Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
quinta-feira, 31 de março de 2016
EXPOSIÇÃO DE LÊDA GONTIJO NA GALERIA DO MINAS TÊNIS CLUBE
A exposição de Lêda Gontijo está aberta na Galeria
do Minas Tênis Clube.
Logo na entrada, chama a atenção o título da
exposição: “Força estranha”.
Fui visitá-la na tarde de quinta-feira; Lêda acabara
de dar um curso de cerâmica para iniciantes interessados. Estava eufórica,
sentada numa cadeira de rodas dirigida por ela mesma. Com aquela cadeira já
percorreu sozinha a orla da praia de Copacabana, sem ajuda de ninguém. Acredita
na vida e está sempre de bom humor diante dos outros. Já sofreu três quedas que
lhe valeram a condição de cadeirante, mas não conseguiram abatê-la. De cada
tombo saiu mais fortalecida.
Esta estranha força vem de acreditar com entusiasmo
na sua arte e na sua missão neste mundo como artista e como mãe de família. Em
Lagoa Santa, onde mora, Lêda já liderou movimentos sociais em defesa dos
hospitais da região.
Lembro-me de Lêda quando entrou na escola de Belas
Artes Guignard em 1944, tendo sido minha colega na primeira turma. Ali ficou
por algum tempo, mas logo se afastou da escola, para se dedicar de corpo e alma
à escultura, como autodidata, preferindo seguir o seu chamado interno.
Dali partiu para a cerâmica, a pedra sabão e mais
recentemente a madeira, como veículos para a realização de sua obra figurativa.
Esculpiu figuras e santos, com a mesma energia que conduziu as mãos dos antigos
artesãos de Minas Gerais.
Quando estava esculpindo um São Francisco de Assis,
dirigiu-se ao santo com a espontaneidade que lhe é peculiar: “Quando eu chegar
ao céu (é claro que vou para o céu...), vou encontrar com você que sempre
proclamou a pobreza. Perdoe-me São Francisco, se eu faturei às suas custas...”.
As esculturas de São Francisco fizeram sucesso, foram
todas vendidas...
Agora, aos 101 anos de idade, recebe os visitantes com
a alegria de uma adolescente. A exposição é um sucesso, mostrando a biografia
da artista desde o seu nascimento até os dias de hoje. Logo na entrada, uma
árvore genealógica mostra os antepassados e os descendentes desta artista
considerada um fenômeno de longevidade e energia.
A dedicação à arte e à família durante todo o seu
percurso de vida está ali, entregue aos visitantes. Lêda acredita no que faz.
Lembro-me de Lêda Selmi Dei de short branco
praticando tênis no Minas Tênis Clube. Eu acompanhava aquela campeã que era
também minha companheira na Escola Guignard. Duas campeãs do esporte
dedicavam-se também às artes. Ela no tênis e Célia Laborne na natação.
Hoje vejo cada vez mais a importância de se aliar o
esporte às artes.Segundo os ensinamentos de Sri Aurobindo na Índia, o corpo tem
de ser exercitado no esporte, na dança, no Yoga, afim de prepará-lo para o
despertar de energias superiores. Corpo e alma têm de estar afinados para o
despertar desta força estranha que conduz o ser humano a uma longevidade sadia
e produtiva.
Volto novamente ao passado para reencontrar Lêda,
como anfitriã de uma casa na Serra, em Belo Horizonte, recebendo a turma da
Escola Guignard. Revejo Guignard, trepado numa escada pintando o teto da casa.
Com a chegada de seus alunos, o vozerio, os palpites, Guignard parou o
trabalho, cruzou os pincéis, perdeu a inspiração. A obra ficou paralisada e só
muitos anos depois foi terminada.
Agora, em 2016, reencontro Lêda no Minas Tênis
Clube, sentada numa cadeira de rodas que ela mesma dirige. Seus 101 anos,
sempre ativos e produtivos, estão sendo comemorados pelos seus seguidores e
descendentes. Tiramos fotos juntas e fui ver sua árvore genealógica, onde minha
neta Alice está incluída, como esposa do Paulo, neto de Lêda...
Lêda é filha de uma artista plástica e suas irmãs
também se dedicaram às artes, inclusive Lizete, artista e diretora da Escola
Guignard.
