Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
PISEAGRAMA, UMA IDEIA CIRCULANTE
Roberto Andrés, meu neto, nasceu no dia 12 de
dezembro, aniversário de Belo Horizonte. Hoje ele é um dos grandes defensores
do direito do cidadão de ocupar o espaço público.
Belo Horizonte, cidade cuidadosamente planejada no
início do século XX, cresceu de forma desordenada. Seu traçado perdeu-se há
muito tempo com a verticalização de vários bairros e o sufoco do asfalto.
Belo Horizonte já foi denominada cidade jardim, me
lembro do cheiro de “damas da noite” quando percorríamos as ruas da cidade.
Lembro-me também do tempo em que eu atravessava a avenida Afonso Pena, toda
arborizada com árvores copadas, refrescantes. Brincávamos no Parque Municipal,
fazíamos pic nic ali, à sombra das árvores. Roberto me fez reviver esses
tempos, com o aniversário de sua filha Rosamaria. Levaram os “comes e bebes”
para as crianças, e ali no gramado do parque, foi comemorado o aniversário da
minha bisneta.
A revista Piseagrama, organizada por Roberto Andrés e
sua esposa Fernanda Regaldo, nasceu desta necessidade transgressora de ocupar o
espaço público, pisar na grama, fazer pic nic, alegrar as crianças com pipocas
e balões, longe do sufoco das salas de festa enfeitadas com desenhos de Mickey
Mouse.
Ali no parque, elas puderam participar diretamente
do encontro com a natureza à sombra de árvores centenárias. Antigamente havia
até um zoológico no Parque Municipal e meus filhos eram levadas para visitar os macacos e
oferecer para eles bananas e outras frutas.
No momento, Roberto procura reviver aspectos humanos
do passado, esquecidos por completo nos tempos modernos.
Piseagrama ganhou novas direções, ampliou seu campo
para um espaço maior: camisetas com mensagens ecológicas e sociais foram
criadas para uso das crianças, e bolsas coloridas andam pela cidade, entram em
supermercados, levando e trazendo mercadorias, objetos e coisas do consumo. As
pessoas levam e trazem mensagens escritas nas bolsas e , mesmo sem que o
percebam, vão levando e trazendo o pensamento ecológico e social de Roberto e
Fernanda. A ideia de colocar mensagens nas camisetas e bolsas, é uma forma
discreta e genial de fazer propaganda, divulgar pensamentos. Silenciosamente,
sem grandes manifestações, essas mensagens ambulantes vão abrindo a consciência
das pessoas: “Nadar e pescar no Arrudas”
“Ônibus sem catacras”, “Uma praça por bairro”,
“Carros fora do centro”, “Parques abertos 24h”, etc.
“Piseagrama”aparentemente transgride, mas sobretudo
está construindo e reeducando os governantes e a população de um modo geral.
No momento, os mesmos dizeres, impressos em cartões
coloridos, formam um painel que está exposto no Itaú Cultural, em São Paulo.
“Piseagrama” atravessou as fronteiras de Minas,
desceu as montanhas e continua a sua divulgação em outros estados do Brasil.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
TAGORE EM “TESOUROS DA ÍNDIA”
Rabindranat Tagore foi
um dos poetas que inspiraram a minha geração. Recebi de Maurício Andrés o texto
abaixo sobre este grande poeta indiano, extraído de seu livro “Tesouros da
Índia”.
“Rabindranath Tagore
descreve a India como uma anfitriã generosa. “A missão da Índia foi como a da
anfitriã que tem que prover acomodações apropriadas para numerosos hóspedes,
cujos hábitos e necessidades são diferentes uns dos outros. Isso causa
complexidades infinitas, cuja solução depende não meramente de tato, mas de
simpatia e de um verdadeiro entendimento da unidade do homem."
Para abrigar esses
hóspedes tão diversos em seu território, a civilização indiana desenvolveu o
espírito de tolerância e não-violência, que também aplica ao mundo animal e
vegetal. Foi esse estilo de vida não predatórioda natureza que permitiu a
sobrevivência milenar daquela civilização.
