segunda-feira, 26 de outubro de 2015


MINAS BARROCA E TEMPLOS HINDUS

Na terra brasileira floresceu nos séculos dezessete e dezoito a arte Barroca, poderosa em sua expressão, na qual,  a partir dos elementos decorativos, do movimento de formas e do simbolismo mágico das figuras, o passado de descobertas e buscas é retomado.
O Barroco, que o historiador Carmo Azevedo denomina “a arte do mar e dos grandes aventureiros”, passa por uma transformação no Brasil, na região de Minas Gerais, em uma arte da terra, da busca de ouro e pedras preciosas. A mão que esculpiu e moldou a forma manteve o artesão próximo de sua própria origem. Os modelos vêm de além-mar e encontram eco na região montanhosa de Minas Gerais, nos entalhes naturais, nos arabescos das montanhas, na sinuosidade dos rios, nas encostas de pedra, seguindo os padrões desenhados no coração da terra pelos veios do ouro.

As minas de ouro construíram as cidades de Minas Gerais. Foram construídas igrejas nas quais as mãos dos artesãos e artistas que vieram da Europa e da Ásia se misturaram àquelas dos nativos, mulatos e índios. Elas expressaram a integração de culturas e o sincretismo religioso.  Na Igreja de Nossa Senhora do Ó em Sabará, de inspiração oriental, dragões domesticados voam no espaço sobre pagodes chineses. Síntese oriente-ocidente alcançada por meio da arte, mãos brasileiras se juntando a povos e raças distantes, numa mesma energia.

A arte Islâmica do norte da Índia e os templos protestantes mostram uma feição comum, que é a ausência da figura humana. Em contraste, os templos do sul da Índia e as igrejas católicas barrocas mostram um grande número de figuras humanas, animais e plantas. O espaço é quase congestionado e a madeira entalhada canta e vibra com a riqueza de detalhes.

Sentimos essa riqueza de detalhes nas faces internas e externas dos templos Hindus, principalmente no sul. Ali, deuses dançam e tocam música, adornados com braceletes e colares mostrando que dança, música e artes em geral são caminhos para alcançar a união com o Divino. Também nos tempos áureos do barroco as artes se fundiam tentando transmitir um conjunto de riqueza mundana e a religiosidade daquela época. Artistas e manifestações públicas de teatro, música e dança eram estimulados. As procissões eram na realidade coreografias seguidas pelos fiéis, tornando toda a cidade um palco, adornado com flores, toalhas de mesa decoradas penduradas nas janelas, oferecendo no todo um espetáculo majestoso e espetacular.

Na Índia, também, nos tempos antigos, a integração das artes foi alcançada dentro dos templos e festivais. A dança, a música, a poesia e o canto, eram parte de um ambiente criado por arquitetos, artistas plásticos e artesãos. Havia uma integração dos vários ramos da arte para promover a união com o Supremo Criador do Universo.
O artista mais famoso do período colonial em Minas, Antonio Francisco Lisboa, conhecido como o Aleijadinho, transmite em suas esculturas o movimento da dança e há estudos sobre sua obra, comparando os profetas de Congonhas do Campo com a coreografia de um balé.

Germain Bazin descreve nos profetas influências das vestimentas da igreja oriental.  Notamos que essas vestes, principalmente no que concerne a coberturas da cabeça, parecem com as roupas dos deuses do panteão hindu, os turbantes nas cabeças de Budas e também as torres elaboradas e refinadas dos templos e stupas. ( Terceira parte do estudo comparativo apresentado no Seminário de Goa, 1983)


*Fotos de Marília Andrés e da internet

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segunda-feira, 19 de outubro de 2015


EXPANSÃO DO ORIENTE, FUSÃO DE CULTURAS

Goa teve o papel de unificar duas civilizações. Navios vinham da China, trazendo coisas fantásticas do extremo oriente; porcelanas chinesas de diferentes tipos, caixas, arcas de madeira, telas elaboradas. Esse comércio aumentou a síntese e a construção de templos promoveu a integração no campo artístico.

 Aludindo a isso, o historiador português Carlos de Azevedo comenta: “Quase todos os retábulos nas igrejas indianas são colocados diante de um fundo decorativo de entalhes ricamente trabalhados, onde a noção do uso do espaço é puramente oriental, o que aumenta o interesse e a originalidade de toda essa arte indo-portuguesa.”

