sábado, 27 de março de 2010

REFLEXÕES SOBRE UMA EXPOSIÇÃO IV

No dia 7 de fevereiro, José Cabral Filho, aproveitando a intervenção dos irmãos Drumond, construiu uma replica no chão, com uma experiências de arte virtual projetada na parede à medida em que as pessoas circulavam e se davam as mãos, numa demonstração da energia humana conjugada com a energia da tecnologia.
No dia 4 de fevereiro foi realizada a palestra do crítico Fernando Cocchiarale. Sentada ao lado do palestrante eu escutava suas palavras claras sobre o concretismo no Brasil e no mundo. Ele inseria o grupo mineiro nos movimentos concretistas da década de 50, mostrando a importância de nossa participação. Seu pensamento revelou uma arte internacional ligada em suas origens à vanguarda russa pre-revolucionária, onde se estudou a forma em seus elementos essenciais. Cocchiarale também mencionou a importância da presença da mostra Arte Construtiva Brasileira nos Estados Unidos como forma de valorização de nossos artistas através de uma coleção da mais alta qualidade.
Tendo como suporte o tablado de madeira onde distribuiu retângulos, quadrados e varetas coloridas, no dia 9 de fevereiro, Márcio Sampaio buscou na origem do construtivismo a influência do grande artista russo Malevitch. Aquele artista procurava, através da eliminação do supérfluo, alcançar a “realidade suprema” que é sem forma e sem cor, chegando ao famoso quadro “Branco sobre branco”. Na exposição, Márcio Sampaio, inspirado no construtivismo russo, criou para mim uma logomarca que oportunamente será usada.

* Fotos : Roberto Andrés

sábado, 20 de março de 2010

REFLEXÕES SOBRE UMA EXPOSIÇÃO III

As crianças se interessaram, participaram de uma oficina dirigida por Isaura Pena e tiveram a alegria de ver seus trabalhos também expostos nos painéis. Depois vieram as intervenções. No princípio achei estranha a idéia, pois nunca tinha visto isso em nenhum lugar do mundo. Curadores, artistas e colecionadores teriam de ver seus trabalhos sempre mudando de lugar. Ótima idéia para treinar o desapego.
Marília e Roberto foram os curadores, fizeram uma instalação baseada na história da linha e do gesto. Juntos, organizaram o primeiro módulo, que durou um mês. Ficou lindo, muito claro, incisivo, mostrando o início do processo e a direção para as esculturas geométricas e orgânicas.
Já estávamos todos acostumados àquela disposição dos quadros e esculturas, quando, numa segunda feira, tudo mudou e na terça feira já estava instalada uma nova versão, dessa vez entregue a dois outros curadores convidados, Wellington Cançado e Renata Marques. A nova curadoria mudou tudo de lugar de um dia para o outro. Tivemos de desapegar do passado e enxergar o novo, naquele momento entregue a dois jovens arquitetos. A visão do todo foi dividida em compartimentos bem definidos. Os quadros passaram a ser vistos de outra forma, independentes de uma perspectiva cronológica e as esculturas tiveram destaque colocadas à entrada da galeria.
No dia 26 de janeiro, o diretor do Museu Mineiro, Francisco Magalhães, fez uma segunda intervenção mas não mudou os painéis. Riscou no chão com grafite projetando linhas paralelas que dialogavam com os quadros concretistas, com os painéis e estendia a exposição para o piso de mármore.
As intervenções foram verdadeiras reinvenções inspiradas nas pinturas concretistas. No dia 2 de fevereiro, os irmãos Marcone e Marcelo Drumond reinventaram meu quadro “Fantasia de ritmos”, hoje pertencente ao Museu de Houston, nos Estados Unidos e, no momento, percorrendo a Europa na exposição coletiva “Arte Concreta Brasileira”. Foi aberta a discussão sobre a venda da coleção Leirner para os Estados Unidos. Como pertencente a esse grupo de artistas brasileiros, sou de opinião que a retirada das obras do Brasil não significou perda nem para os artistas, nem para nosso país. O estrondoso sucesso da mostra “Arte Concreta Brasileira” levantou o nome do Brasil para o exterior e também permitiu que se olhasse com respeito para o hemisfério sul. Em nível de qualidade ficou constatado o fato de que somos tão bons em termos de arte concreta quanto o hemisfério norte, para não dizer melhores em termos de conjunto.

domingo, 14 de março de 2010

REFLEXÕES SOBRE UMA EXPOSIÇÃO II

A linha do tempo me ajudou a ver mais claramente os caminhos por onde passei, em ordem cronológica. Para realizar essa cronologia Eliana Andrés pesquisou documentos antigos guardados nas gavetas da memória. Abriu pastas e papéis amarelecidos e até os desenhos das artistas de cinema apareceram, documentando a minha adolescência de 14 anos. Desde então, meu caminho estava traçado.

Vídeos foram editados, depoimentos de vida, o refúgio nas montanhas, passarinhos cantando. Terra, água, fogo, ar e éter registraram minha passagem por caminhos diversificados. O passado foi surgindo no meio de livros, documentos, falas. Surgiu devagar, realizado com muito amor e paciência. As pessoas paravam para ver os livros e as minhas viagens à Índia filmadas por Maurício Andrés em 2007 e editadas por Cecília Fernandes, com produção de Ivana Andrés e imagens de Luciano Luppi.