Continuando a refletir
sobre a Índia, Tagore conclui: “Temos que reconhecer que a história da Índia
não pertence a uma raça em particular, mas a um processo de criação para o qual
várias raças do mundo contribuíram – os drávidas e os arianos, os antigos
gregos, os persas, os maometanos do oeste e aqueles da Ásia Central. E por fim,
foi a vez dos ingleses nessa história, trazendo-lhe o tributo de suas vidas;
não temos o poder nem o direito de excluir esse povo da construção do destino
da Índia."
Por sua diversidade
cultural e política e sua formação histórica, a Índia é uma nação
multinacional, que mantém unidade na diversidade e que foi celeiro e campo
fértil para idéias e propostas globalistas, mundialistas e voltadas para o
federalismo mundial. Nesse sentido, indianizar é mundializar. Rabindranath
Tagore expressa essa convicção:
“Ao encontrar a solução
para nosso problema, teremos ajudado a resolver também o problema do mundo. O
que a Índia já foi, o mundo todo é agora. O mundo todo se está tornando um
único país por meio das facilidades científicas. Está chegando o momento em que
precisamos também encontrar uma base de unidade que não seja política. Se a
Índia puder oferecer ao mundo sua solução, ela será uma contribuição para a
humanidade. Há somente uma história - a história do homem. Todas as histórias
nacionais são meros capítulos da história maior. E estamos felizes, na Índia, por sofrer por tão grande
causa.”
Controverso e polêmico,
o sistema das castas visava a aprimorar as vocações individuais para as
atividades intelectuais, comerciais, guerreiras e manuais; foi dessa divisão de
aptidões que se originaram respectivamenteas grandes castas (brahmin, vaishya,
kshatriyas, shudra).
Comenta Tagore:“O que
os observadores ocidentais não conseguem discernir é que, em seu sistema de
castas, a Índia seriamente aceitou sua responsabilidade de resolver o problema
de raças de maneira a evitar toda fricção, e ainda assim oferecendo a cada raça
liberdade dentro de suas fronteiras. Admitamos que a Índia não obteve nisso um
sucesso absoluto. Mas também deve ser lembrado que o ocidente, situado mais
favoravelmente quanto à homogeneidade de raças, nunca deu atenção a esse
problema; sempre que confrontado com ele, tentou torná-lo mais fácil,
ignorando-o."
A capacidade da
sociedade indiana de suprir suas necessidades em um espaço limitado foi
percebida por seu grande poeta RabindranathTagore. Ele afirmou que a
civilização indiana daria sua contribuição fundamental para a sobrevivência da
espécie, ainda que com o próprio sacrifício. Essa contribuição, característica
de uma sociedade de visão mundialista ocorre de maneira pouco ostensiva e é
cada vez mais necessária.
Tanto o Brasil quanto a
Índia são pródigos em riquezas naturais. A convivência pacífica com os países
vizinhos lhes proporcionou uma organização de poder voltada para ajustamentos
internos. O poeta Radinbranath Tagore assim descreve a situação indiana:
“Há outros povos no
mundo que precisam superar obstáculos em suas redondezas, ou a ameaça de seus
vizinhos poderosos. Eles organizaram seu poder até que estivessem razoavelmente
livres da tirania da Natureza e dos vizinhos humanos, mantendo em mãos um
excedente para empregar contra outros. Na Índia, sendo internas as
dificuldades, nossa história foi de ajustamento social contínuo e não a
história do poder organizado para defesa e agressão.” (Referências a TAGORE,
Rabindranath. Nationalism. Delhi: Macmillan, 1976, no livro Tesouros da India.)
Abaixo, o poema de
Tagore:
Cântico da Esperança
Não
peça eu nunca
para
me ver livre de perigos,
mas
coragem para afrontá-los.
Não
queira eu
que
se apaguem as minhas dores,
mas
que saiba dominá-las
no
meu coração.
Não
procure eu amigos
no
campo da batalha da vida,
mas
ter forças dentro de mim.
Não
deseje eu ansiosamente
ser
salvo,
mas
ter esperança
para
conquistar pacientemente
a
minha liberdade.
Não
seja eu tão cobarde, Senhor,
que
deseje a tua misericórdia
no
meu triunfo,
mas
apertar a tua mão
no
meu fracasso!