Símbolos hindus foram substituídos por símbolos cristãos, mas as decorações, os arabescos “preenchimento do vazio” mantiveram características orientais.

As manifestações e símbolos artísticos, transcendendo as palavras, capturaram em linha direta a integração de diferentes povos, desvendando sua origem comum, que é a origem do ser humano na Terra.

As ideologias separam os homens porque são conceitos mentais. A mente resiste à invasão de suas verdades pessoais. Mas a verdade é única, indivisível, e brilha sobre tudo como o sol do meio dia, iluminando a Terra como um todo.

Interessa-me, no presente estudo, a documentação da influência indiana na arte portuguesa que, por seu turno, veio ecoar no Brasil alguns anos mais tarde, através do Barroco.
Buscamos nossas origens, nossos pontos de contato com a Índia, como se pudéssemos retomar por meio dos dados históricos e das manifestações artísticas, religiosas e culturais, o caminho das Índias, gerador da energia das grandes descobertas, da intensificação do comércio e do florescimento das artes. (Segunda parte do estudo comparativo apresentado no Seminário em Goa, 1983)

*Fotos da internet


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segunda-feira, 12 de outubro de 2015


INFLUENCIAS CULTURAIS INDO-PORTUGUESAS NO BRASIL

O texto abaixo foi apresentado em 1983 num seminário Indo-Português em Goa, Índia. Naquele seminário eu fui a única representante do Brasil.
“Este trabalho é uma tentativa de uma síntese oriente-ocidente por meio de um estudo comparativo entre a colonização portuguesa no Brasil e na Índia. Os portugueses, no tempo das descobertas, anexaram à coroa portuguesa parte do território indiano e o domínio português em Goa, Damão e Diu, na costa oeste da Índia, durou até 1961, quando a Índia anexou de volta a seu território as terras ocupadas pelos portugueses.
Brasil e Índia, frutos dos trópicos
Introduzindo esse estudo comparativo dos paralelos e contrastes entre culturas ocidentais e orientais que focaliza o caso especifico do Brasil e da Índia, criado pela expansão do império Português, citamos as palavras de Fernando L. Gomes, escritas na base do monumento em sua homenagem em Pangim, Goa: “ Se dependesse de mim a fusão de todas as raças, todas as castas, todos os privilégios, numa única família, compacta e unida, eu sacrificaria tudo para alcançar isso. Esse dia seria para meu coração um dia de ventura real.”
Sentindo as semelhanças que existem entre povos e os contrastes derivados de diferentes culturas, observando como essas culturas se comunicam, começamos a compreender que os seres humanos pertencem realmente a uma única família. Há ocasiões que promovem as semelhanças entre países que às vezes estão muito distantes, como a Índia e o Brasil. Esses países parecem ser irmãos. Quando estávamos no vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, pudemos sentir uma ligação que relacionava essas culturas, na dança, na música, nos duelos cantados, no artesanato, na organização familiar e nas festividades populares. Por quê tal semelhança?
Isso eu deixo aos pesquisadores, antropólogos e historiadores. Como artista, tudo o que faço é perceber as afinidades que ligam os povos. Há calor humano, afetividade, comunicação e religiosidade no povo simples, ligado à terra e as tradições e usando suas mãos em seu trabalho, mais frequentemente do que as máquinas.
Há espontaneidade e alegria nas boas vindas ao visitante que chega, a mesma sinceridade que pude testemunhar no sul da Índia, onde estive muitas vezes nos últimos anos e, de modo especial, em Goa, ex-colônia portuguesa, uma terra irmã do Brasil, não somente em seus aspectos geográficos mas também em suas manifestações culturais e humanas.
Essas duas regiões da Terra se assemelham sob o sol dos trópicos, misturando-se sob a mesma intensidade de luz e de cor. No Vale do Jequitinhonha o verão aquece cidades e vilas, diminuindo o ritmo do sertanejo. Na Índia, também, o sol escaldante do verão brilha sobre os campos e aldeias, trazendo o mesmo comportamento aos seus habitantes.
Todo o nordeste brasileiro e o sudoeste da Índia têm os mesmos traços de vegetação. Na Índia, como no nordeste brasileiro, os coqueiros são a riqueza da região. Famílias pobres fazem suas choupanas de folhas de coqueiros, usam os cocos para muitas finalidades, bebem a água de coco. Houve uma troca de sementes por meio dos portugueses. Os conquistadores espalharam por terras distantes muitas flores e frutos.
O caju foi do Brasil para a Índia, a manga veio da Índia para o Brasil. Diferentes continentes se comunicaram entre si por meio de sementes, flores e frutos que desabrochavam em diferentes regiões do globo terrestre, promovendo a integração que cresceu da terra.
Mas foi nos mares que as culturas oriental e ocidental foram capazes de se encontrar. As várias colônias sob o domínio português se conectaram por meio das caravelas que cruzavam os oceanos e mares, colocando em contato diferentes culturas e civilizações.
Foi o espírito aventureiro e a paciência para suportar longos meses no mar, foi a busca de riquezas e a necessidade de expandir o credo cristão e assegurá-lo com o poder terreno, que intensificaram no passado a síntese do oriente e do ocidente.

