Recebi de
Maurício Andrés Ribeiro o texto abaixo que nos mostra com muita clareza a
importante missão de estreitar o intercâmbio Oriente-Ocidente e, de modo
especial Brasil e Índia. Maurício nos lembra neste artigo a presença de Ignacy
Sachs que, na década de 50 iniciou este intercâmbio.
“Nos idos de 1977, quando pus os pés na Índia pela
primeira vez, sabia que percorria caminhos que Ignacy Sachs trilhara, pioneiramente, nos anos 50. Sou
grato a ele pelas orientações e pelas
valiosas referências que me ofereceu desde então. Sinto-me em ótima companhia
filosófica e intelectual, que me estimula a prosseguir no caminho das Índias.
Ignacy
Sachs é socioeconomista, nascido na Polônia e naturalizado francês. Viveu
quatorze anos no Brasil, dirigiu o Centro de Pesquisas sobre o Brasil
Contemporâneo na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Doutor
pela Universidade de Delhi, na Índia, durante mais de 65 anos Ignacy
Sachs trabalhou para a cooperação Brasil-Índia. Em uma entrevista,
impressionado com a independência da Índia em 1947, perguntava: “Como um
país colonizado consegue se livrar da dominação do maior império colonial do
mundo quase sem derramamento de sangue? A mensagem é absolutamente
extraordinária.”(1).
Gandhi enfatizava
a importância da autolimitação das necessidades e foi para Sachs uma referência
no tema do desenvolvimento: “Gandhi para mim era e continua a ser o precursor
das boas teorias de desenvolvimento, pela maneira como considerava a massa
camponesa como o ator central do processo de desenvolvimento.” Sachs também foi inspirado pelo prêmio Nobel de Economia
Amartya Sen: “Foi a leitura de Amartya Sen que me levou a propor a
reconceitualização do desenvolvimento em termos de universalização efetiva do conjunto
das chamadas três gerações de direitos: os direitos políticos, civis e cívicos
(a democracia como pedra angular, foundational value, diz Sen); os direitos
econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao trabalho decente; e por
último os direitos coletivos do desenvolvimento, ao meio ambiente, à infância”.(2)
Nos anos
50, enquanto fazia o doutorado em Delhi,
Ignacy Sachs vivenciou o forte prestígio internacional daquele país, que
demonstrava grande confiança em si próprio e que recebia chefes de estado e
cientistas sociais de fama mundial. Também são presentes em textos de Sachs a admiração pela Índia, descrita como terra de
inspiração e laboratório do desenvolvimento. Neles, expressou sua dívida
intelectual para com os indianos e nomeou aqueles de quem recebeu estímulos: os
economistas K.N. Raj, ex-reitor da universidade de Delhi; Sukihomoy
Chakravarti; Deepak Nayar, reitor da universidade de Delhi; Amartya Sen. Além
deles, Sachs relembra a importância dos
contatos com outros cientistas, tais como o politólogo Rajni Kothari; o
historiador da ciência Rahman; Ashok Parthasarathi; Amulya K.N.Reddy; M.S.
Swaminathan; Anil Agarwal; o ecologista Gadgil e o historiador Guha.
Ao
acreditar na importância da cooperação entre países tropicais, que podem
construir civilizações modernas da biomassa, Sachs enfatizou a necessidade de
abre-alas para esse desenvolvimento e propôs que o Brasil e a Índia assumam tal
posição. Reforçou a importância dos brasileiros se aproximarem dos indianos
através de rede de cooperação técnica por biomas. Ao postular a reforma da ONU,
Ignacy Sachs enxergou as possibilidades da liderança colaborativa desses dois
países no aprimoramento das instituições internacionais, oxigenando o ambiente
e fazendo circular ideias novas, originárias do pensamento do sul.
Hoje
continuam precários os laços culturais e de comunicação entre esses países. Para
transpor esse abismo propôs estabelecer um centro de pesquisa sobre o Brasil
contemporâneo em uma universidade indiana e um centro de pesquisa sobre a Índia
contemporânea em uma universidade brasileira e intercambiar estudiosos e
bolsistas, criando massa crítica de pessoas que lancem pontes de cooperação.
Seria uma estratégia para, em poucos anos, formar um conjunto de jovens com
melhor conhecimento mútuo.
A Índia é
uma terra fértil para se estudar e compreender a evolução humana e o papel que a nossa espécie desempenha
nessa atual crise da evolução. O conhecimento aprofundado sobre psicologia e
sobre a natureza do ser humano encontrado em filosofias indianas ajuda a lidar
com esse grande ator da crise atual. No campo da ecologia do ser, dos estudos
da consciência e da educação integral, a civilização indiana é guardiã de
riquezas valiosas para a autosuperação humana.
A cosmovisão indiana propõe que cada um de nós
nessa vida tem seu dharma, sua missão ou tarefa a cumprir. Trabalhar
pela aproximação Índia-Brasil tornou-se parte de meu dharma, que exerço
com alegria. Agradeço à Índia pela inspiração que me proporcionou.” (Maurício
Andrés Ribeiro é ex-pesquisador visitante no Indian Institute of Management,
Bangalore. Autor de Tesouros da Índia para a civilização sustentável. www.ecologizar.com.br
ecologizar@gmail.com)
*Sachs foi professor da Universidade de Varsóvia
e conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, Eco-92. É autor de vários livros e artigos: Capitalismo de
Estado e subdesenvolvimento (Vozes, 1969), Ecodesenvolvimento: crescer sem
destruir (Vértice, 1981), Espaços, tempos e estratégia de desenvolvimento
(Vértice, 1986), Estratégias de transição para o século XXI; A terceira Margem.
[1] Estudos
avançados vol.18 no. 52 São Paulo Dec. 2004. Experiências internacionais de um
cientista inquieto. Entrevista com Ignacy Sachs
[2] In A Terceira Margem, pág. 316.
*Fotos de arquivo
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