Rabindranath Tagore, em
"O Coração da Primavera" (Tradução de Manuel Simões)
*Fotos da internet e de arquivo
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terça-feira, 18 de novembro de 2014
DOM EUGÊNIO SALES E AS TAPEÇARIAS DE N.SRA DE COPACABANA
Cerca de 6000 fiéis acompanharam, há alguns anos, o velório de Dom Eugênio Sales no Rio. Uma
pomba branca, símbolo do Espírito Santo, pousou sobre o caixão e ficou durante
toda a tarde perto do corpo. Dom Eugênio morreu tranquilamente enquanto dormia,
uma morte serena de quem seguiu seu caminho ajudando os fiéis e praticando a
justiça.
Durante o regime militar ele, como chefe da Igreja
Católica, ajudou perseguidos e refugiados políticos a saírem do país.
“Estima-se que 4000 a 5000 pessoas tenham recebido
ajuda do então cardeal arcebispo do Rio para fugirem.” Fui acompanhando pelos
jornais, especialmente a Folha de São Paulo, as notícias referentes a Dom Eugênio e relembro a sua atuação justa e
coerente diante de outros fatos, não políticos. Na década de 1970, recebi a
encomenda de realizar 3 projetos de tapeçaria para a Igreja N. Sra de
Copacabana, no Rio de Janeiro. O projeto era de grande responsabilidade e eu,
como artista, me empenhei de corpo e alma na sua realização. As tapeçarias
foram executadas no Rio por minha prima Maria Ângela Magalhães que ali dirigia
um artesanato da mais alta qualidade. Maria Ângela, com seu talento artístico,
interpretava os projetos transformando a técnica do pastel no bordado. Ela
mesma tingia as lãs e orientava as bordadeiras. As tapeçarias da Igreja eram
enormes, duas para a nave principal e outra, também monumental, para a capela
ao lado. Tudo isto foi feito com muito amor e dedicação. Resolvi não cobrar da
Igreja: “Meus projetos são de graça!” isto foi declarado na época, mas o
cardeal, que liderava as reuniões, não concordou com a minha resolução. “Todos
os outros artistas cobraram, esta artista precisa receber também.”
Decidiram me enviar um cheque com o valor dado pela
equipe de produção.
Por incrível que pareça, esta atitude do cardeal me
possibilitou realizar a minha primeira grande viagem à Índia.
Naquela ocasião eu não tinha recursos para as
passagens, foi de grande importância para mim a decisão que foi tomada.
Até hoje relembro com muita gratidão este fato e
costumo repetir: “Foi o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Sales
que me possibilitou realizar a minha primeira grande viagem à Índia.” Agora
posso dizer que o cardeal me deu a oportunidade de iniciar um diálogo inter
religioso.
*Fotos de arquivo e da internet
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terça-feira, 4 de novembro de 2014
OUTRAS PESSOAS, SER OU NÃO SER
No dia 25 de outubro de 2014 tivemos uma surpresa.
Luciano Luppi, o nosso talentoso ator, interpretou poemas de Fernando Pessoa no espetáculo "Outras Pessoas, ser ou não ser."
Lembrei-me novamente da Índia.
“Este é um lugar sagrado de arte, deixem as
preocupações do lado de fora”, dizia um cartaz à porta de uma sala de dança no
sul da Índia.
Realmente estávamos preocupados, alias o Brasil
estava preocupado e corria por todo o lado o mesmo assunto – política.
A recomendação de silêncio e reverência completa à
arte cênica não precisava de palavras. Ali estava o cenário, como uma
advertência.
Foi realmente impactante aquela figura imensa,
vestida de túnica escura, com uma máscara branca e luvas brancas. Confesso que
fiquei assustada, pois não esperava aquele primeiro choque. Não foi preciso
dizer que a turma de espectadores foi se assentando devagar, sem fazer barulho.
Dali em diante o espetáculo transcorreu com a maior seriedade, a palavra
acrescida e transmutada ao sabor da interpretação. Textos de Fernando Pessoa e
Shakespeare foram de certo modo o roteiro daquela viagem para um mundo além dos
interesses conflitantes do presente.
O silêncio foi necessário e aconteceu. As
palavras de Fernando Pessoa, o grande poeta português, foram nos dirigindo para
caminhos desconhecidos que só a arte pode desvendar. Ali as palavras não
estavam somente guardadas dentro de livros. Elas estavam vivas na
interpretação de Luciano e tocavam o
público como uma música. Ivana acompanhava os textos operando uma trilha sonora
condizente com a peça, despertando e conduzindo as emoções da platéia.
