C/Arte dava continuidade à sua programação de livro objeto com uma exposição da artista paulistana Edith Derdyk.
A artista veio para a inauguração e trocamos idéias. Ela também está interessada na Índia, viajou do Rajastão até o Nepal, conheceu os Himalaias e os monges budistas na sua busca do Vazio. Em sua proposta conceitual para a exposição na Livrobjeto, Edith nos trouxe livros fotografados, xerocados, costurados, empilhados na estante, livros sem palavras, livros que refletem o vazio, o presente, o agora como o espaço a ser descortinado pela linha. “A linha é uma divisória incerta. Mede e potencializa a sutileza do limite, prevê um ponto de partida e um ponto de chegada que às vezes pode nunca mais chegar.” Assim como a vida, os pensamentos são costurados e avançam no tempo, perpetuando o agora.

Edith nos traz em seu livro “Linha e Costura”, a ação de costurar como uma forma de caminhar. “Escrevo como costuro, costurando, ligando, furando, recortando, costurando pensamentos e tudo o mais.” Edith vai costurando seus pensamentos contidos no livro. “O livro canta a sua partitura inacabada, sua tessitura.O tempo conta sua extensão topográfica, superficial. A destruição do tempo se reduz à apreensão do impossível. Confinado na matéria, o tempo se expande, contrai, estira, retrai. O tempo suporta a vida, sustenta o homem, pressiona a matéria.” Em seu pequeno livro de reflexões, Edith nos traz a mensagem escondida no fazer e vai, através do costurar linhas, pensamentos, idéias, elaborando também uma filosofia própria do fazer ligado ao sentir e ao pensar.

*Fotos de Maurício Andrés e Marília Andrés

ATENÇÃO: Clique em cima para ver o outro blog de Maria Helena Andrés "Memórias e Viagens".




quinta-feira, 16 de setembro de 2010

IV FORUM DAS AMÉRICAS

O Instituto Arte das Américas vem contribuindo, desde a sua fundação em 2000, para o intercâmbio entre as propostas de arte das diversas regiões do planeta. Esta iniciativa, feita com entusiasmo e dedicação, tem se tornado um ponto de referência cultural em Belo Horizonte e, através dela, pude entrar em contato com pensadores não somente brasileiros mas também estrangeiros. Para mim foi um aprendizado e enriquecimento intelectual participar das palestras desses Fórum.

Agora, em 2010, o Instituto se enriqueceu entrando em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais para a realização da Bienal Zero, que congrega estudantes das diversas Escolas de Arte das Universidades Latino-americanas.

Para o campus da UFMG se deslocaram os mais importantes críticos brasileiros e estrangeiros, tais como Francisco Jarauta, filósofo e professor de diversas universidades européias e americanas, e Agnaldo Farias, professor da USP e curador da Bienal de São Paulo.

Francisco Jarauta veio da Europa para nos oferecer uma palestra de alto gabarito, onde, de forma holística, analisou a arte contemporânea em seu contexto global. Ele foi desvendando segredos e mostrando mapas de transformações dos conceitos de arte e abrindo a consciência do público para esses pontos de mutação que acontecem agora em alta velocidade. Com agudeza de percepção, analisou o advento das novas tecnologias e a sociedade da informação, mostrando como estamos mergulhados na velocidade e como as instituições políticas estão sendo substituídas pelas instituições econômicas. Apontou o papel poético e político da arte enquanto transformadora da sociedade e da consciência. “Os desafios do mundo contemporâneo são imensos”, nos disse ele, cabe aos artistas captar essas transformações através da sensibilidade e da intuição para a construção de seu cotidiano, integrado ao planeta e ao universo. A arte deve ter um grande papel nesta transformação. È importante “abrir novos espaços vinculados ao social, estudar a cartografia correta dos problemas e saber identifica-los com a sensibilidade. É necessário a humanização do espaço social”. Francisco Jarauta, um dos grandes filósofos do momento, foi abrindo caminho para a melhor compreensão de uma arte contemporânea, participante e humana, sempre aberta ao questionamento e às novas interrogações. São essas interrogações que nos fazem seguir em frente e nos libertar do passado.

O que ele falou foi encontrando ressonância com o meu pensamento holístico e foi por esta razão que ali fiquei atenta, escutando uma palestra em outra língua, mas sentindo em cada palavra uma afinidade muito grande com o meu modo de pensar.

