sábado, 28 de agosto de 2021

PREFÁCIO DE VIVÊNCIA E ARTE II

 

Dando continuidade ao prefácio de Alceu Amoroso Lima para o meu livro “Vivência e Arte”, transcrevo o texto abaixo:


“A autora desta pequena e lucidíssima introdução à arte em geral, à arte moderna em particular e à arte religiosa, compreendeu admiravelmente o problema e o coloca em termos tão simples, tão honestos, tão accessíveis e sensatos, que custa a crer que haja quem resista às suas razões.

         É precisamente essa ausência total do complexo de superioridade ou de inferioridade, que dá tanto calor a esta introdução à estética. Não tem nenhum complexo de superioridade, como acontece muitas vezes com os livros dos modernos críticos de arte, tratando o público de cima de suas tamancas, como sendo um rebanho de ignorantes e de retardatários. O complexo de inferioridade, que considero pior que o outro, se coloca por sua vez na posição do falso publicano, que no fundo se gaba de sua humildade, dizendo que não entende os modernos, mas deve ser porque não está à altura etc.


         A autora destas considerações não assume nem uma nem outra atitude. Apresenta-se com a simplicidade de quem sofreu muito para chegar às conclusões a que chegou, e por isso mesmo as exibe sem nenhuma pretensão de querer converter ninguém. Quem quiser que se converta a si mesmo ou se convença do bem fundado delas e depois passe a aplicá-las, na prática, não confundindo preferências pessoais com uma compreensão objetiva das formas infinitas com que os artistas – que por natureza palmilham os caminhos dos possíveis e não dos já trilhados ou impostos pela arrogância dos dogmatizadores de regras disciplinares – exprimem a sua capacidade de criação.

         A autora não pretende ser pedagoga e muito menos palmatória do mundo. Como provavelmente passou pelos mesmos transes de ser chocada pela arbitrariedade e multiplicidade das formas estéticas e pelas deformações das formas naturais e pela ausência de critérios de perfeição ideal, sabe perfeitamente que ninguém se converte senão por si mesmo. Se isto é verdade até em religião, onde a graça indispensável não tem nome nem forma nem palavra que a exprima, quanto mais em arte, quando a vocação é que desempenha o papel da Graça e o trabalho, o métier, a técnica, o da Natureza.


         A autora, além disso, não se limita a doutrinar sobre arte ou a repetir o que aprendeu nos livros dos filósofos da matéria. É ela própria uma artista, uma grande pintora. Uma criadora de formas novas, com um extraordinário talento e uma originalidade não procurada mas espontânea. E tudo isso à custa de muito trabalho, de muito "sangue, suor e lágrimas", dessas que os verdadeiros artistas, da palavra, do som, da matéria, do movimento, do que quer que seja, escondem ou por vezes não escondem na obra feita ou no silêncio dos seus ateliers.

         Sente-se, nas entrelinhas deste pequeno breviário de estética, especialmente pictural – com uma síntese histórica da evolução da pintura moderna, muito instrutiva – o enorme trabalho interior de raízes, para se chegar a esta pequena árvore tão fresca, tão simples, tão copada, que dá uma sombra tão repousante e luminosa ao leitor de boa vontade.

         Nem por isto deixa de condenar o mau gosto, como sendo o grande inimigo da verdadeira arte. Justamente por ter a arte moderna reivindicado, para o artista, os direitos da liberdade, é que o problema da honestidade ou da desonestidade em arte, do bom e do mau gosto, tanto dos artistas como do público em geral, é hoje muito mais importante do que quando a arte obedecia a certos modelos e disciplinas compendiadas e ensinadas. "A fotografia libertou a pintura", disse Jean Cocteau numa frase célebre. Mas também soltou os cabotinos. Contra os quais então o mau gosto reage em nome da sinceridade... Em matéria de arte religiosa então é que o mal-entendido se tornou mais grave. E a autora sai da sua mansidão habitual para escrever coisas incisivas e indispensáveis como esta: "A Igreja passou a ser a depositária deste mau gosto público. E a ornar os seus altares com o que de pior pode haver em matéria de arte. Não se pode mesmo dar o nome de arte a esses santos de bazar, porque neles não se vê a menor preocupação de estilo. Nem ao menos de acadêmica poderia ser chamada esta pseudo-arte das igrejas". Perfeito.

         Não quero, porém, nem poderia de modo algum, substituir-me à autora, com sua tríplice autoridade – de pintora, de conhecedora teórica do fenômeno estético e de escritora, tão simples, tão natural, tão sem pretensão. E last... tão profundamente espiritual.


         Não será esse último aspecto o mais íntimo segredo destas páginas, que recomendo vivamente aos que querem compreender? Porque aos que não querem, nem Deus convence...