*Fotos da internet

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segunda-feira, 5 de outubro de 2015


GTO E O ENCONTRO COM O ORIENTE

GTO, Geraldo Teles de Oliveira, tornou-se figura conhecida e admirada no mundo das artes. Nascido em Divinópolis, Minas Gerais, ele se projetou além das fronteiras do Brasil, como artista cujo potencial criador ultrapassou os limites impostos pelo eixo Rio-São Paulo, criando diretamente de Minas para o mundo. Sua arte é atemporal e alcança o inconsciente coletivo de forma segura e firme.

GTO realizava seus trabalhos a partir de sonhos. Percorrendo a exposição de GTO na Cemig, no espaço reservado à Arte Popular, vou sentindo, passo a passo, a integração de culturas que a arte espontaneamente promove. 

Meus passos na Índia me conduziram a reflexões sobre essa unidade formal que se projeta no tempo e nos faz visualizar obras afins em artistas que descobrem o seu caminho próprio em países distantes. Percorrendo os museus de Delhi, senti a semelhança dos nossos artistas do vale do Jequitinhonha com a cerâmica indiana, e, agora revejo a Índia na obra de GTO.

Na Índia, artistas anônimos cavaram na pedra bruta esculturas de animais e seres humanos. Não havia a preocupação de vender ou expor em Galerias. Mas sob o impulso mágico da criação artística, ali deixaram um documentário belíssimo do poder criativo do homem. Percorrendo a Índia, encontramos nessas esculturas pertencentes a civilizações remotas, uma grande afinidade com esse artista mineiro. 

GTO foi um grande visionário e em seus sonhos captou a mensagem das antigas civilizações, desde a pedra do sol dos maias no México, até os templos de Kajuraho na Índia. Os roteiros da arte são os roteiros da vida, porque arte e vida não se separam. Os trabalhos de GTO vão nos revelando uma unidade formal existente nos caminhos percorridos por artistas que viveram neste planeta, afastados no espaço, mas unidos no tempo com a grandeza de suas criações espontâneas brotadas diretamente da intuição. 

O gesto do artista se irmana no tempo num grande abraço de confraternização. GTO considerava a escultura como um legado divino e uma missão. Seus entalhes em madeira atravessaram fronteiras e aproximaram povos.

*Fotos da internet

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quinta-feira, 24 de setembro de 2015


MARIA HELENA ANDRÉS – DESENHO – PINTURA – ESCULTURA

A Escola Guignard foi construída junto à serra do Curral e tem uma bela vista para a cidade. Lá embaixo, as luzes de BH vão nos mostrando os caminhos do passado. Recordo a escola no parque municipal, no porão do Palácio das Artes, ainda em construção. Para chegar até a sala de aula, tínhamos de passar por tábuas e pedras.

Hoje a escola está reconhecida oficialmente, tornou-se uma universidade. Fui convidada para ali mostrar meus desenhos e esculturas. Houve uma seleção de meus quadros. Para a curadoria da exposição participaram Marília Andrés, Cláudia Renault, Eymard Brandão e Ana Cristina Brandão, diretora da escola. Foram até o meu atelier no Retiro das Pedras e ali mesmo escolheram as obras a serem expostas. A disposição dos quadros conduz o espectador a uma viagem no tempo, desde a década de 50, sempre o desenho acenando mudanças. Ele registra os caminhos da vida, desde os trabalhos em carvão, sinalizando as viagens feitas pelos veleiros, até a passagem dramática pela fase de guerra denunciando a violência. O desenho continua seu percurso, abre espaço para novas direções.