Outra palestra que me tocou foi a do meu amigo Agnaldo Farias sobre a Bienal de São Paulo, onde ele discutiu o conceito da Bienal no contexto da Arte Contemporânea. A Bienal de São Paulo, desde a sua criação em 1951, tem sido uma vitrine da arte que se fez pelo mundo nesses últimos sessenta anos. A Bienal não é somente um espaço expositivo, mas é um ponto de encontro entre artistas, curadores, intelectuais, educadores, professores, estudantes e o publico em geral. A partir dessa concepção ela propõe abrir espaços de encontro, denominados “terreiros”, entre os espaços expositivos. Ali vão acontecer performance, dança, música, aulas para crianças e discussões sobre arte contemporânea.

Venho acompanhando as Bienais de São Paulo desde a sua inauguração e considero da maior importância fazer daquela mostra um grande aprendizado de arte. Todo o meu itinerário artístico se enriqueceu com a visão do mundo que a Bienal me deu, através da visão da arte internacional e dos grandes encontros que tive com os artistas e intelectuais da época. Tive a oportunidade de encontrar artistas e críticos como Maria Leontina, Milton da Costa, Volpi, Krajecberg, Franz Weissmann, Mary Vieira, Lygia Clark, Mário Silésio, Lourival Gomes Machado, Antonio Bento e Mário Pedrosa no pequeno café situado logo na entrada da Bienal.


*Fotos de Marília Andrés, Foca Lisboa e Internet




sábado, 11 de setembro de 2010

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

UAKTI EM INHOTIM

Venho acompanhando a trajetória do Grupo UAKTI, desde a sua criação em 1978. Por muitos anos eles tinham a sua sede, o seu pequeno ponto de referência no porão de uma casa situada no bairro dos Funcionário em Belo Horizonte. Ali também eu tinha o meu ateliê de pintura e, enquanto pintava, escutava os ritmos de percussão e a sonoridade da flauta soando aos meus ouvidos. Música e pintura se integravam dentro de criações diversas e, aos poucos fui percebendo a ligação mais profunda entre as cores, as linhas e os sons.
Acompanhei o UAKTI, viajei com a turma para os Estados Unidos e Europa.

No Guggenhein de N.York assisti às apresentações coroadas de sucesso e também os workshops para turmas de jovens estudantes americanos.
A interatividade sempre foi uma característica deste grupo. As pessoas se acercam, desfilam pelo palco, tocam os instrumentos. Há uma curiosidade em saber a história do grupo, como foram criadas as músicas e os instrumentos. A lenda do índio com o corpo cheio de furos continua a ser apresentada em várias regiões do planeta.
UAKTI é uma lenda que se torna viva através da música. Ela caminha pelo mundo, transmutando energias.
“Música dos deuses” foi como Maria Betânia se referiu a este grupo.

A música do UAKTI ganhou o mundo, depois o Brasil, mas não quis perder suas raízes.

O grupo considera Belo Horizonte como um lugar adequado para o desenvolvimento de um trabalho sério, sem as precipitações e dificuldades do eixo Rio- São Paulo.
Aqui eles podem criar, participar de reuniões e ao mesmo tempo estar junto dos familiares.

Minas Gerais é o lugar adequado para a criação artística, o recolhimento das montanhas favorece. Depois do trabalho pronto, ele está em condições de se atirar pelo mundo.
A receptividade ao grupo começou com o entusiasmo de Milton Nascimento. Ele acreditou num grupo que estava começando, gostou da sonoridade e convidou os músicos para participarem com ele de uma gravação.

Outro encontro de grande importância para o crescimento do grupo no mundo, foi a sua ligação com Phillip Glass, considerado o maior compositor americano da atualidade.
Com Phillip Glass o grupo viajou pela Europa, EUA e Canadá e brevemente seguirá para o México. Integrando músicos de diversos países, o CD Orion será apresentado este ano, em outubro, na capital mexicana. Neste nosso planeta conturbado pela violência, o grande concerto “Orion” continua buscando a integração e a paz.

Inhotim

Inhotim é um lugar privilegiado, enriquecido com o paisagismo de Burle Marx. Ali, Bernardo Paz criou um museu ao ar livre, considerado como o maior centro de arte contemporânea do mundo. Para isso reuniu artistas de renome e seus trabalhos estão distribuídos no meio da vegetação. Passear por Inhotim é captar os sons da natureza e, ao mesmo tempo, sentir o que de mais avançado existe em arte contemporânea.

