O texto abaixo foi retirado de uma carta da Teresa ,
minha neta, filha do Euler e Iara. Teresa nasceu e foi criada na fazenda
Luiziania, em Entre Rios de Minas. Casou-se com Alberto Sica, professor de uma
escola antroposófica na Toscana, Itália. É uma região com paisagens lindas,
semelhantes às nossas, do Campo das Vertentes, onde ela nasceu. A colheita de
uvas na Itália é uma tradição daquele país.
“Semana passada terminei a “Vendemmia”, a colheita
das uvas para fazer o vinho. Adoro a ideia que existe um verbo (e um
substantivo, claro) para essa atividade. Eu vendemmio, você vendemmia... A
tradução é livre mas a palavra é usada. E dá toda uma cor diversa ao início do
outono aqui na Toscana. É um período particular, e todo mundo de alguma maneira
sabe o que está acontecendo. Você pode chegar atrasado a algum compromisso
porque encontrou um trator com uma carreta de uvas pela estrada (se formam
filas enormes atrás deles), ou a sua casa vem invadida pelo perfume da
fermentação. Parece um eterno pão de “pasta
madre” no forno.
Tem carros estacionados nos lugares mais estranhos e
você acaba vendo umas cabecinhas no meio do vinhedo.
Eu tinha
feito a “Vendemmia” 6 anos atrás, quando
a Itália ainda era uma viagem com data de ida e volta. Me lembro que na época fiquei impressionada,
mas não entendia nada do que eles falavam, apesar de já saber um pouco de
italiano. Realmente não é suficiente conhecer o italiano para isto, principalmente na Toscana.
Me explico contando sobre as pessoas que trabalham na “Vendemmia”. O mais
normal é encontrar velhos (e velhas) toscanos neste trabalho, além de jovens,
muito jovens. Claro que no momento existe
uma grande mudança no perfil da mão de obra e essa matemática não é sempre
correta. Mas a base é esta: velhos misturados a jovens. Os velhos porque têm um
conhecimento e uma força de resistência tal, que são capazes de trabalhar mais
que os jovens. Os jovens porque ainda não têm um trabalho estável. Para quem
não sabe, a língua italiana nasceu do dialeto toscano, porque os grandes
escritores da antiguidade italiana eram toscanos. Isso pra dizer que o toscano
pensa que fala bem o italiano e acaba por misturar palavras italianas com o
dialeto, além de omitir alguns sons. O toscano é famoso também por dizer muito palavrão.
Na verdade não é palavrão mas bestemias (não lembro se tem em português esta
palavra, é quando você usa palavras santas com um sentido de palavrão). Então
dá pra imaginar qual é o clima da “Vendemmia” : os velhos é que dão o ritmo e
os tons, com uma língua cheia de palavras típicas, entre palavrões e
brincadeiras de conotação sexual. Sim, este é o outro hit da “Vendemmia”, não
me entendam mal, nada exagerado, mas sempre com um pouco de malícia. Alguns
defendem que é para passar o tempo. Mas todos estão de acordo sobre o mesmo
ponto: aquilo que é dito nos vinhedos fica dentro dos vinhedos. É quase uma
seita.
Uma seita não é, mas tem algo de místico na “Vendemmia”.
A uva, essas filas de parreiras longas, o sol do outono que já é diferente, a
exaustão do corpo físico, tudo junto te leva a um estado de felicidade
estranha, parece uma realização antiga, como uma homenagem a um deus. No caso
seria Baco.
Depois tem o gosto especial de saber que daquele
trabalho vai vir um vinho, melhor ou pior, dependendo de tantos fatores. Alguns
deles você vai aprendendo enquanto colhe. Se choveu
muito e tem muito mofo na uva, se deve-se
colher uma certa uva (que dá cor) e com qual outra uva misturar. Se a
uva de ontem está fermentando bem. Enfim, aqui começa um outro mundo.
Estar nos vinhedos me deu as melhores vistas da
toscana. E tantas vezes me vinha vontade de dividir essas "imagens"
com pessoas queridas, tantas das quais passaram por aqui este verão. Mas o melhor jeito de relembrar essa
experiência será tomarmos juntos o vinho
“Majnoni safra 2018” (sem nenhuma intenção de fazer publicidade).
Avoé bacantes! (não era assim a saudação do reino de
Baco?)
Um abraço,
Teresa.”
*Fotos de arquivo e da internet
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