Quadros não são feitos para combinar com tapetes e
cortinas, nem para serem colocados como títulos na bolsa de valores do mercado
de arte. A preocupação comercial leva o artista a concessões imperdoáveis, que
fazem esquecer a razão de ser da arte como força vital de uma civilização, para
colocá-la no plano de especulação comercial. O valor de um trabalho artístico,
suas qualidades expressivas, não se limita a números e cifrões, mas alcança um
lugar que lhes assegura realmente a permanência no tempo e a sua equiparação com
as demais artes.
Assim como a música e a poesia, também o quadro que
vemos numa exposição contém toda uma vida de lutas e experiências. Não se pode
separar as inquietações da alma humana, seus momentos de sofrimento ou alegria,
de violência ou de paz, de revolta ou de submissão daquela forma que espontânea
e diretamente lhe sai das mãos.
A arte é a mais pura manifestação da liberdade, hoje
tão limitada na mecanicidade do mundo moderno. Toda e qualquer forma de
imposição, ao atingir o domínio da arte, impede-lhe o progresso e a conduz à mediocridade.
O sentido de liberdade é expresso com grande
veemência por meio da arte, porque ela se fundamenta e nasce num clima no qual
a opressão não tem lugar.
Pode-se proibir o homem de falar, mas nunca de
sentir. A arte é a expressão do sentimento humano, desse sentimento tantas
vezes bloqueado por slogans e rótulos, mas que desperta quando se
desenvolve a capacidade de inventar, de renovar, de contatar a essência do
próprio Ser. O verdadeiro humanismo brota das mãos dos artistas e da alma dos
poetas, dos cineastas, dos escritores, dos músicos, que proclamam
espontaneamente a compreensão entre os povos.
O humanismo autêntico tem suas raízes no sentimento,
e não na razão.
O sentimento religioso está expresso nos trabalhos
do escultor anônimo de Chartres, na serenidade dos budas, na música de Bach,
nas telas de El Greco e de Rembrant. Sentimentos de revolta levaram Goya a se
expressar de modo violento, rompendo o cerco da Inquisição. Sentimentos de
lirismo e poesia levaram Guignard a se expressar com a pureza das crianças, no encantamento mágico
de suas noites de São João. A arte é a expressão mais direta do sentimento
humano que não se fecha em si mesmo, mas se irradia e participa da realidade do
mundo. Esse sentimento só pode manifestar-se quando não existe imposição
externa, quando o passado estético é esquecido em benefício da vivência do
presente. A experiência do passado que gerou determinada ideia não pode ser
vivida repetidas vezes. O passado é memória, e a criatividade está sempre no
presente.
A preocupação do artista em repetir o êxito conduz à estagnação e à
ausência do sentimento em arte. Sentimentos não se repetem com facilidade.
Pertencem a um momento único, a um clima no qual se
unem fatores, objetivos e subjetivos, a um instante que pertence não somente ao
artista, mas ao momento histórico em que ele vive. Tal instante, vivido
espontaneamente, criará determinada forma, testemunha de um momento de vida. .
(Trecho do livro “Os Caminhos da Arte”, editora C/ARTE, 2015)
*Fotos da internet
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