Realmente o silêncio era necessário, para que as
palavras do poeta português ecoassem por nossas montanhas.
No final, Luciano veio me oferecer o seu trabalho,
como um presente para o IMHA, agora com
nova sede no Retiro das Pedras.
Marília, como presidente, agradeceu a generosidade
dos artistas.
Este voluntariado, totalmente desapegado de
patrocínio, é uma benção que será aplaudida por todos nós.
Este é o nosso agradecimento .
Segue abaixo trecho de um poema de Fernando Pessoa:
“Para ser grande, sê inteiro:
Nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Sob a leve tutela
De deuses descuidosos,
Quero gastar as concedidas horas
Desta fadada vida.
Nada podendo contra
O ser que me fizeram,
Desejo ao menos que me haja o Fado
Dado a paz por destino.
Na verdade não quero
Mais que a vida; que os deuses
Dão vida e não verdade, nem talvez
Saibam qual a
verdade”
*Fotos de Ivana Andrés, Henrique Luppi e Maurício
Andrés
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quinta-feira, 16 de outubro de 2014
FUNÇÃO DA ARTE NA SOCIEDADE
A arte é um ponto de contato entre os homens; por meio dela
há uma comunicação maior de alma para alma.
A identificação de sensibilidades aproxima o espectador do
artista, ou seja, do sentimento transmitido pelo objeto criado
"A obra de arte, por concreta e objetiva que
seja, não possui efeitos constantes e inevitáveis, exige a cooperação do
espectador e a energia que este coloca dentro dela, recebeu o nome especial de
'empatia' ". (Herbert Read)
A comunicação artística é a descoberta pelo espectador, na
obra criada, de seus próprios sentimentos e emoções.
Assim como toda a criação é acompanhada de alegria
interior, também a comunicação do sentimento humano através da beleza artística
realiza-se num clima de alegria e compreensão.
A Arte foi colocada, por Deus, no mundo, para trazer esta
alegria aos homens. A alegria de poder compreender a mesma beleza e, por meio
dela, se compreenderem melhor. A música e a poesia trazem, de um modo mais
penetrante, esta comunicação interior de alma para alma. Elas nos elevam acima
de nós mesmos, despertando aquilo que estava adormecido em nosso íntimo.
"A música, ao contrário das outras artes, emociona mais
rapidamente. Pode orgulhar-se mesmo de arrastar multidões. E eis o comovente
espetáculo de milhares de ouvintes, em religioso recolhimento, dominados apenas
pelo poder da arte".(Matteo Marangoni)
Muitas vezes, o artista é o porta-voz de seus
contemporâneos. Ele tem o poder de envenenar ou elevar as massas, já que uma
obra de arte irmana e influencia os homens. Daí a preocupação dos estados
totalitários em manobrar os artistas, como instrumentos políticos, na defesa de
seus interesses. Eles sabem que a arte falando, diretamente, ao coração do
homem é a melhor mensageira de suas ideias. Sentindo a comunicação da beleza
através da arte, já somos, de certo modo, artistas também.
"Através da beleza artística, portanto, os artistas
(refiro-me aos que criam e aos que contemplam a beleza, pois o senso artístico
se manifesta tanto na criação como na contemplação da beleza) se falam íntima e
inteligivelmente. Compreendem-se. Amam-se. Choram as mesmas tristezas e cantam
as mesmas alegrias. Fazem-se mutuamente presentes". (Pe Orlando Vilela)
Na música, na dança, nas artes visuais e no cinema, esta
comunicação se faz com maior facilidade entre povos de raças diferentes, porque
não existe a barreira da língua. Podemos receber, diretamente, a mensagem de
beleza que um Beethoven ou um Bach nos trazem, podemos admirar as obras de
artistas do passado, de um Miguel Ângelo, um Greco, um Goya. E vemos que a
verdadeira arte não envelhece, mas permanece, ao lado de nossa vida efêmera.
Poucas coisas permanecem tão vivas como a arte, para identificar cada geração.
Passam-se os interesses do momento, a política, os costumes.