A apresentação do Grupo UAKTI no dia 29 de agosto foi um programa que uniu a música às artes plásticas, realizando a síntese das artes prevista como forma de harmonização para o século XXI

Sentados na grama, os jovens sentiram esta integração.

Dali surgirão outros jovens músicos, também com o objetivo de levar a arte ao mundo em sua grande missão de paz.

Música de jovens talentos

Novas gerações vão surgindo, dando continuidade ao que foi criado anteriormente, para se estender ao longo do tempo, como uma orquestra vinda das montanhas.

Jovens músicos de 20 anos afinam os seus instrumentos para a música erudita e já estão sendo reconhecidos e premiados. Assisti ao concerto “Jovem músico” patrocinado pelo BDMG Cultural e voltei impressionada com a seriedade do grupo. Aqui vai um recorte dp Jornal Estado de Minas do dia 9 de setembro.

*Fotos de Márcio Reggis




sexta-feira, 3 de setembro de 2010

PIC NIC NA FAZENDA

Comer é um ato agrícola - saber a origem dos alimentos, como são plantados, se são preservadas as comunidades tradicionais de plantio, enfim, preservar os saberes e sabores. Unir os dois elos: produtor e consumidor e integrá-los num ambiente de arte do cotidiano em que os pratos servidos são coloridos.
Junto com o grupo local do “Slow Food” os visitantes são convidados a participar de um evento, uma festa no campo onde recebem instruções sobre o plantio dos alimentos que consomem.
No almoço o prato fundamental foi o bambá de couve, angu e farinha de milho torrada. Receita de Jorge dos Anjos que é artista e “gourmet”. Às vezes é convidado para expor suas esculturas e acaba fazendo o almoço.
Teresa recebeu uma receita do Chico Magalhães, artista plástico e atualmente diretor do Museu Mineiro de um biscoito amanteigado de fubá, denominado pelos antigos de “raivinha”. Numa oficina de gastronomia com as crianças, Teresa as incentiva a meter a mão na massa.
A raivinha era usada pelas mães como tarefa de harmonização das brigas entre irmãos. Enquanto amassavam os biscoitos punham a raiva para fora. Depois comiam a produção celebrando as pazes. Isto se chama o saber dos sabores.
O pique-nique incluía em sua programação uma visita à horta para ver a plantação de morangos, das hortaliças e do milho. As crianças identificavam as mudas. A festa terminou com uma visita à fazenda da Barrinha, para ver o moinho dágua e os jardins da tia Laura, cheios de bouganviles, orquídeas e até o perfumado “chulé do imperador”.
Uma jovem artista americana relacionou os jardins da Barrinha com os “secret gardens” nos USA. Lembramos também dos jardins de Monet, que ele imortalizou nos seus quadros.
O tema do pique-nique era o “milho”, o estudo de seu plantio e aproveitamento. Foi mostrada a palha usada pelas artesãs locais na criação de bonequinhas, cestos, flores etc. O milho também conduziu os convidados a ver o moinho d’água na Barrinha.
Na fazenda da Barrinha eu tive meu ateliê durante 20 anos e ali pintei várias fases do meu itinerário artístico. A fase de guerra, as madonas e a fase cósmica.
Daquele lugar privilegiado eu continuo guardando as melhores lembranças e revendo a janela do meu ateliê agora colorida com bouganvilles em flor.

Vejo agora os meus filhos e netos cultivando a terra herdada de seus avós e bisavós, como uma forma ecológica e sustentável de reverenciar a natureza. Ao mesmo tempo proporcionam às crianças o conhecimento de uma alimentação sadia, necessário para transformar o “fast food” em “slow food”.

Esta é uma forma de estender a arte à vida, proposta do nosso mundo contemporâneo.
Estamos vivendo uma época de grandes transformações e uma das funções mais importantes das diversas formas de arte é colaborar com esta mudança da sociedade. A arte do momento liberta-se, aos poucos, dos antigos padrões do passado, do mito do sucesso, da valorização da mídia, da ambição material, para conduzir o ser humano à sua real posição no planeta, à sua ligação com a natureza e com o universo.
Arte e vida não estão separadas, mas coexistem de forma harmoniosa quando tudo é feito com reverência e atenção. As atividades do dia-a-dia, a cozinha, a jardinagem, o arranjo de flores, o cuidado com as crianças, tudo está na extensão da arte para a vida.

*Fotos de Euler Andrés e Cristina Cortez