Tudo se tornou interessante e vivo, porque foi um registro de experiências. A linha contínua foi sempre lembrada: “Partir de um ponto e voltar ao ponto inicial”.

Na arte e na vida as coisas se assemelham. No momento, faço releituras do que foi feito, na década de 50, o construtivismo, na década de 60 o gestual. O construtivismo gerou esculturas geométricas, o gestual gerou esculturas orgânicas. O caminho foi registrado de forma clara.


Partir do individual para o coletivo, do pequeno para o grande, de Minas Gerais para o mundo. Depois,voltar à terra e ver que as montanhas estão indo embora, de trem de ferro e navio para outras terras distantes. O depoimento sobre a serra da Calçada também foi apresentado em vídeo: lembrei das fases da exploração de nossas riquezas minerais. O ciclo do ouro e agora o ciclo do ferro, assustadoramente devorador! Tudo isso foi visto e provocou reflexões, numa forma interativa e dinâmica. “Onde fica essa Serra da Calçada? Vou fazer o mesmo movimento de proteção lá no Maranhão”. Outro visitante se encanta com a Índia. “Sou discípulo de Sai Baba, um dia ainda chego lá na Índia.”

* Fotos: Maurício Andrés

quarta-feira, 3 de março de 2010

REFLEXÕES SOBRE UMA EXPOSIÇÃO I

A exposição Linha e Gesto realizada no Palácio das Artes entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010 motivou reflexões sobre seu conteúdo e dinâmica.

Para essa exposição, optamos por uma linha que teve sua origem na década de 1950, quando meu trabalho passou do figurativo para o abstrato. O registro dessa mudança está nos pequenos croquis feitos na zona rural de Minas Gerais, a fazenda da Barrinha. Naquela ocasião, levando comigo um caderno de anotações, eu desenhava em nanquim o movimento de uma fazenda mineira. A serie Via Sacra pertence também aos desenhos preliminares que motivaram a transformação do figurativo para o abstrato.
O passado foi a energia propulsora da qual se foi construindo o futuro. Foi necessário desconstruir o passado para criar o caminho do presente e do futuro. A fase de guerra foi decisiva. Ali foram quebrados os condicionamentos, as estruturas se despedaçaram e começaram as releituras. De um lado, a via sacra. Do outro lado, os boizinhos.
Registros de uma época feliz, estável, família crescendo, o marido dando força para seguir o caminho. Desenhos pequenos, lembranças. No meio do biombo, o túnel do tempo permite ver ao fundo as esculturas de ferro. O presente veio do passado. Ao centro, as cidades iluminadas brilham na noite. Casas, janela, luzes que se acendem, luzes que se apagam. Voltar ao passado? Impossível.
Uma voz interna me diz: Não detenha o rio. Ele segue o curso natural das águas e um dia se joga no mar. Muitas estórias são vivenciadas no curso do rio. Elas nos contam segredos que nunca serão revelados, mas fazem parte da vida, do dia, da noite, das manhas, dos poentes. As lembranças dão vida ao agora porque só ele existe. Comentam sobe minha fase concretista: “Seus quadros dessa fase estão valendo uma fortuna em São Paulo”. Não me interesso pela parte comercial de minha obra. Ela faz parte do meu itinerário, mas não é o que me impulsiona para a frente. Seguir a meta dos jovens. Entusiasmo, alegria, ação. Os valores são outros quando escutamos os jovens. Eles vêem a arte como um todo, não separam. O século XXI é o século da unidade e não da separatividade. Ver a exposição como um todo, um caminho, um túnel do tempo que se prolonga no espaço.

Um dia, Roberto, meu neto me telefonou de Paris: “Vó, vou fazer um museu para você...” Comento com ele que “Museu é coisa parada, para guardar o passado, o melhor é fazer um instituto onde a mensagem pode ser visualizada no todo de forma dinâmica.”
Assim foi criado o Instituto Maria Helena Andrés – IMHA. Dali saíram três festivais, um mutirão, foram criadas algumas ONGS e oferecidos projetos de extensão de arte a toda a comunidade. Uma das metas era uma exposição didática de meus quadros em Belo Horizonte, com a possibilidade de percorrer o Brasil.
Roberto e Marília lideraram a equipe de curadores dessa exposição determinando a tarefa de cada um. Os jovens se entusiasmaram e desapegadamente começaram a agir. A retribuição era sempre informal, um desenho de presente, um credito na lista de apoio. Elena, que deu o primeiro toque nas esculturas, também realizou os painéis transportáveis, que permitem circular em diversos espaços. Minha arte tem de ser viajante como eu sou na vida. Ser transportável é condição imprescindível!
A exposição mostra meu caminho, que é também o caminho de minha vida, cheio de mudanças. O ponto de mutação energético. Se não enxergamos a ordem interna de mudança, ficamos parados no tempo e sofremos. A ordem não vem de fora, é uma exigência de nosso ser interno.

Os curadores escolheram duas vertentes significativas do meu itinerário de arte, dois caminhos aparentemente opostos, mas que se completam. Ambos buscam alcançar o essencial através da criação artística e posso visualizar claramente o caminho da linha e o caminho do gesto e a sua transformação no tempo.