segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A VENDEMMIA


O texto abaixo foi retirado de uma carta da Teresa , minha neta, filha do Euler e Iara. Teresa nasceu e foi criada na fazenda Luiziania, em Entre Rios de Minas. Casou-se com Alberto Sica, professor de uma escola antroposófica na Toscana, Itália. É uma região com paisagens lindas, semelhantes às nossas, do Campo das Vertentes, onde ela nasceu. A colheita de uvas na Itália é uma tradição daquele país.

“Semana passada terminei a “Vendemmia”, a colheita das uvas para fazer o vinho. Adoro a ideia que existe um verbo (e um substantivo, claro) para essa atividade. Eu vendemmio, você vendemmia... A tradução é livre mas a palavra é usada. E dá toda uma cor diversa ao início do outono aqui na Toscana. É um período particular, e todo mundo de alguma maneira sabe o que está acontecendo. Você pode chegar atrasado a algum compromisso porque encontrou um trator com uma carreta de uvas pela estrada (se formam filas enormes atrás deles), ou a sua casa vem invadida pelo perfume da fermentação.  Parece um eterno pão de “pasta madre” no forno.
Tem carros estacionados nos lugares mais estranhos e você acaba vendo umas cabecinhas no meio do vinhedo.

 Eu tinha feito a “Vendemmia”  6 anos atrás, quando a Itália ainda era uma viagem com data de ida e volta.  Me lembro que na época fiquei impressionada, mas não entendia nada do que eles falavam, apesar de já saber um pouco de italiano. Realmente não é suficiente conhecer  o italiano para isto, principalmente na Toscana. Me explico contando sobre as pessoas que trabalham na “Vendemmia”. O mais normal é encontrar velhos (e velhas) toscanos neste trabalho, além de jovens, muito jovens.  Claro que no momento existe uma grande mudança no perfil da mão de obra e essa matemática não é sempre correta. Mas a base é esta: velhos misturados a jovens. Os velhos porque têm um conhecimento e uma força de resistência tal, que são capazes de trabalhar mais que os jovens. Os jovens porque ainda não têm um trabalho estável. Para quem não sabe, a língua italiana nasceu do dialeto toscano, porque os grandes escritores da antiguidade italiana eram toscanos. Isso pra dizer que o toscano pensa que fala bem o italiano e acaba por misturar palavras italianas com o dialeto, além de omitir alguns sons. O toscano é famoso também por dizer muito palavrão. Na verdade não é palavrão mas bestemias (não lembro se tem em português esta palavra, é quando você usa palavras santas com um sentido de palavrão). Então dá pra imaginar qual é o clima da “Vendemmia” : os velhos é que dão o ritmo e os tons, com uma língua cheia de palavras típicas, entre palavrões e brincadeiras de conotação sexual. Sim, este é o outro hit da “Vendemmia”, não me entendam mal, nada exagerado, mas sempre com um pouco de malícia. Alguns defendem que é para passar o tempo. Mas todos estão de acordo sobre o mesmo ponto: aquilo que é dito nos vinhedos fica dentro dos vinhedos. É quase uma seita.

Uma seita não é, mas tem algo de místico na “Vendemmia”. A uva, essas filas de parreiras longas, o sol do outono que já é diferente, a exaustão do corpo físico, tudo junto te leva a um estado de felicidade estranha, parece uma realização antiga, como uma homenagem a um deus. No caso seria Baco.

Depois tem o gosto especial de saber que daquele trabalho vai vir um vinho, melhor ou pior, dependendo de tantos fatores. Alguns deles você vai aprendendo enquanto colhe.  Se  choveu muito e tem muito mofo na uva, se deve-se  colher uma certa uva (que dá cor) e com qual outra uva misturar. Se a uva de ontem está fermentando bem. Enfim, aqui começa um outro mundo.

Estar nos vinhedos me deu as melhores vistas da toscana. E tantas vezes me vinha vontade de dividir essas "imagens" com pessoas queridas, tantas das quais passaram por aqui este verão.  Mas o melhor jeito de relembrar essa experiência será tomarmos  juntos o vinho “Majnoni safra 2018” (sem nenhuma intenção de fazer publicidade).
Avoé bacantes! (não era assim a saudação do reino de Baco?)

Um abraço,
Teresa.”

*Fotos de arquivo e da internet

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