Pediram-me para fazer uma palestra no CCBB de Belo
Horizonte sobre a minha participação no movimento construtivista brasileiro,
como representante de Minas Gerais. O texto abaixo é uma síntese de todos os meus
artigos já publicados sobre o assunto.
“A
exposição Construções sensíveis: A
experiência geométrica Latino-Americana na coleção ELLA FONTANAIS-CISNEROS, traz
ao Brasil um recorte da abstração em nosso continente. Junto ao importante
legado do concretismo e neoconcretismo brasileiros, são apresentadas as
poéticas abstratas que prosperaram em outros países a partir dos anos
1930.”(Extraído do catálogo da exposição Construções
Sensíveis, no CCBB de Belo Horizonte)
Percorro uma exposição que nos remete ao passado, ao
Construtivismo que percorreu o mundo e
veio nos mostrar o quanto somos irmãos. Realmente, somos parecidos, mesmo que
não tenhamos tido a oportunidade de um encontro pessoal. Existe o encontro
espiritual, encontro de sensibilidades semelhantes. O construtivismo vai nos
mostrando a identidade dos artistas. Ele
veio da Europa e encontrou na América Latina seus irmãos espirituais.
Os construtivistas europeus vieram da Rússia,
desceram até a Alemanha e a França, e, por motivo de guerra, chegaram às
Américas.
Os Estados Unidos acolheu os imigrantes artistas, tais como
Mondrian. Ali ele se redescobriu, ficou
famoso.
A Argentina e o Uruguai receberam a mensagem
construtiva, através da arte e do pensamento de Torres Garcia e Maldonado. Torres
Garcia buscava o espiritual na arte e a
redescoberta dos povos primitivos das Américas.
O Brasil tornou-se o grande difusor das ideias
construtivas. No nosso solo floresceram artistas plásticos, poetas, críticos,
tendo a Bienal de São Paulo como a grande difusora.
O construtivismo chegou até as montanhas de Minas e
ali encontrou jovens artistas que aderiram ao movimento.
Fiz parte deste movimento.
O Construtivismo
na década de 50, nos propunha disciplina, concentração, limpeza de cores, uma
arte mental, intimista, sem impulsos emocionais. Cultivava-se a virtude da
paciência. Os quadros levavam meses para serem feitos e o instrumento usado na
época para se conseguir uma linha perfeita era uma espécie de caneta ou
bisturi, chamado tira-linhas, instrumento gráfico em desuso hoje em dia, na era
do computador. Com as linhas paralelas eu fazia postes de luz e partituras
musicais. Gostava de ficar horas pintando, porque me fazia bem à alma.
Passar pelo
construtivismo foi para mim uma lição de vida. O fazer artístico significava
crescimento. A integração de varias áreas das artes, necessária a uma revisão
de valores, era um dos pontos mais importantes do movimento construtivista que
surgiu a partir da primeira Bienal de São Paulo. Poetas, músicos e pintores se
uniam dentro do mesmo ideal estético dando prioridade à pureza da forma. O
grande incentivador do construtivismo foi o crítico de arte Mário Pedrosa, que
visitava os artistas em seus ateliês e muitas vezes chegava até Minas Gerais
para acompanhar o trabalho dos artistas mineiros que buscavam uma arte pura,
desligada dos padrões figurativos. Os júris de seleção das primeiras Bienais,
que às vezes eliminavam 90% dos trabalhos apresentados, eram o grande teste a
ser enfrentado. Naquele tempo não existiam curadores de arte e os artistas se
dispunham a passar por essa experiência.
