Fui colega de Lygia Clark no Colégio Sacré Coeur de
Marie em Belo Horizonte. Sentávamos juntas, na mesma carteira dupla, e
desenhávamos o tempo todo, em qualquer papel que aparecesse. Sempre acompanhei,
com muita admiração, a sua trajetória na arte. Quando nos encontrávamos, nas
encruzilhadas de caminhos diferentes, sempre aproveitávamos a oportunidade para
uma troca de experiências.
O texto abaixo foi selecionado da primeira edição do
meu livro “Os caminhos da Arte.”
“Se observarmos o itinerário de Lygia Clark, podemos
sentir a sua trajetória acelerada através de vários espaços partindo da tela
bidimensional, até alcançar a realidade do ser humano a fim de transformá-lo.
Lygia não se deteve nas aquisições do passado. Sua inquietação constante a
conduziu da realidade visível para a invisível, da arte feita para a arte
vivenciada, não verbal. Despojando-se desde o início dos elementos sensíveis da
cor e matéria, Lygia penetrou na organicidade de onde vieram as primeiras
esculturas, os bichos, permitindo a participação do espectador e o despertar da
criatividade. Suas experiências com o corpo marcaram o rompimento definitivo
com as artes plásticas. Seu trabalho, naqueles oito anos de permanência em
Paris, supõe a desmistificação de conceitos e o desbloqueio dos fantasmas do
corpo.
“No meu curso, nos diz Lygia, eu peço depoimentos,
vivências e eles começam a se desenvolver também no sentido da palavra, da
linguagem. O trabalho com o corpo traz os fantasmas, a palavra é usada para
exprimir estes fantasmas e os jovens começam a se expressar como nunca
conseguiram em qualquer outro curso da Sorbonne. Cria-se uma comunicação tão
viva e intensa que eles acabam se tornando amigos, encontram-se fora do curso,
trocam vivências e codificações de comportamento”.
Segundo suas próprias palavras: “Se você analisar
tudo o que fiz até agora, vai notar que o que pretendo é o aprofundamento deste
trabalho, só que num nível mais coletivo ainda, menos pessoal, menos
individual, e menos artístico. Cada vez menos obra de arte. No momento estudo
antropologia e a cultura dos índios.”
Tendo se libertado do objeto como obra de arte,
Lygia deu continuidade às suas pesquisas buscando a visão arcaica do mundo e
das pessoas. O trabalho com o corpo, a liberação das fantasias levaram-na à
conscientização de uma unidade entre as pessoas a que ela denominou “corpo
coletivo.”
A retrospectiva de Lygia Clark no MOMA, em Nova
York, denominada “O Abandono da Arte” reuniu seu trabalho desde as pinturas
figurativas e os desenhos de 1940, passando pelas abstrações geométricas de
1950 até os revolucionários “objetos sensoriais” de 1960,uma proposição que ela
denominou “terapêutica”.
O trabalho de Lygia é experimental e visa à
liberação do ser. Desbloqueia, conscientiza, facilita a troca no relacionamento
humano e amplia a vivência do ser, tão necessária ao mundo em que vivemos.
*Fotos de Maurício Andrés
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