A ciência evolui. Mas a verdadeira obra de arte continua, através dos séculos,
trazendo um testemunho vivo de beleza para o mundo...( Trecho de meu livro
VIVÊNCIA E ARTE, Editora Agir)
*Fotos de internet
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quarta-feira, 1 de outubro de 2014
ARTE MODERNA, UMA REVOLUÇÃO NAS ARTES
O
texto abaixo foi extraído do meu livro “Vivência e Arte”, editado nos anos 60.
“A
França desde o século XIX tornou-se o principal centro das artes. Seria então
justo lembrar, ao iniciar este trabalho sobre arte moderna, que a maioria dos
seus movimentos artísticos teve início em Paris e ali se desenvolveu.
Contra a arte decadente e imitativa da
academia, começaram a germinar em França as primeiras ideias revolucionárias.
Daí surgiu o movimento moderno de renovação. A arte passou, novamente, a ser
vivida pelos artistas como fonte de criação pura, e não imitação da natureza.
Como pesquisa, e não submissão. Como experiência pessoal, e não cópia servil.
Não falo aqui, especialmente, da arte abstrata, mas da abstração na obra de
arte, qualidade essencial, indispensável, para haver criação autêntica.
O artista pode partir do modelo, mas
depois transforma linhas, muda cores e cai na abstração. O que a arte moderna
fez foi, justamente, recapitular estas verdades, esquecidas pelo academismo. A
revolução moderna foi um despertar do sono e do espírito de acomodação,
dominante até o princípio do século XIX, para redescobrir valores e concepções
eternas da verdadeira arte.
Segundo Flávio de Aquino, inventar foi
o grande feito do nosso século, em todos os terrenos do conhecimento humano".
Inventar, também, foi a maior realidade da arte contemporânea, acompanhando o
progresso científico do século XX.
Com a inquietação dos artistas
modernos, ávidos de liberdade, mundos desconhecidos foram revelados e a arte
passou a ser a expressão de sentimentos puros, transfigurados pela
personalidade dos autores.
Segundo Pe. Collet, "a arte é a
impressão digital duma civilização. Transmite, de certo modo, aos séculos seguintes,
o testemunho vivo do melhor e do pior da época, e antecipa também o futuro,
pois o artista, mesmo inconscientemente, recebeu o dom da profecia."
Não são as telas de Chagall, cheias de
um surrealismo lírico, como que uma visão antecipada dos acontecimentos mais
recentes, que movimentaram o mundo, como sejam a conquista dos espaços
interplanetários?
Vivemos no século da máquina, da
indústria, as descobertas científicas tentando dominar as forças do espírito,
pela própria força da matéria. Esta preponderância da matéria sobre o espírito
marcou pela violência quase toda a arte do nosso tempo.
O século em que se inventaram os campos
de concentração, que deu origem a duas guerras implacáveis, em que se descobriu
a força destruidora da energia atômica, que usou do progresso material contra
todos os direitos da pessoa humana, não mereceu outra ilustração a não ser a Guernica de Picasso.
*Fotos
da internet
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quinta-feira, 18 de setembro de 2014
POR QUE A SEMELHANÇA BRASIL - ÍNDIA
O texto abaixo foi escrito por
minha amiga Célia Laborne, quando o livro "Oriente- Ocidente, integração
de Culturas" foi editado. Célia foi minha colega na primeira turma da
Escola Guignard, mas se dedicou mais ao jornalismo. Célia é, além de
jornalista, escritora e poeta, atualmente muito reconhecida em Portugal. Ela
tem há muitos anos, um blog na internet, "Vida em Plenitude", que
pode ser acessado através desta minha página.
“Oriente e Ocidente são duas metades que se juntam e
se integram, hoje de forma maior e mais participada. Porém essa integração
começou há muitos séculos atrás, segundo os registros culturais e artísticos de
vários pesquisadores. Entre eles, a artista Maria Helena Andrés, que traduziu
suas pesquisas sobre o barroco, os hábitos e os costumes do oriente e ocidente,
especialmente representados pelo Brasil e a Índia, da forma mais viva e
perfeita , isto é, dentro de sua arte.
