quarta-feira, 16 de setembro de 2015

LYGIA CLARK E O TRABALHO COM O CORPO

Fui colega de Lygia Clark no Colégio Sacré Coeur de Marie em Belo Horizonte. Sentávamos juntas, na mesma carteira dupla, e desenhávamos o tempo todo, em qualquer papel que aparecesse. Sempre acompanhei, com muita admiração, a sua trajetória na arte. Quando nos encontrávamos, nas encruzilhadas de caminhos diferentes, sempre aproveitávamos a oportunidade para uma troca de experiências.
O texto abaixo foi selecionado da primeira edição do meu livro “Os caminhos da Arte.”

“Se observarmos o itinerário de Lygia Clark, podemos sentir a sua trajetória acelerada através de vários espaços partindo da tela bidimensional, até alcançar a realidade do ser humano a fim de transformá-lo. Lygia não se deteve nas aquisições do passado. Sua inquietação constante a conduziu da realidade visível para a invisível, da arte feita para a arte vivenciada, não verbal. Despojando-se desde o início dos elementos sensíveis da cor e matéria, Lygia penetrou na organicidade de onde vieram as primeiras esculturas, os bichos, permitindo a participação do espectador e o despertar da criatividade. Suas experiências com o corpo marcaram o rompimento definitivo com as artes plásticas. Seu trabalho, naqueles oito anos de permanência em Paris, supõe a desmistificação de conceitos e o desbloqueio dos fantasmas do corpo.

“No meu curso, nos diz Lygia, eu peço depoimentos, vivências e eles começam a se desenvolver também no sentido da palavra, da linguagem. O trabalho com o corpo traz os fantasmas, a palavra é usada para exprimir estes fantasmas e os jovens começam a se expressar como nunca conseguiram em qualquer outro curso da Sorbonne. Cria-se uma comunicação tão viva e intensa que eles acabam se tornando amigos, encontram-se fora do curso, trocam vivências e codificações de comportamento”.

Segundo suas próprias palavras: “Se você analisar tudo o que fiz até agora, vai notar que o que pretendo é o aprofundamento deste trabalho, só que num nível mais coletivo ainda, menos pessoal, menos individual, e menos artístico. Cada vez menos obra de arte. No momento estudo antropologia e a cultura dos índios.”

Tendo se libertado do objeto como obra de arte, Lygia deu continuidade às suas pesquisas buscando a visão arcaica do mundo e das pessoas. O trabalho com o corpo, a liberação das fantasias levaram-na à conscientização de uma unidade entre as pessoas a que ela denominou “corpo coletivo.”

A retrospectiva de Lygia Clark no MOMA, em Nova York, denominada “O Abandono da Arte” reuniu seu trabalho desde as pinturas figurativas e os desenhos de 1940, passando pelas abstrações geométricas de 1950 até os revolucionários “objetos sensoriais” de 1960,uma proposição que ela denominou “terapêutica”.

O trabalho de Lygia é experimental e visa à liberação do ser. Desbloqueia, conscientiza, facilita a troca no relacionamento humano e amplia a vivência do ser, tão necessária ao mundo em que vivemos.

*Fotos de Maurício Andrés

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA


Nenhum comentário:

Postar um comentário