Escreve Edgar Poe: "Nós somos devorados por uma sede
inextinguível. Esta sede faz parte da imortalidade do homem. Ela é uma conseqüência
e, ao mesmo tempo, um sinal de sua existência sem termo"... "Então,
quando a poesia, ou a mais enervante das formas poéticas, a música, nos fazem
cair em lágrimas, choramos, não por excesso de prazer, e sim em razão de uma
melancolia positiva, impetuosa, impaciente, que experimentamos por causa da
nossa incapacidade de discernir,
plenamente, aqui nesta terra, uma vez por todas, aquelas alegrias divinas de
que, através do poema ou da música, não atingimos, senão vislumbramos." ¹
O homem tende naturalmente para o que é eterno. Ele se
inquieta, procurando uma razão de ser para sua vida, aspirando ao que há de bom
e verdadeiro no mundo. É o ideal de perfeição, a sede insaciável de eternidade.
O artista, procurando elevar-se acima de si mesmo através da
arte, aspira à Beleza absoluta, e, mesmo inconscientemente, procura Deus. A
beleza artística é um reflexo da Beleza Incriada, assim como toda luz é uma
certa irradiação da primeira Claridade Divina.
A tendência natural da arte é de se elevar, aperfeiçoando-se
cada vez mais.
Abrindo um parenteses, consideremos aqui um ponto menos
esclarecido: é preciso distinguir a beleza da natureza da beleza artística. O
belo em arte não é o belo da natureza. É frequente confundir-se a beleza
natural com a beleza espiritual, realizada na obra de arte. "Uma vez que
na vida a beleza física é geralmente regular e a tradição clássica faz da
regularidade uma das condições de beleza, constitui ainda opinião corrente que
o belo é, também, na arte, sinônimo de regular.” (Matteo Marangoni).
A beleza da arte é puramente espiritual,
expressiva. É a emoção dirigida pela inteligência em busca de uma forma ideal
que, muitas vezes, pode parecer feia e pueril aos olhos do leigo.
Assim, ouvimos julgamentos como estes, principalmente em se
tratando de Arte Moderna: "Isto até uma criança poderia fazer." -
"Isto não passa de um rabisco."
No entanto, o quanto de sofrimento e luta para se chegar
àquela simplicidade, àquele despojamento completo do supérfluo, àquela síntese
de vida.
Os escolásticos, seguindo a doutrina de São Tomás, dão como
condições de beleza a integridade, a proporção, brilho ou clareza. Mas
ressaltam, também, que não existe uma só maneira, mas mil e dez mil maneiras de
a noção de integridade e proporção poderem realizar-se. Tanto as figuras Gregas
e Egípcias, como as de Rouault e Picasso são perfeitamente proporcionais, nos
seus gêneros.
Como dizia Jacques Maritain, “as noções de integridade e
proporção não têm nenhuma significação absoluta; visam, antes, ao fim da obra,
que é de ' fazer resplandecer uma forma sobre a matéria”, isto é, de expressar
uma ideia coerente, harmoniosa.
"Todas as coisas que povoam a terra encontram-se em
constante mudança e, por conseguinte, em constante movimento; mas uma lei
igualmente universal governa seu movimento: um impulso para encontrar uma
condição de harmonia e repouso: harmonia, maturidade e cristalização. A forma
pela qual a matéria encontra um equilíbrio de forças constitui sua perfeição,
uma solução para o seu problema particular no qual não existe desperdício nem
superfluidade. Se acrescentarmos ou retirarmos algo a esta perfeição, a forma
perde seu equilíbrio, seu aspecto característico, e deve-se recomeçar a busca
de ambos." (Karel
Honsih)
Tudo o que existe, em sua constante renovação procura
atingir a Beleza Absoluta ou ser um reflexo dela.
A procura de perfeição através da arte assemelha-se a este
incessante movimento da natureza que busca o equilíbrio nas células
microscópicas, no desabrochar de uma flor, nos grandes espaços interplanetários
do universo.
"O Belo consiste na ordem e na grandeza", dizia
Aristóteles em sua Poética. Ordem e grandeza, no entanto, não poderão ser
padronizadas dentro de cânones rígidos, diversificando-se conforme a exigência
de cada obra de arte em particular.
A fusão dos diversos elementos que constituem a matéria
pictórica, a cor e a linha, os planos e as sombras, as texturas, os relevos
devem na sua multiplicidade de sugestões procurar a unidade de um conjunto
harmonioso.
Para haver beleza num quadro ou numa escultura, é preciso
que haja a adequação perfeita do espírito com a matéria, da ideia criadora com
a forma realizada.
(Trecho do meu livro “Vivência e Arte”, editora Agir, 1966)
*Fotos de Maria Helena
Andrés
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