Viajando várias vezes para a Índia e Goa, Maria Helena estudou e
captou a semelhança nas estruturas básicas da cultura brasileira e indiana,
sobretudo. E dessa pesquisa nasceu um belíssimo livro onde há a amostragem
pictórica de tradições, de folclore, de música, de hábitos, etc, numa sucessão
de pranchas coloridas e artísticas. Verdadeiros painéis de integração Brasil-
Índia.
Maria Helena teve, na elaboração do livro, a ajuda
eficiente e valiosa de sua filha, também artista Eliana Andrés – também ela com
uma longa estada na Índia.
O livro, além da apresentação, é todo ele montado em
pranchas próprias para serem aproveitadas em belíssimos quadros. São trabalhos
feitos em momentos de inspirada e feliz criatividade da artista. Eles fazem um
paralelo, mostrando na parte superior do desenho a cena brasileira e no espaço
inferior uma equivalente cena indiana.
As pranchas começam mostrando os veleiros
portugueses que tomaram o caminho das Índias e das Américas e fizeram um
importante contato, por certo não o primeiro. Vêm em seguida, cenas típicas,
festas folclóricas, o Boi- Bumbá, os festejos do interior da Índia; as
procissões devocionais, com o povo aqui levando imagens cristãs e lá divindades
do hinduísmo.
Ou a Igrejinha do “Ó” com seu telhado chinês e os
profetas de Congonhas com turbantes orientais.
Também nova semelhança no artesanato. O trabalho dos
cesteiros como uma grande mandala no centro da prancha, mostra acima e abaixo o
povo diligente e criativo trabalhando ao ar livre. Ou ainda as cerâmicas de
forma muito parecida no artesanato popular.
E o livro é, assim, todo ele um desdobramento de
colorido, sensibilidade e, sobretudo,
profunda pesquisa do que se cultiva, se cria, se crê e se cultua em nossa terra
e na longínqua Índia.
Cada prancha é toda uma história, um aprendizado,
uma beleza nova, valorizada pela explosão do colorido que, nas duas terras, é
intenso e vive, além do desenho preciso de uma artista tarimbada e consagrada.
Maria Helena não se esqueceu de observar também a música, o ritmo, os tambores
e as toadas populares que soam familiares, segundo ela, aos ouvidos
brasileiros.
O livro é todo uma obra de arte e Maria Helena o
apresenta bem quando diz, logo no início:
“Sentindo as semelhanças existentes entre os povos e
os contrastes gerados pelas diversas culturas, observando como essas culturas
se comunicam , começamos a perceber que os seres humanos pertencem realmente a
uma só e única família. Há razões desconhecidas que promovem semelhanças entre
povos muitas vezes distantes, como a Índia e o Brasil. As terras parecem irmãs.
Quando estivemos no vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, pudemos sentir, a
cada instante, um elo ligando as duas culturas, na dança, na música, nos
desafios cantados, no artesanato, na organização familiar e nas festas
populares
“Maria Helena Andrés é uma artista do presente, isto
é, faz de sua arte integração e compreensão entre os povos, ela ensina unidade
e fraternidade através de sua forma de expressão: a pintura e o desenho, e faz
isso sem qualquer preocupação de vaidade, personalismo ou visão comercial.”
(Célia Laborne Tavares, Estado de Minas, 22/12/1984)
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quarta-feira, 17 de setembro de 2014
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
ECOLOGIZAR O BANCO DO BRICS
Aconteceu recentemente um encontro dos BRICS em Fortaleza,
ocasião em que foi criado o Banco de Desenvolvimento do BRICS. Recebi de
Maurício Andrés Ribeiro o texto abaixo sobre a necessidade de se ecologizar a
economia.
“Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul constituem o BRICS, o grupo dos cinco maiores
países emergentes. Juntos, esses cinco
países têm 40% da população mundial e cobrem 23% das terras do planeta.
Em julho de 2014, eles se reuniram em Fortaleza e decidiram
criar o banco de desenvolvimento do BRICS, um projeto unificador entre esses
cinco países.
Bancos de desenvolvimento direcionam recursos para investimentos
e canalizam fluxos de capital para os projetos aprovados.Assim, o Banco
Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o BNDES, entre outros
concederam crédito para projetos necessários. Entretanto, foram alvo de críticas
por parte de organizações da sociedade, por terem financiado projetos social eambientalmente
questionáveis.