A aprovação na Bienal era a minha chance de
descer das montanhas e viajar para São Paulo, encontrar os amigos companheiros
de jornada, participar dos eventos internacionais e estudar o pensamento dos
grandes artistas abstratos europeus. Trocava ideias com os paulistas Maria
Leontina, Milton Dacosta, Arcângelo Ianelli e Volpi. Todos tínhamos vindo de
antecedentes figurativos e isto transparecia em nossos trabalhos. Não havia a
preocupação matemática dos concretistas suíços, seguíamos o comando da
sensibilidade e da intuição. Naquela ocasião as ideias espiritualistas de
Kandinsky começaram a me acenar como uma estrela luminosa. Os grandes pintores
abstratos europeus, principalmente os da vanguarda russa, não se limitavam aos
aspectos formais; tinham uma busca interior, um contato direto com níveis mais
profundos de consciência.
O rompimento com a figura e o tema indicaram
também direções novas para a escultura brasileira. A exposição do artista suíço
Max Bill no Museu de Arte de São Paulo em 1950, impulsionou a nova geração de
escultores ao questionamento dos moldes tradicionais da escultura figurativa,
para abraçar a forma tridimensional pura. Do grupo de Minas, três artistas
escultores aderiram ao movimento: Amílcar de Castro, Franz Weissmann e Mary
Vieira. Mais tarde, Mary deixou o Brasil para se radicar na Suíça, onde se
tornou uma aluna e seguidora de Max Bill vindo a ser uma artista de renome
internacional.
Repensar
o construtivismo é também repensar os
caminhos por onde passamos. Aqui em Minas Gerais a nossa visão da arte vinha
dos antecedentes líricos de Guignard. Um pequeno grupo se reunia no ateliê de
Marília Gianetti, projetado pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos. Marília
Gianetti, Mário Silésio, Nely Frade e eu formávamos o grupo de pintores que na
década de 50 encontraram o seu próprio caminho dentro da arte não figurativa.
No
Museu do Índio, no Rio de Janeiro, procurei observar com atenção os caracteres
geometrizados em todo artesanato indígena, nas cestarias, cerâmicas e até na
pintura corpórea. Muito antes da chegada dos europeus, mergulhados nas
florestas, seguindo o ritmo natural da vida, os índios buscavam o equilíbrio
também em suas manifestações artísticas.
Observavam a pele dos
animais, onças, lagartas e dali partiam para a busca da ordem e da simetria em
seus padrões geométricos.
Nossos antepassados se
manifestavam de forma construtiva, um construtivismo orgânico e espontâneo.
O construtivismo brasileiro também buscou
alcançar este equilíbrio e ordem. O movimento construtivista que se propagou
pelo Brasil na década de 50 foi uma
integração perfeita do que veio da
Europa com o que já existia dentro de nós.
O construtivismo sensível não acaba nunca, porque
ele é o mensageiro de uma paz que existe dentro de todos nós.
Esta paz, os artistas buscaram por meio de obras de
grande beleza e serenidade.
O desejo de paz veio à tona numa época de grandes
guerras.
Duas grandes guerras na Europa, várias ditaduras
pelo mundo.
Todos passaram para a história, os artistas
morreram, mas sua arte continua viva, trazendo até nós o desejo da paz que os
inspirou.
O construtivismo é uma meditação.
Mergulhados no silêncio de sua própria interioridade
os artistas transcenderam a violência e a opressão.
Percorrendo as salas desta exposição vou sentindo
cada vez mais o poder da arte de transmutar energias. Revejo os Bichos
de Lygia Clark, os Metaesquemas de
Hélio Oiticica, as telas construtivas de Volpi e Ivan Serpa, os objetos de Ana
Maria Maiolino e Mira Schendel.
Caminhar pela exposição é encontrar as origens, a
expansão e o sentido deste movimento que percorreu o Brasil na década de 1950.
No momento, todo o meu trabalho está inspirado no
que eu fiz nos anos 50. Os meus desenhos construtivistas da década de 50 foram
tridimensionados com a ajuda de minha neta Elena Andrés Valle, transformando-se
em esculturas de aço. Recentemente, retomei o construtivismo de uma forma mais
espontânea, através de uma série de colagens.
*Fotos de arquivo
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