Foi através do desenho, tridimensionado no computador, que iniciei meu caminho na escultura. O caminho do desenho foi longo e demorado e ainda continua abrindo espaço para o futuro.

Transcrevo abaixo o texto de Carlos Wolney e Ana Cristina Brandão:

“Nas comemorações dos 70 anos da Escola Guignard – UEMG, apresentamos essa importante exposição da artista Maria Helena Andrés, que foi professora e diretora da escola nos anos 60. A exposição é um recorte de sua ampla e consolidada produção.
A gestualidade firme da artista imprime movimentos fluidos e leves que revelam em uma composição de equilíbrio, o domínio da forma e do espaço e transmite uma consciência espacial constante em suas imagens.

Maria Helena Andrés, em suas viagens pelo mundo, com um olhar sensível e firme, em especial para a Índia, encontrou motivação nas impactantes paisagens, que a levaram a uma nova tomada de consciência.
A observação e sutil percepção dos signos, símbolos, cores, cheiros e formas do peculiar universo indiano, com certeza, marcaram significativamente o processo de criação da artista, verificado nas pinturas, desenhos e esculturas.

A visível delicadeza e força intelectual de Maria Helena nos leva para o universo pessoal da artista, repleto de sabedoria, registrada em suas publicações.
Maria Helena exerce liberdade e disciplina, apreendidas nas aulas do Mestre Guignard.
Admirável vê-la, hoje na Escola Guignard, com uma vitalidade que estimula artistas e futuros artistas no prazer do fazer e no sabor de saber.”
Ana Cristina Brandão e Carlos Wolney Soares (setembro de 2015)

*Fotos de Maurício Andrés e Walmir Goes

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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

quarta-feira, 16 de setembro de 2015


LYGIA CLARK E O TRABALHO COM O CORPO

Fui colega de Lygia Clark no Colégio Sacré Coeur de Marie em Belo Horizonte. Sentávamos juntas, na mesma carteira dupla, e desenhávamos o tempo todo, em qualquer papel que aparecesse. Sempre acompanhei, com muita admiração, a sua trajetória na arte. Quando nos encontrávamos, nas encruzilhadas de caminhos diferentes, sempre aproveitávamos a oportunidade para uma troca de experiências.
O texto abaixo foi selecionado da primeira edição do meu livro “Os caminhos da Arte.”

“Se observarmos o itinerário de Lygia Clark, podemos sentir a sua trajetória acelerada através de vários espaços partindo da tela bidimensional, até alcançar a realidade do ser humano a fim de transformá-lo. Lygia não se deteve nas aquisições do passado. Sua inquietação constante a conduziu da realidade visível para a invisível, da arte feita para a arte vivenciada, não verbal. Despojando-se desde o início dos elementos sensíveis da cor e matéria, Lygia penetrou na organicidade de onde vieram as primeiras esculturas, os bichos, permitindo a participação do espectador e o despertar da criatividade. Suas experiências com o corpo marcaram o rompimento definitivo com as artes plásticas. Seu trabalho, naqueles oito anos de permanência em Paris, supõe a desmistificação de conceitos e o desbloqueio dos fantasmas do corpo.

“No meu curso, nos diz Lygia, eu peço depoimentos, vivências e eles começam a se desenvolver também no sentido da palavra, da linguagem. O trabalho com o corpo traz os fantasmas, a palavra é usada para exprimir estes fantasmas e os jovens começam a se expressar como nunca conseguiram em qualquer outro curso da Sorbonne. Cria-se uma comunicação tão viva e intensa que eles acabam se tornando amigos, encontram-se fora do curso, trocam vivências e codificações de comportamento”.

Segundo suas próprias palavras: “Se você analisar tudo o que fiz até agora, vai notar que o que pretendo é o aprofundamento deste trabalho, só que num nível mais coletivo ainda, menos pessoal, menos individual, e menos artístico. Cada vez menos obra de arte. No momento estudo antropologia e a cultura dos índios.”

Tendo se libertado do objeto como obra de arte, Lygia deu continuidade às suas pesquisas buscando a visão arcaica do mundo e das pessoas. O trabalho com o corpo, a liberação das fantasias levaram-na à conscientização de uma unidade entre as pessoas a que ela denominou “corpo coletivo.”