Os Princípios do
Equador, propostos em 2003 pela Corporação Financeira Internacional
(IFC), vinculada ao Banco Mundial, estabeleceram diretrizes sociais e
ambientais para as instituições bancárias. Naquele mesmo ano, a Declaração de
Collevecchio, apoiada por organizações da sociedade civil, ressaltou a
importância das instituições financeiras assumirem compromissos com a prevenção de impactos das atividades que
financiam, com a transparência das informações, com a prestação de contas à
sociedade. Ressaltou-se a necessidade de se repensar a missão dos bancos e a
urgência de que eles renunciem a oportunidades de negócios que sejam social ou
ambientalmente destrutivas.
Bancos de desenvolvimento precisam ter missão, mandato e orientação políticaclaramente
definidos pelas sociedades que os instituíram.
A espécie humana já domesticou animais e usou sua força. Já
domesticou vegetais e se alimentou com eles. Já canalizou a força das águas
para produzir energia, para matar sua sede e irrigar as plantações. Colocou a seu serviço as energias de todo tipo, fósseis e
renováveis.No contexto da crise ecológica e
climática planetária, é um desafio ecologizar o capital, pois, caso seja
deixado livre e sem regulação, sua força, como a das águas, pode ser
destrutiva. É preciso
colocar a força do capital a serviço do bem estar humano e da saúde
ambiental.
Assim, por exemplo, o banco do BRICS poderia
inovar na utilização de indicadores de sustentabilidade para orientar suas
operações e direcionar suas ações no sentido de reduzir injustiças equalizando
as pegadas ecológicas per capita dos habitantes dos países que o criaram.
O banco do BRICS poderia atuar como um laboratório para
experimentar esse modo de lidar com o capital,realizando
suas operações de crédito de forma sintonizada com uma visão ecologizada. Ele opera com 50 bilhões de dólares, recursos modestos se comparados com os
trilhões de dólares do capital circulante no mundo. Entretanto,essa poderia ser uma oportunidade para testar um novo modo de
relacionamento com o capital. Sendo exitoso, poderia servir como exemplo e
referência para regular os fluxos de capitais, colocando-os a serviço do bem
estar e da saúde humana e ambiental.”
( Maurício Andrés Ribeiro, autor
dos livros Ecologizar, Tesouros da Índia e Meio Ambiente &Evolução Humana. www.ecologizar.com.br e ecologizar@gmail.com)
*Fotos
de arquivo
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terça-feira, 19 de agosto de 2014
IGNACY SACHS, PIONEIRO NA COOPERAÇÃO ÍNDIA - BRASIL
Recebi de
Maurício Andrés Ribeiro o texto abaixo que nos mostra com muita clareza a
importante missão de estreitar o intercâmbio Oriente-Ocidente e, de modo
especial Brasil e Índia. Maurício nos lembra neste artigo a presença de Ignacy
Sachs que, na década de 50 iniciou este intercâmbio.
“Nos idos de 1977, quando pus os pés na Índia pela
primeira vez, sabia que percorria caminhos que Ignacy Sachs trilhara, pioneiramente, nos anos 50. Sou
grato a ele pelas orientações e pelas
valiosas referências que me ofereceu desde então. Sinto-me em ótima companhia
filosófica e intelectual, que me estimula a prosseguir no caminho das Índias.
Ignacy
Sachs é socioeconomista, nascido na Polônia e naturalizado francês. Viveu
quatorze anos no Brasil, dirigiu o Centro de Pesquisas sobre o Brasil
Contemporâneo na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Doutor
pela Universidade de Delhi, na Índia, durante mais de 65 anos Ignacy
Sachs trabalhou para a cooperação Brasil-Índia. Em uma entrevista,
impressionado com a independência da Índia em 1947, perguntava: “Como um
país colonizado consegue se livrar da dominação do maior império colonial do
mundo quase sem derramamento de sangue? A mensagem é absolutamente
extraordinária.”(1).
