Quando terminei meu livro “Vivência e Arte”,fui procurar Dr Alceu Amoroso Lima para tentar um prefácio escrito por ele. Eu não queria ninguém me apresentando a ele, mas tinha certeza que ele poderia gostar do livro. Não custava tentar.
Eu estava no Rio de Janeiro, passando férias no
Guarujá, prédio da família de Guilhermina, minha cunhada.
Pedi à Marília, minha filha, que me acompanhasse até
o centro da cidade, onde o Dr Alceu tinha seu escritório. Fui introduzida pela
secretaria à sala do Dr Alceu, rezando para que ele aceitasse a minha visita.
Ele me recebeu cordialmente, no seu escritório cheio de livros, como o
escritório de meu pai. Tenho certeza de que meu pai estava ali presente.
Dr Alceu era conhecido por prefaciar artistas
jovens. Entreguei o meu livro, pedi o prefácio com a coragem de quem tem certeza
do que está fazendo.
“Dr Alceu, trouxe este livro para o senhor ler. Se
gostar do conteúdo, gostaria de ter um pequeno prefácio seu.”
“Você veio de Minas, é mãe de família. Por acaso
pertence àquele grupo de mulheres católicas...”
“Não, não pertenço a este grupo...”
Enquanto falava, lembrei-me das mulheres segurando o
terço na praça da Liberdade.
“Não, Doutor Alceu, não pertenço a este grupo
conservador.”
Acho que se eu fosse do grupo, ele nem leria o
livro.
“Deixa aqui, vou ler depois, volta daqui a 20 dias
para ter a resposta.”
Despedimo-nos cordialmente e eu vim para casa, na expectativa
desse encontro dar certo ou não.
Só restava esperar, ir para a praia com os filhos,
diverti-los.
Na época, o Alexandrino Alencar era grande amigo do
Maurício, aparecia no nosso apartamento diariamente.
E eu continuava na fila de espera, torcendo para dar
tudo certo.
E não é que deu?
Dois dias depois, o telefone tocou e a voz da
secretária do Dr Alceu do outro lado do fio, me anunciando que o prefácio já
estava pronto, poderia buscá-lo à tarde.
Fui para a o escritório do Dr Alceu eufórica,
agradeci o prefácio com entusiasmo, voltei para casa, para celebrar em família
o sucesso do livro.
Regressando a BH, levei o prefácio e o livro para as
irmãs do mosteiro beneditino, que muito tinham me estimulado a escrevê-lo.
Mais uma alegria e as bênçãos beneditinas celebraram
o novo livro. O livro foi datilografado por meu filho Maurício, reunindo
desenhos e fotos. Fui então procurar a Agir Editora, para tentar uma edição.
O livro foi aceito e muito celebrado na família.
Depois de toda essa campanha, o livro seguiu seu
destino, percorreu universidades brasileiras. Hoje faz parte da biblioteca de
Berkeley nos EUA e da Biblioteca do Congresso em Washington D.C. No Brasil, o
livro “Vivência e Arte” está esgotado.
Passo agora a palavra ao Dr Alceu Amoroso Lima:
“Este pequeno e modesto
volume é um admirável solucionador de equívocos. Não conheço, em nossa língua,
melhor introdução à arte moderna, com a dupla autoridade de quem meditou
profundamente e sem preconceitos sobre o próprio fenômeno estético, e pratica
uma arte, a pintura, com uma vocação e uma originalidade absolutamente
incontestáveis.
O mal-entendido entre a arte moderna e o grande público é muito anterior à ruptura que, em 1914, a Primeira Grande Guerra criou entre o século XX e o século XIX. Já sem remontar à "batalha de Hernani", na literatura ou às telas de Delacroix,
na pintura, com o advento do Romantismo, foi com o Simbolismo em literatura e com o Impressionismo em pintura ou música que começou o mal-entendido. Tudo se agravou, porém, de modo precipitado depois que as várias correntes do pré-modernismo ou do próprio modernismo, especialmente a partir de 1904, se anteciparam ao dinamismo revolucionário do novo século. A arte precedeu e como que anunciou os acontecimentos, confirmando o paradoxo de Oscar Wilde,
de que a natureza imita a arte. Os novos artistas e os novos críticos começaram a compreender que a interpretação que os renascentistas, e acima de tudo os "acadêmicos", que dominaram o século XIX, haviam dado à estética de Aristóteles, era errada. Quando o Estagirita definiu a arte como "imitação da natureza" não queria dizer que a arte era uma cópia das formas naturais, e sim que imita o modo de criar da natureza. Ora, a natureza não copia modelo algum. Quando muito poderíamos dizer que a estética de Platão
imporia à arte a imitação de formas ideais. E nesse sentido o renascentismo, e seu reflexo sem talento, o academicismo, são muito mais platônicos que aristotélicos. Mas o realismo aristotélico ou escolástico é o fundamento filosófico da liberdade estética. E Maritain
o demonstrou cabalmente.
Essa liberdade é que está na base da arte moderna e é o
grande motivo do famoso equívoco entre o público e os artistas. Ou entre
artistas "acadêmicos" e artistas "modernos". Bem sei que no
fundo o equívoco ou o mal-entendido está entre artistas com talento criador ou
sem talento. E entre o público que considera a arte simples passatempo e o que
toma a sério o fenômeno artístico.” (Trecho do prefácio de “Vivência e Arte”,
Editora Agir, 1968)
*FOTOS DA INTERNET
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