sábado, 31 de agosto de 2013


DA ARDILOSIDADE DA LINHA

Sobre a minha trajetória na arte, separei alguns depoimentos para este blog, dentre eles a crítica abaixo, de Agnaldo Farias:

   “No Brasil a entrada em cena da abstração, coincidentemente ocorrida durante os anos cinqüenta, quando o país trocava sua vocação agrária em favor de um perfil urbano/industrial, é um capítulo de matizes variados e que, a julgar pela ênfase na vertente geométrica sediada em São Paulo e Rio de Janeiro, dada pela historiografia das últimas décadas, resta muita coisa ainda a ser analisada e avaliada em termos mais condizentes.
   Se os cinqüenta foram férteis para a arte brasileira em geral, anos que hoje figuram dentro da história da nossa arte, até ali não muito exuberante, como a década da nossa emancipação intelectual, em que o melhor da nossa produção passou a não depender mais de forças epifenomênicas como Segall, Guignard e Goeldi, foram igualmente decisivos na trajetória da nossa artista.
   Expondo na Ia. Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, suas pinturas e aquarelas calcadas no registro atento e delicado de cenas do cotidiano das Minas Gerais onde vivia, foi ali que Maria Helena Andrés presenciou o impacto da abstração geométrica, assistiu a premiação da obra vigorosa daquele que na altura era o seu maior representante, o suíço Max Bill, autor de “Unidade Tripartida”, peça que hoje integra o acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, e voltou sintonizada com o debate que a faria mudar o vetor de sua pesquisa. Paulatinamente ela foi se afastando, ainda que quase nunca por completo, de um contato mais direto com o mundo, da pele e das formas das coisas que ela, sempre com grande qualidade já vinha transformando num jogo de modulações cromáticas sobreposta a um processo gradativo de simplificação formal. Data dessa fase as cenas domésticas e rurais, o interior das casas, os bichos domésticos e pássaros, todos eles reduzidos a elementos geométricos, no mais das vezes puxados de uma só linha, como um impulso que se desata pela superfície de papel, ávido no fabrico de um mundo só dele.
   Aliás, essa desenvoltura do gesto de Maria Helena Andrés, que se afirmaria ao longo dos anos, e que inclusive se ampliaria por superfícies cada vez maiores, é uma qualidade que ela lapidou já no interior do Curso Livre do Instituto de Belas Artes de Belo Horizonte, onde, sob o comando de mestre Alberto da Veiga Guignard, tendo ao lado os talentos de Edith Behring e Franz Weissmann, ela estudou de 1944 até 1947.
   A justificada admiração pelas obras de Weissmann e de Amílcar de Castro, este último colega da nossa artista, obras de caráter mais do que exato, extraídas do metal ou do correspondente projeto traçado em linhas duras e despojadas, acostumou-nos, ou ao menos para aqueles não tão bem informados e que a bem dizer formam a imensa maioria, a pensar Guignard como um professor que a considerar a diafaneidade e leveza das atmosferas que ele próprio pintava, pregava justamente o oposto do que fazia: o peso e a incisividade da certeza. Também nesse sentido, acompanhar a preciosa coleção de desenhos e croquis que a artista ciosamente conservou consigo, significará perceber um pouco mais sobre as possibilidades abertas pela lendária lição de Guignard obrigando seus alunos a desenhar com lápis de grafite duro, lápis que abre um sulco na fibra do papel, que deixa sobre ele uma marca indelével para além da trilha escura que ele vai depositando na razão da força empregada pela mão.
   Sob títulos prosaicos como “Mudança a cavalo”, “Figuras na rua”, “Boiadeiro”, “Interior de fazenda”, “Cena da via sacra”, assiste-se ao desenrolar contínuo, sem rupturas, de uma linha tão seca quanto suave, uma linha de nanquim magra como o gume de uma faca e que como tal separa os contornos de tudo o que encontra pela frente – casa, chão, cadeira, cruz; cavalo, cavaleiro, cabresto, arreio; boi, boiadeiro, vara, berrante-como se fosse possível fender a paisagem, retirar sua matéria mais estrita, mais rente, seu nervo ou seu osso. Se a linha é esquálida, o mesmo não se pode dizer da precisão de quem a leva na qualidade de um corte ininterrupto, que parece respirar apenas quando sua faina cessa. Mas o que antes nos fascina, o que enleva nossos olhos fazendo-os flutuar na cadência dada pelas linhas, é a delicadeza com que essa geometria, ciente das coisas e sobretudo de si própria, abandona-se ao flerte e ao devaneio da mão, inventando brincadeiras, deslizando para lá e para cá, deixando-se intrincar ao sabor de curvas íngremes e ângulos abruptos. Tudo isso, convém frisar, elaborado em papel de pequeno formato, área limitada e que convida ao olhar mais próximo, colado, um olhar acariciante, coerente com um traçado minucioso a um só tempo frágil e coeso, como teia de aranha ou arame dos insetos.
   Se a mudança de orientação por parte de Maria Helena Andrés, a opção por uma poética de extração construtiva não implicou, ao menos na década contemplada por essa mostra de agora, no abandono da figuração, o fato é que ela foi levada para mais longe, para uma região em que os motivos representados tornam-se mais e mais indifusos. Barcos, cidades e construções, em especial aquelas organizadas através de campos retangulares, eram as vagas referências, quase que os pretextos para a artista demonstrar a fecundidade da linha, simplificada em conjuntos justapostos de linhas verticais e horizontais, de que são exemplares magníficos os estudos para cidade iluminada, realizados a bico de pena branco sobre papel preto.
   A fecundidade do desenho da nossa artista fica ainda mais patente nas esculturas, versões atualizadas da mesma família de desenhos contínuos elaborados naqueles anos. Os desenhos fechados, série de quadriláteros enunciados exclusivamente pelas arestas, linhas que se resolvem em ângulos e quadriláteros irregulares, sobrepostos entre si, revelam-se enfim formas retráteis; transpostos para o ferro, as linhas saltam no espaço, volumetrizam-se, despacham-se no espaço abraçando-se ao ar. Na qualidade de esculturas perdem a univocidade permitida por sua leitura no plano de papel. Postas no espaço, passíveis de serem observadas a partir de ângulos variáveis, cada um único desenho converte-se agora em vários, tanto quanto os pontos de vistas de alguém que se desloca ao seu redor. Cada escultura é, portanto, um desenho plural, prova conclusiva do ardil que todo desenho, desde que produzido por mão sábia, traz dentro de si.” (Agnaldo Farias, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP)