A retrospectiva de Lygia Clark no MOMA, em Nova York, denominada “O Abandono da Arte” reuniu seu trabalho desde as pinturas figurativas e os desenhos de 1940, passando pelas abstrações geométricas de 1950 até os revolucionários “objetos sensoriais” de 1960,uma proposição que ela denominou “terapêutica”.

O trabalho de Lygia é experimental e visa à liberação do ser. Desbloqueia, conscientiza, facilita a troca no relacionamento humano e amplia a vivência do ser, tão necessária ao mundo em que vivemos.

*Fotos de Maurício Andrés

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quarta-feira, 9 de setembro de 2015


A ARTE DE MARY VIEIRA


Foi guiada por um sentimento espiritual de busca da perfeição que Mary Vieira, artista brasileira, nossa colega na Escola Guignard, embarcou para a Suíça, há décadas atrás. Mary era movida por uma  necessidade interior de desenvolver sua capacidade criadora dentro da escultura concreta, que exige do artista a adesão completa à forma pura. A pureza na arte concreta é imprescindível. Talvez seja ela a ponte que liga a arte à ciência, à matemática e à física, penetrando também no plano onde elas se encontram com o espiritualismo inato do ser humano.
O caminho seguido por Mary foi o de buscar sempre a perfeição dentro da arte. Hoje seu nome é conhecido internacionalmente e suas esculturas integram jardins, praças e museus da Europa e das Américas. Pioneira do cinevisualismo plástico internacional, Mary Vieira realizou seus primeiros “Multivolumes”, estruturas concretas multicomponíveis à participação direta do espectador, quando ainda estudante da Escola Guignard, em 1947, em Sabará, Poços de Caldas, Lambari e na Bahia. Em 1948 ela construiu a primeira estrutura cinética monumental animada eletricamente: “Formas Rotatórias Espirálicas à Perfuração Virtual”, que foi executada em Araxá para o conjunto da Exposição Nacional das Classes Produtoras brasileiras.
Mary revela em suas esculturas uma possibilidade dinâmica do espaço-tempo. Seus polivolumes permitem ao espectador participar também do momento de criação e sentir-se de certa forma co-autor da obra de arte. Aí o sentimento lúdico funde-se com o sentimento estético e permite a criação de novas formas no espaço, sustentadas por uma estrutura básica. Encarregada de realizar uma escultura para o Instituto de Anatomia Patológica da Universidade de Basiléia, Mary dedicou 4 anos a esse monumental trabalho, realizado em aço inoxidável e denominado “Função de Forças Opostas”. Ali os elementos horizontais e verticais se conjugam e se movem, oferecendo várias formas de composição aos alunos que transitam no imenso salão. Os elementos, os polivolumes se movem nas mãos dos estudantes. A arte, para Mary, é o canal por onde flui espontaneamente o sentimento espiritual ao encontro do eterno. A sala de meditação do Instituto de Medicina Social de Bürgerspital do Cantão de Basiléia contém uma grande tapeçaria de Mary, baseada também na forma vertical e horizontal, símbolo da vida e da morte. Referindo-se a esse grande trabalho em tapeçaria tecida em lã crua, os críticos suíços comentam: “É a redescoberta da cruz, como forma primordial na sua gênese rítmico-estrutural. Duas linhas se põem em marcha, ao longo da parede, para encontrar a sua própria horizontal e a sua própria vertical. Uma cruz surge no centro como evento metacromático de cor verde. Uma linha se dissolve no curso do próprio caminho, no limite do espaço ambiental. Os dois elementos fundamentais deste mistério, a vertical e a horizontal, se isolam ao lado, preparados para construir-se dia a dia, em uma nova crucificação ininterrupta.”

*Fotos da internet


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quinta-feira, 3 de setembro de 2015


CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA ESCOLA DE ARTE

Esta é uma homenagem a Rubens Gerchman por sua visão holística da arte.
(depoimento obtido em 1976 no Rio)