Rio, 1965   

Alceu Amoroso Lima” (Trecho de “Vivência e Arte”, Editora Agir, 1969)

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sexta-feira, 20 de agosto de 2021

PREFÁCIO DE VIVÊNCIA E ARTE I

 


Quando terminei meu livro “Vivência e Arte”,fui procurar Dr Alceu Amoroso Lima para tentar um prefácio escrito por ele. Eu não queria ninguém me apresentando a ele, mas tinha certeza que ele poderia gostar do livro. Não custava tentar.

Eu estava no Rio de Janeiro, passando férias no Guarujá, prédio da família de Guilhermina, minha cunhada.

Pedi à Marília, minha filha, que me acompanhasse até o centro da cidade, onde o Dr Alceu tinha seu escritório. Fui introduzida pela secretaria à sala do Dr Alceu, rezando para que ele aceitasse a minha visita. Ele me recebeu cordialmente, no seu escritório cheio de livros, como o escritório de meu pai. Tenho certeza de que meu pai estava ali presente.

Dr Alceu era conhecido por prefaciar artistas jovens. Entreguei o meu livro, pedi o prefácio com a coragem de quem tem certeza do que está fazendo.

“Dr Alceu, trouxe este livro para o senhor ler. Se gostar do conteúdo, gostaria de ter um pequeno prefácio seu.”

“Você veio de Minas, é mãe de família. Por acaso pertence àquele grupo de mulheres católicas...”

“Não, não pertenço a este grupo...”

Enquanto falava, lembrei-me das mulheres segurando o terço na praça da Liberdade.

“Não, Doutor Alceu, não pertenço a este grupo conservador.”

Acho que se eu fosse do grupo, ele nem leria o livro.

“Deixa aqui, vou ler depois, volta daqui a 20 dias para ter a resposta.”

Despedimo-nos cordialmente e eu vim para casa, na expectativa desse encontro dar certo ou não.

Só restava esperar, ir para a praia com os filhos, diverti-los.

Na época, o Alexandrino Alencar era grande amigo do Maurício, aparecia no nosso apartamento diariamente.

E eu continuava na fila de espera, torcendo para dar tudo certo.

E não é que deu?

Dois dias depois, o telefone tocou e a voz da secretária do Dr Alceu do outro lado do fio, me anunciando que o prefácio já estava pronto, poderia buscá-lo à tarde.

Fui para a o escritório do Dr Alceu eufórica, agradeci o prefácio com entusiasmo, voltei para casa, para celebrar em família o sucesso do livro.

Regressando a BH, levei o prefácio e o livro para as irmãs do mosteiro beneditino, que muito tinham me estimulado a escrevê-lo.

Mais uma alegria e as bênçãos beneditinas celebraram o novo livro. O livro foi datilografado por meu filho Maurício, reunindo desenhos e fotos. Fui então procurar a Agir Editora, para tentar uma edição.

O livro foi aceito e muito celebrado na família.

Depois de toda essa campanha, o livro seguiu seu destino, percorreu universidades brasileiras. Hoje faz parte da biblioteca de Berkeley nos EUA e da Biblioteca do Congresso em Washington D.C. No Brasil, o livro “Vivência e Arte” está esgotado.

Passo agora a palavra ao Dr Alceu Amoroso Lima:

PREFÁCIO DE “VIVÊNCIA E ARTE”:

“Este pequeno e modesto volume é um admirável solucionador de equívocos. Não conheço, em nossa língua, melhor introdução à arte moderna, com a dupla autoridade de quem meditou profundamente e sem preconceitos sobre o próprio fenômeno estético, e pratica uma arte, a pintura, com uma vocação e uma originalidade absolutamente incontestáveis.

         O mal-entendido entre a arte moderna e o grande público é muito anterior à ruptura que, em 1914, a Primeira Grande Guerra criou entre o século XX e o século XIX. Já sem remontar à "batalha de Hernani", na literatura ou às telas de Delacroix,



na pintura, com o advento do Romantismo, foi com o Simbolismo em literatura e com o Impressionismo em pintura ou música que começou o mal-entendido. Tudo se agravou, porém, de modo precipitado depois que as várias correntes do pré-modernismo ou do próprio modernismo, especialmente a partir de 1904, se anteciparam ao dinamismo revolucionário do novo século. A arte precedeu e como que anunciou os acontecimentos, confirmando o paradoxo de Oscar Wilde,



de que a natureza imita a arte. Os novos artistas e os novos críticos começaram a compreender que a interpretação que os renascentistas, e acima de tudo os "acadêmicos", que dominaram o século XIX, haviam dado à estética de Aristóteles, era errada. Quando o Estagirita definiu a arte como "imitação da natureza" não queria dizer que a arte era uma cópia das formas naturais, e sim que imita o modo de criar da natureza. Ora, a natureza não copia modelo algum. Quando muito poderíamos dizer que a estética de Platão

imporia à arte a imitação de formas ideais. E nesse sentido o renascentismo, e seu reflexo sem talento, o academicismo, são muito mais platônicos que aristotélicos. Mas o realismo aristotélico ou escolástico é o fundamento filosófico da liberdade estética. E Maritain

o demonstrou cabalmente.

