segunda-feira, 9 de julho de 2018

HOMENAGEM À MARIA HELENA ANDRÉS - SEMINÁRIO ARTE CONCRETA E VERTENTES CONSTRUTIVAS


No dia 26 de junho de 2018, foi aberto um seminário sobre Arte Concreta e Vertentes Construtivas, que me homenageou como uma das participantes daquele movimento ocorrido no Brasil na década de 50. Foram também homenageados  a historiadora Aracy Amaral e o artista e crítico de arte  Márcio Sampaio. Abaixo, transcrevo a minha palestra no evento. 

“É para mim uma honra estar aqui presente neste importante seminário.
Agradeço, de coração, a homenagem que me está sendo prestada, agradeço aos críticos, artistas e pesquisadores que organizaram este seminário.

Considero da maior importância um estudo aprofundado do construtivismo brasileiro da década de 50. Como artista mineira, atuante na época, posso dar o testemunho da minha própria experiência.

O construtivismo foi importantíssimo para todos nós que abraçamos as ideias vanguardistas daquela época. Para mim ele foi como uma semente que mais tarde se reproduziu em outras formas de expressão. Devo à minha experiência construtiva dos anos 50 a fase atual de esculturas e colagens. Foi a retomada da ordem construtiva, depois de muitos anos de liberdade da fase gestual.

Para este seminário procurei selecionar textos escritos para o meu blog e retirados dos meus dois livros: Vivência e Arte e Os Caminhos da Arte.
A exposição Ordem &Liberdade, sobre a arte abstrata nas coleções do MAM e de Gilberto Chateaubriand, inaugurada no final de 2003 no Museu de Arte Moderna do Rio, tendo como curador o crítico Fernando Cocchiarale, propunha uma retomada histórica do abstracionismo no Brasil, com ênfase nos anos 50. Naquela exposição eu estava do lado correspondente à ordem, à disciplina. Foi com emoção que pude rever os artistas da década de 50 que participavam das bienais de São Paulo. Lá estavam, ao meu lado, vizinhos do mesmo painel, os companheiros de arte da época, muitos já falecidos: Milton Dacosta, Maria Leontina, Mário Silésio, Alfredo Volpi, Amilcar de Castro e Lygia Clark, entre outros. Senti-me a própria sobrevivente percorrendo a mostra.

O concretismo na década de 50 nos propunha disciplina, concentração, limpeza de cores, uma arte mental, intimista, sem impulsos emocionais. Cultivava-se a virtude da paciência. Os quadros levavam muito tempo para serem feitos e o instrumento usado na época para se conseguir uma linha perfeita era uma espécie de caneta ou bisturi, chamado tira-linhas, instrumento gráfico, em desuso hoje em dia, na era do computador. Com as linhas paralelas eu fazia postes de luz e partituras musicais. Gostava de ficar horas pintando, porque me fazia bem à alma.

Passar pelo concretismo foi para mim uma lição de vida. O fazer artístico significava crescimento. A integração de várias áreas das artes, necessária a uma revisão de valores, era um dos pontos mais importantes do movimento concretista a partir da primeira Bienal de São Paulo. Poetas, músicos, pintores e escultores se uniam dentro do mesmo ideal estético, dando prioridade à pureza da forma. O grande incentivador do concretismo foi o crítico Mário Pedrosa, que visitava os artistas em seus ateliês e, muitas vezes, chegava até Minas Gerais, para acompanhar os trabalhos dos artistas mineiros que buscavam uma arte pura, desligada dos padrões figurativos. Os júris de seleção das primeiras bienais, que às vezes eliminavam 90% dos trabalhos apresentados, eram o grande teste a ser enfrentado. Naquele tempo não existiam curadores e os artistas se dispunham a passar por essa experiência de júris nos salões e bienais.

A aprovação nas bienais era a minha chance de descer das montanhas e viajar para São Paulo, encontrar os amigos, companheiros de jornada, participar dos eventos internacionais, ter um contato direto com as obras de arte e estudar o pensamento dos grandes artistas abstratos europeus e latino-americanos. Trocava ideias com os artistas de São Paulo: Maria Leontina, Milton Dacosta, Arcângelo Ianelli e Volpi. Para nós não havia a preocupação matemática dos concretistas suíços, seguíamos o comando da sensibilidade e da intuição. Naquela ocasião, as ideias espiritualistas de Kandinsky começaram a me acenar como uma estrela luminosa. Os grandes pintores abstratos europeus, principalmente os da vanguarda russa, não se limitavam aos aspectos formais. Buscavam a transcendência, o contato direto com os níveis mais profundos da consciência.

O rompimento com a figura e o tema indicaram também direções novas para a escultura brasileira. A exposição do artista suíço Max Bill, no Museu de Arte de São Paulo, em 1950, impulsionou a nova geração de escultores ao questionamento dos moldes tradicionais da escultura figurativa, para abraçar a forma tridimensional pura. Do grupo de Minas, três artistas escultores aderiram ao movimento: Amilcar de Castro, Franz Weissmann e Mary Vieira. Mais tarde, Mary deixou o Brasil para se radicar na Suiça, onde se tornou aluna e seguidora de Max Bill. Amilcar e Weissmann foram para o Rio de Janeiro e aderiram ao movimento neoconcreto.

Repensar o concretismo é também repensar os caminhos por onde passamos. Aqui em Minas Gerais a nossa visão da arte vinha dos antecedentes líricos de Guignard. Um pequeno grupo se reunia no ateliê de Marília Giannetti, projetado pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos. Marília Giannetti, Mário Silésio, Nelly Frade e eu formávamos o grupo de pintores que, na década de 50, encontrou o seu próprio caminho dentro da arte não figurativa. A mesma preocupação do simples estava em todos nós.

Revendo as obras do Museu de Arte Moderna do Rio cheguei à conclusão  que houve em todos nós um ponto de mutação comum: a necessidade de eliminar o supérfluo, reduzir o impulso emocional e buscar a essência na arte e na vida.
Naquela exposição foi-me possível constatar um fato: todos nós mudamos depois de algum tempo, alguns radicalmente, outros sem grandes saltos. O caminho da liberdade foi uma consequência do exercício da disciplina. Ali no Museu, frente a frente, estavam os opostos complementares de tudo que existe na natureza e na criação.

No momento em que a arte construtiva brasileira está sendo amplamente divulgada no exterior, convém lembrar também nossas origens indígenas.
“Eu nunca te encontraria se já não estiveste comigo”. Esta frase do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry nos revela a força da tradição indígena brasileira, que aflorou na década de 50, conduzindo artistas, pintores, desenhistas, escultores, designers, arquitetos e poetas, para a busca da ordem e do equilíbrio na arte. Essa ordem interna sempre foi buscada pelos índios em todas as suas manifestações culturais que se estendiam para a vida da comunidade.

O movimento construtivo, que se propagou pelo Brasil na década de 50, foi uma integração perfeita do movimento vindo da Europa e da América Latina, com oque já existia nas nossas raízes culturais.
Muito obrigada!”

*Fotos de Fernanda Granato

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