terça-feira, 9 de outubro de 2018

AS PEDRAS DE VIRGINIA WOOLF


Recebi de Ivana Andrés o texto abaixo, sobre o espetáculo “As pedras de Virgínia Woolf”, encenado no Teatro da Cidade, integrando o Festival de Teatro Mínimo. Nesta peça, Ivana faz o papel da própria Virgínia.

 A complexidade e riqueza da vida e da obra de Virgínia Woolf possibilita a escolha de  diferentes caminhos, conduzidos por diferentes motivações. Após a leitura de alguns livros da autora e também sobre ela, (inclusive roteiros cinematográficos), é possível apresentar algumas motivações ligadas à questões essenciais de qualquer ser humano. Questões que acontecem em qualquer época e lugar. Semelhanças ou coincidências?
Um espetáculo teatral, seguido de debates e vivências motivadoras sobre o tema do feminismo, da diversidade de gênero, do amor pela literatura,  do sofrimento infligido às pessoas pela guerra e pelo fascismo e também sobre a morte por escolha própria, o suicídio. E o renascimento, como pessoas ou personagens de um livro ainda por ser escrito.

Um encontro imaginário de Virgínia Woolf com Leonard Woolf, seu marido  e com personagens de suas obras, no fundo de um rio, onde a escritora se afogou, usando pedras nos bolsos do casaco.  As pedras, na concepção deste espetáculo são seus próprios livros, que revolucionaram a escrita de sua época, a primeira metade do século XX. Personagens de alguns de seus livros deveriam aparecer como elementos materializados de sua própria consciência, criarem vida própria e questionarem a sua própria existência, a razão de terem sido criados pela autora. Virgínia deveria lhes responder revelando sua própria vida, suas angústias, revoltas e anseios e de como o seu trabalho era a forma quase exclusiva de superação. Mas isso não acontece. É mais importante levantar outras questões e envolver a platéia, as pessoas que vivem agora, com os atores, as atrizes, com a realidade que espera por todos nós lá fora. E isto quem faz é o diretor. Não há tempo para descrever, contar histórias, distrair a atenção para o mais importante: a volta da direita em âmbito mundial. E os personagens, líricos, apaixonados, voltam para seus livros, para serem abertos, quem sabe, pelo espectador, curioso em desvendar suas histórias?

Resta a sua vida, real, vivida com personagens reais, pessoas físicas, encarnadas em Leonard Woolf, seu marido. E o encontro acontece também no fundo do rio. Existe a vida pessoal de ambos, as depressões de Virgínia, os surtos. Existe nela a revolta contra o machismo e o patriarcado, e seu amor pelas mulheres. E existe a descoberta de si mesma como ser andrógino, homem e mulher ao mesmo tempo. É o feminismo metafísico, quando a mente é fertilizada e usa todas as suas possibilidades.
Juntos relembram os tempos de juventude, a criação do Grupo dos Bloomsbery, que marcou presença na Cultura Inglesa do início do século XX, estendendo-se por décadas e criando uma nova estética e uma nova ética. É  a revolução dos costumes, reação à moral vitoriana, que encontraria seu apogeu nos anos 60, com a revolução Hippie.

 Virginia revela seu amor pela literatura e sua frustração por não ter mais um público que lhe dava alimento para o trabalho e razão de ser para sua existência. E ambos “morrem” novamente, para imediatamente renascerem como outras pessoas e outros personagens, duas meninas com traços de outras existências, mas com uma imensa vontade de compreenderem juntas a  razão e sentido da vida humana, com esperança de reescreverem  suas próprias vidas.

Todos os personagens de seus livros e o próprio Leonard são interpretados por uma única atriz, Vânia Campos, que faz tanto papéis femininos quanto  masculinos.
A concepção cenográfica revela um lugar escuro invadido por uma enchente. Tanto pode ser o fundo de um rio, quanto o “umbral”, lugar sombrio descrito pelos espíritas, como aquele conduzido pela consciência dos suicidas. Lá Virgínia lê a conhecida carta de despedida dirigida a Leonard, deixada por ela, enquanto é descrito um trecho do livro “Orlando” sobre um degelo ou enchente. Sobre uma catástrofe, imagem simbólica da sua própria tragédia.

*Fotos de Kátia Assis

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