“Nossa visão egocêntrica deverá evoluir para uma consciência total, comunitária”. Lembrando estas palavras proféticas de Vasarely, podemos trazê-las para o ensino da arte. Uma escola de arte, para ser realmente renovadora, tem de ser participante dessa consciência total. Não são os currículos nem a burocracia que a fazem crescer, mas antes de tudo o entusiasmo e a força criadora de seus líderes. A criatividade, impulsionando uma organização, torna-se uma força geradora em pleno movimento. Podemos sentir a presença desta energia renovadora na Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro, orientada por um grupo de professores, tendo à frente o conhecido artista Rubens Gerchman. Trazendo a criatividade para a vida, ele a põe a serviço do bem comum. De acordo com seu próprio depoimento: “Quando concebi a nova escola de artes visuais, pensei em sua estrutura como uma ampla rede comunicante, onde a informação pode fluir constantemente, modificando e reorientando as diversas áreas de conhecimento”. Dentro deste esquema flexível, aberto ao novo, a Escola de Artes Visuais elabora um trabalho de síntese que se estende para outros campos de atividades artísticas, visando despertar o aluno para uma visão global da arte e da vida. 
Procurei entrar em contato com a escola de modo geral, admirando o seu sentido dinâmico e renovador. 

Tive a oportunidade de assistir a uma aula da Oficina do Corpo, dirigida por Hélio Eichbauer. Percebe-se a preocupação do professor de conduzir seus alunos para a consciência da unidade.

“Sua atuação como cenógrafo em treze anos de intensa atividade profissional e sobretudo sua flexibilidade como artista pesquisador, seu interesse por música, dança, teatro e pintura (artes plásticas) possibilitaram a realização de uma proposta aglutinadora dessas diversas manifestações de arte. Lembro-me de Jackson Pollock pintando com o corpo, gestos sobre telas estendidas no chão (action painting), dos calígrafos japoneses, das manifestações do body-art nos anos 70, tentativas de recuperação do equilíbrio mente-corpo, e observo a transformação desta informação em experiência vivida nos trabalhos de criação coletiva dos alunos de Hélio Eichbauer”. Assim se expressou Rubens Gerchman sobre seu colega da Oficina do Corpo, por ocasião da exposição comemorativa de seus treze anos de produção em cenografia. Hélio Eichbauer leva o aluno à consciência do corpo, dentro de uma pesquisa coletiva. Dentro desta visão total, a arte poderá se estender para a vida e se realizar na própria vida.

Em minhas visitas à Escola de Artes Visuais, o que mais me chamou a atenção desde o início foi a possibilidade do aluno obter conhecimento através da própria vivência transmutada ao nível consciente. Dentro desse caminho de abertura da percepção encontrei, no curso de transformação de materiais a cargo da professora Celeida Tostes, uma verdadeira abordagem de alquimia. Tendo-se aperfeiçoado em arte-educação na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, Celeida conduz seus alunos a uma relação sensorial com os quatro elementos da natureza: fogo, terra, água e ar, anexados a elementos e substâncias químicas. A apreensão direta do conhecimento é percebida através dos cinco sentidos, buscando a síntese corpo e mente. Suas aulas não conduzem apenas à observação visual das formas, mas ultrapassam o mundo do conhecido, para mergulhar no desconhecido. Trazendo a mensagem do inconsciente para o consciente, o aluno estará apto a encontrar seu próprio ritmo destruindo, criando e transformando a matéria dentro deste ritmo. Há uma busca das origens nessa descoberta interior que permite, através da transmutação dos elementos da natureza, também a compreensão do relacionamento homem-universo.

*Fotos da internet

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terça-feira, 1 de setembro de 2015

domingo, 23 de agosto de 2015


DO CARRO DE BOI AO COMPUTADOR

Residindo longe do eixo Rio – São Paulo onde aconteciam os eventos, eu me expressava nos anos 50, dentro do construtivismo de maneira própria. Ia todos os fins de semana para a fazenda do meu sogro em Entre Rios de Minas. Ali desenhava cenas da vida rural, buscando a simplificação da figura como uma necessidade interior de disciplina e concentração. Suprimir detalhes, valorizar a cor chapada pura, sem nuances, era para mim também uma busca espiritual da essência da forma, síntese espontânea, intuitiva, conquistada com o exercício constante e ininterrupto do desenho. Os pequenos desenhos da década de 50 foram guardados em pastas diferentes, de acordo com o destino que poderiam ter mais tarde, na pintura, na escultura ou na arte aplicada. Desenhos daquela época estão sendo tridimensionados com o auxílio do computador pela arquiteta Elena Andrés Valle e depois transformados em esculturas de ferro, sob a orientação do arquiteto Alen Roscoe. Esta série de desenhos que denomino de pré- concretista, foi um caminho do figurativo ao abstrato e está possibilitando, no presente, uma caminhada em direção a outros espaços.

*Fotos de Euler Andrés e Maria Helena Andrés


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