Recebi de Ivana Andrés o texto abaixo, sobre o
espetáculo “As pedras de Virgínia Woolf”, encenado no Teatro da Cidade,
integrando o Festival de Teatro Mínimo. Nesta peça, Ivana faz o papel da
própria Virgínia.
A
complexidade e riqueza da vida e da obra de Virgínia Woolf possibilita a
escolha de diferentes caminhos,
conduzidos por diferentes motivações. Após a leitura de alguns livros da autora
e também sobre ela, (inclusive roteiros cinematográficos), é possível
apresentar algumas motivações ligadas à questões essenciais de qualquer ser
humano. Questões que acontecem em qualquer época e lugar. Semelhanças ou
coincidências?
Um espetáculo teatral, seguido de debates e
vivências motivadoras sobre o tema do feminismo, da diversidade de gênero, do
amor pela literatura, do sofrimento
infligido às pessoas pela guerra e pelo fascismo e também sobre a morte por
escolha própria, o suicídio. E o renascimento, como pessoas ou personagens de
um livro ainda por ser escrito.
Um encontro imaginário de Virgínia Woolf com Leonard
Woolf, seu marido e com personagens de
suas obras, no fundo de um rio, onde a escritora se afogou, usando pedras nos
bolsos do casaco. As pedras, na
concepção deste espetáculo são seus próprios livros, que revolucionaram a
escrita de sua época, a primeira metade do século XX. Personagens de alguns de
seus livros deveriam aparecer como elementos materializados de sua própria
consciência, criarem vida própria e questionarem a sua própria existência, a
razão de terem sido criados pela autora. Virgínia deveria lhes responder
revelando sua própria vida, suas angústias, revoltas e anseios e de como o seu
trabalho era a forma quase exclusiva de superação. Mas isso não acontece. É
mais importante levantar outras questões e envolver a platéia, as pessoas que
vivem agora, com os atores, as atrizes, com a realidade que espera por todos
nós lá fora. E isto quem faz é o diretor. Não há tempo para descrever, contar
histórias, distrair a atenção para o mais importante: a volta da direita em
âmbito mundial. E os personagens, líricos, apaixonados, voltam para seus
livros, para serem abertos, quem sabe, pelo espectador, curioso em desvendar
suas histórias?
Resta a sua vida, real, vivida com personagens
reais, pessoas físicas, encarnadas em Leonard Woolf, seu marido. E o encontro
acontece também no fundo do rio. Existe a vida pessoal de ambos, as depressões
de Virgínia, os surtos. Existe nela a revolta contra o machismo e o
patriarcado, e seu amor pelas mulheres. E existe a descoberta de si mesma como
ser andrógino, homem e mulher ao mesmo tempo. É o feminismo metafísico, quando
a mente é fertilizada e usa todas as suas possibilidades.
Juntos relembram os tempos de juventude, a criação
do Grupo dos Bloomsbery, que marcou presença na Cultura Inglesa do início do
século XX, estendendo-se por décadas e criando uma nova estética e uma nova
ética. É a revolução dos costumes,
reação à moral vitoriana, que encontraria seu apogeu nos anos 60, com a
revolução Hippie.
Virginia
revela seu amor pela literatura e sua frustração por não ter mais um público
que lhe dava alimento para o trabalho e razão de ser para sua existência. E
ambos “morrem” novamente, para imediatamente renascerem como outras pessoas e
outros personagens, duas meninas com traços de outras existências, mas com uma
imensa vontade de compreenderem juntas a
razão e sentido da vida humana, com esperança de reescreverem suas próprias vidas.
Todos os personagens de seus livros e o próprio
Leonard são interpretados por uma única atriz, Vânia Campos, que faz tanto papéis femininos
quanto masculinos.
A concepção cenográfica revela um lugar escuro
invadido por uma enchente. Tanto pode ser o fundo de um rio, quanto o “umbral”,
lugar sombrio descrito pelos espíritas, como aquele conduzido pela consciência
dos suicidas. Lá Virgínia lê a conhecida carta de despedida dirigida a Leonard,
deixada por ela, enquanto é descrito um trecho do livro “Orlando” sobre um
degelo ou enchente. Sobre uma catástrofe, imagem simbólica da sua própria
tragédia.
*Fotos de Kátia Assis
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