Gandhi enfatizava
a importância da autolimitação das necessidades e foi para Sachs uma referência
no tema do desenvolvimento: “Gandhi para mim era e continua a ser o precursor
das boas teorias de desenvolvimento, pela maneira como considerava a massa
camponesa como o ator central do processo de desenvolvimento.” Sachs também foi inspirado pelo prêmio Nobel de Economia
Amartya Sen: “Foi a leitura de Amartya Sen que me levou a propor a
reconceitualização do desenvolvimento em termos de universalização efetiva do conjunto
das chamadas três gerações de direitos: os direitos políticos, civis e cívicos
(a democracia como pedra angular, foundational value, diz Sen); os direitos
econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao trabalho decente; e por
último os direitos coletivos do desenvolvimento, ao meio ambiente, à infância”.(2)
Nos anos
50, enquanto fazia o doutorado em Delhi,
Ignacy Sachs vivenciou o forte prestígio internacional daquele país, que
demonstrava grande confiança em si próprio e que recebia chefes de estado e
cientistas sociais de fama mundial. Também são presentes em textos de Sachs a admiração pela Índia, descrita como terra de
inspiração e laboratório do desenvolvimento. Neles, expressou sua dívida
intelectual para com os indianos e nomeou aqueles de quem recebeu estímulos: os
economistas K.N. Raj, ex-reitor da universidade de Delhi; Sukihomoy
Chakravarti; Deepak Nayar, reitor da universidade de Delhi; Amartya Sen. Além
deles, Sachs relembra a importância dos
contatos com outros cientistas, tais como o politólogo Rajni Kothari; o
historiador da ciência Rahman; Ashok Parthasarathi; Amulya K.N.Reddy; M.S.
Swaminathan; Anil Agarwal; o ecologista Gadgil e o historiador Guha.
Ao
acreditar na importância da cooperação entre países tropicais, que podem
construir civilizações modernas da biomassa, Sachs enfatizou a necessidade de
abre-alas para esse desenvolvimento e propôs que o Brasil e a Índia assumam tal
posição. Reforçou a importância dos brasileiros se aproximarem dos indianos
através de rede de cooperação técnica por biomas. Ao postular a reforma da ONU,
Ignacy Sachs enxergou as possibilidades da liderança colaborativa desses dois
países no aprimoramento das instituições internacionais, oxigenando o ambiente
e fazendo circular ideias novas, originárias do pensamento do sul.
Hoje
continuam precários os laços culturais e de comunicação entre esses países. Para
transpor esse abismo propôs estabelecer um centro de pesquisa sobre o Brasil
contemporâneo em uma universidade indiana e um centro de pesquisa sobre a Índia
contemporânea em uma universidade brasileira e intercambiar estudiosos e
bolsistas, criando massa crítica de pessoas que lancem pontes de cooperação.
Seria uma estratégia para, em poucos anos, formar um conjunto de jovens com
melhor conhecimento mútuo.
A Índia é
uma terra fértil para se estudar e compreender a evolução humana e o papel que a nossa espécie desempenha
nessa atual crise da evolução. O conhecimento aprofundado sobre psicologia e
sobre a natureza do ser humano encontrado em filosofias indianas ajuda a lidar
com esse grande ator da crise atual. No campo da ecologia do ser, dos estudos
da consciência e da educação integral, a civilização indiana é guardiã de
riquezas valiosas para a autosuperação humana.
A cosmovisão indiana propõe que cada um de nós
nessa vida tem seu dharma, sua missão ou tarefa a cumprir. Trabalhar
pela aproximação Índia-Brasil tornou-se parte de meu dharma, que exerço
com alegria. Agradeço à Índia pela inspiração que me proporcionou.” (Maurício
Andrés Ribeiro é ex-pesquisador visitante no Indian Institute of Management,
Bangalore. Autor de Tesouros da Índia para a civilização sustentável. www.ecologizar.com.br
ecologizar@gmail.com)
*Sachs foi professor da Universidade de Varsóvia
e conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, Eco-92. É autor de vários livros e artigos: Capitalismo de
Estado e subdesenvolvimento (Vozes, 1969), Ecodesenvolvimento: crescer sem
destruir (Vértice, 1981), Espaços, tempos e estratégia de desenvolvimento
(Vértice, 1986), Estratégias de transição para o século XXI; A terceira Margem.
[1] Estudos
avançados vol.18 no. 52 São Paulo Dec. 2004. Experiências internacionais de um
cientista inquieto. Entrevista com Ignacy Sachs
[2] In A Terceira Margem, pág. 316.
*Fotos de arquivo
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