As esculturas recentes, inspiradas em desenhos construtivistas da década de 50, estarão expostas, de 5 a 8 de setembro na Feira ArtRio através da Galeria Lemos de Sá.
Endereço: Pier Mauá, Av. Rodrigues Alves, n° 10, Saúde, Rio de Janeiro. Para mais informações entrar no site www.artrio.art.br.

*Fotos de Maria Helena Andrés e de arquivo


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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

segunda-feira, 12 de agosto de 2013


I SEMANA DE ARTE DE ENTRE RIOS DE MINAS

 A 1° Semana de Arte de Entre Rios de Minas aconteceu agora, no final de julho, com grande sucesso, organizada por Marília Andrés, a nova presidente do IMHA.

Marília é historiadora e acredito que a sua gestão vai ser baseada na história. Teresa, nossa jovem ex-presidente renunciou  ao cargo devido ao fato de estar, de agora em diante, morando fora do Brasil, embora tenha colaborado na estruturação do evento.
Marília buscou apoio da UFMG, dali trazendo uma equipe de professores ligados às novas tecnologias. Um vídeo está sendo formalizado, com a história da minha vida de artista, focalizando de preferência a minha fase rural, onde a influência de Guignard foi marcante. Procuramos separar numa sala as pinturas e em outra os desenhos e aquarelas. Naquela época (década de 40) eu pintava à óleo, não havia ainda surgido o acrílico, mas dentro da pintura orientada pelo mestre Guignard, separei alguns quadros representativos. Para o documentário, dei entrevistas para a equipe que veio de Belo Horizonte para ministrar as oficinas da Semana de Arte.

Na minha opinião, Entre Rios está formando um grupo muito bom em vídeos, os professores são ótimos e os alunos muito interessados.

Nesta semana de arte, Marília convidou professores que conheciam o processo de fotografia Pinhole, precursor da fotografia, que remonta à época de Leonardo da Vinci.
“Uma caixinha ou lata poderá servir de câmera fotográfica”. As crianças deliraram ao aprender o processo da câmera escura e ter a alegria de verem seus trabalhos serem revelados. Pinhole é de uma simplicidade comovente. Nesta época em que as crianças recebem brinquedos prontos, a fotografia à moda antiga nos faz refletir sobre o trabalho artesanal dos antigos pesquisadores.

Visitei a oficina de musicalização infantil, linguagem lúdica da música entregue à professora Iraty Boelsums, no Villa Lobo Arte Bar. 30 crianças sentadas no chão, entoavam notas musicais acompanhadas de pandeiros e chocalhos. O objetivo era despertar a criança para o som que está em toda parte, ao redor de nós e também dentro de nós. Havia uma energia muito boa, circulando pelo espaço, em vibrações, como se um grupo de anjos estivesse descendo à Terra. Assisti ao final do curso e pude participar dos abraços coletivos de agradecimento dados pelos artistas mirins à sua jovem professora. Realmente, a música é um grande instrumento de harmonização.

À noite o bar da Cláudia voltava a ser de gente grande. Durante a semana de arte, aconteceram apresentações musicais da Seresta Rios ao Luar, do Grupo Voz e Poesia (Luciano Luppi, Ivana Andrés e Evaldo Nogueira), além de projeções de vídeos de Tuca Boelsums, Graveola e Eduardo Fillizola.

Gostaria de agradecer a preciosa colaboração dos coordenadores Pedro Duarte Lobo, vice presidente do IMHA, Evandro Lemos da Silva, da UFMG, além dos músicos Iraty Boelsums, Ralph Oliveira e Verônica Nóbrega, que doaram seus trabalhos  de forma voluntária.

Também gostaria de agradecer aos colaboradores Iara Rolim de Oliveira, Cláudia Ribeiro Duarte Resende, Tuca Leão Boelsums, Ana Carolina Novaes de Almeida, Gabriel Caram, Vinícius Odilon, Gorete Boelsums, Laura Melgaço Camilo, Mariah Boelsums, Pedro Bertal, Jonathan Serafim e Daniela Cristiane Santos.


*Fotos de Maurício Andrés


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sexta-feira, 9 de agosto de 2013