         Essa liberdade é que está na base da arte moderna e é o grande motivo do famoso equívoco entre o público e os artistas. Ou entre artistas "acadêmicos" e artistas "modernos". Bem sei que no fundo o equívoco ou o mal-entendido está entre artistas com talento criador ou sem talento. E entre o público que considera a arte simples passatempo e o que toma a sério o fenômeno artístico.” (Trecho do prefácio de “Vivência e Arte”, Editora Agir, 1968)



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domingo, 1 de agosto de 2021

ORQUESTRA 415 DE MÚSICA ANTIGA

 

Recebi de André Salles Coelho o relato abaixo sobre a Orquestra 415, que ele dirige há muitos anos.

“Os séculos XVII e XVIII deram origem a grandes compositores da história da música como Vivaldi, Bach, Telemann, Haendel entre outros, muito conhecidos, porém com grande parte de suas músicas de câmara e orquestra pouco executadas, dada a falta de grupos especializados.

 A Orquestra 415 de Música Antiga foi criada em 2012 com o objetivo de executar as obras desses grandes gênios de uma maneira apropriada, oferecendo ao público um espetáculo único, a primeira iniciativa desse tipo em Minas Gerais e a única do gênero a atuar de maneira independente no Brasil.


O diferencial do grupo está na utilização dos instrumentos: o traverso, a viola da gamba, a flauta doce, o cravo, o violino, o violoncelo barroco, todos réplicas dos instrumentos utilizados na época. Essa particularidade e o requinte na interpretação recriam uma sonoridade especial, muito próxima da que as pessoas daquele tempo ouviam.

 Em seus nove anos de existência, a orquestra vem realizando concertos importantes em diversos palcos de nosso estado com grande repercussão. Isso tem permitido ao grupo manter uma atividade musical regular que promove a constante pesquisa e vivência da música clássica, dando aos músicos a oportunidade de aprimorar seu nível técnico, estilístico e artístico. Oferece também ao público a chance de conhecer a sonoridade daquele período. Uma viagem no tempo. Um momento em que nos transportamos para um lugar vivido pelos compositores e sociedade daquela época. O resultado de tudo isso contribui para a formação de uma plateia mais consciente, mais crítica, mais sábia e mais completa.

 A orquestra tem realizado intercâmbios de conhecimentos com outros grupos de interesse como a dança, o teatro, a literatura, as artes plásticas, etc.

 Desde 2015 a orquestra leva aos palcos temporadas regulares com concertos mensais e um repertório novo a cada concerto, já tendo completado 05 temporadas integrais.

 Durante esses 9 anos de existência a orquestra já realizou:

 81 concertos em 25 diferentes locais, sendo 20 concertos no Teatro João Ceschiatti do Palácio das Artes; 18 no Museu Inimá de Paula; 07 na Sala Juvenal Dias; 06 no Hotel Mercure/Lourdes, entre outros.



Foram executadas mais de 160 peças (muito possivelmente, em sua maioria, estreias nacionais) de 57 diferentes compositores, 4 espetáculos cênico-musicais (A Lira de Shakespeare, Cartas de Monteverdi, Dom Quixote e Vivaldi & Anna e 6 óperas (Les Carnaval de Venice, La Dirindina, Venus e Adônis, Livietta e Tracollo, Le Devin du Village e La Serva Padrona.)


Trabalhou com 6 diferentes regentes (Eduardo Fonseca, Claudio Lage, André Brant, Sérgio Canedo, Augusto Pimenta e Leonardo Cunha);


 4 corais e grupos vocais (AABB, Camerata Lux, Madrigal Scala e Seconda Práticca); 38 diferentes solistas (Ana Roberta Rezende, André Cavazzoti, André Fernando, André Salles-Coelho, Artur Mário Jr, Bárbara Penido, Camila Corrêa, Cláudia Alves, Daiana Melo, Daniel Mussi, Diego d'Almeida, Eduardo Ribeiro, Elmo Sepúlveda, Emanuelle Lima, Ernani Dias, Haendel Cecílio, Iolanda Camilo, Jennifer Imanish, João Gabriel Carvalho, Jordane Moraes, Laila Rodrigues, Lara Tanaka, Leonardo Cunha, Marina de Paula, Matheus França, Marília Nunes, Melina Peixoto, Patrícia Chow, Raissa Brant, Renato Gomes, Robson Lopes, Sarah Lugon, Sérgio Anders, Sérgio Lacerda, Silvia Menez, Thiago Roussin, Wagner Soares e Wolney Garcia);



5 Atores ( Alex Prieto, Fabiane Aguiar, Gustavo Marquizini, Ivana Andrés, Jefferson de Medeiros e Luciano Luppi).

Durante seus nove anos de existência já passaram por seus quadros 94 instrumentistas de 12 diferentes instrumentos que, de uma forma ou de outra aprenderam, estudaram, pesquisaram, vivenciaram e executaram a música antiga de uma maneira profunda e enriquecedora.” (Depoimento de André Salles Coelho)




*FOTOS DE ARQUIVO

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