Cercada de filhos, genros, noras, netos e bisnetos,
Lêda soube coordenar sua vida de artista, dona de casa, mãe de família,
professora e líder social.
*Fotos de Maria Helena Andrés e da internet
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”,
CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA
terça-feira, 29 de março de 2016
segunda-feira, 21 de março de 2016
ARTE E LIBERDADE
Quadros não são feitos para combinar com tapetes e
cortinas, nem para serem colocados como títulos na bolsa de valores do mercado
de arte. A preocupação comercial leva o artista a concessões imperdoáveis, que
fazem esquecer a razão de ser da arte como força vital de uma civilização, para
colocá-la no plano de especulação comercial. O valor de um trabalho artístico,
suas qualidades expressivas, não se limita a números e cifrões, mas alcança um
lugar que lhes assegura realmente a permanência no tempo e a sua equiparação com
as demais artes.
Assim como a música e a poesia, também o quadro que
vemos numa exposição contém toda uma vida de lutas e experiências. Não se pode
separar as inquietações da alma humana, seus momentos de sofrimento ou alegria,
de violência ou de paz, de revolta ou de submissão daquela forma que espontânea
e diretamente lhe sai das mãos.
A arte é a mais pura manifestação da liberdade, hoje
tão limitada na mecanicidade do mundo moderno. Toda e qualquer forma de
imposição, ao atingir o domínio da arte, impede-lhe o progresso e a conduz à mediocridade.
O sentido de liberdade é expresso com grande
veemência por meio da arte, porque ela se fundamenta e nasce num clima no qual
a opressão não tem lugar.
Pode-se proibir o homem de falar, mas nunca de
sentir. A arte é a expressão do sentimento humano, desse sentimento tantas
vezes bloqueado por slogans e rótulos, mas que desperta quando se
desenvolve a capacidade de inventar, de renovar, de contatar a essência do
próprio Ser. O verdadeiro humanismo brota das mãos dos artistas e da alma dos
poetas, dos cineastas, dos escritores, dos músicos, que proclamam
espontaneamente a compreensão entre os povos.
O humanismo autêntico tem suas raízes no sentimento,
e não na razão.
O sentimento religioso está expresso nos trabalhos
do escultor anônimo de Chartres, na serenidade dos budas, na música de Bach,
nas telas de El Greco e de Rembrant. Sentimentos de revolta levaram Goya a se
expressar de modo violento, rompendo o cerco da Inquisição. Sentimentos de
lirismo e poesia levaram Guignard a se expressar com a pureza das crianças, no encantamento mágico
de suas noites de São João. A arte é a expressão mais direta do sentimento
humano que não se fecha em si mesmo, mas se irradia e participa da realidade do
mundo. Esse sentimento só pode manifestar-se quando não existe imposição
externa, quando o passado estético é esquecido em benefício da vivência do
presente. A experiência do passado que gerou determinada ideia não pode ser
vivida repetidas vezes. O passado é memória, e a criatividade está sempre no
presente.
A preocupação do artista em repetir o êxito conduz à estagnação e à
ausência do sentimento em arte. Sentimentos não se repetem com facilidade.
Pertencem a um momento único, a um clima no qual se
unem fatores, objetivos e subjetivos, a um instante que pertence não somente ao
artista, mas ao momento histórico em que ele vive. Tal instante, vivido
espontaneamente, criará determinada forma, testemunha de um momento de vida. .
(Trecho do livro “Os Caminhos da Arte”, editora C/ARTE, 2015)
*Fotos da internet
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”,
CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA
terça-feira, 15 de março de 2016
A ARTE COMO UM CAMINHO IV
O século XX, com sua dinâmica de transformações,
levou artistas e críticos a protestar contra os erros e injustiças da sociedade
industrial, contra as guerras e o consumismo. As propostas de Marcel Duchamp no
princípio do século inspiraram os
happenings, as instalações, as performances e a Arte Conceitual. Andy
Warhol enfatizou os objetos do
cotidiano, dando origem a experiências que se repetiram nos anos 1990.
As artes, quebrando os limites da dualidade,
começaram a caminhar no sentido de maior integração. As artes plásticas
ligaram-se ao teatro, à dança e à música, aliaram-se à educação e à terapia,
libertaram a alegria de viver. Consciente ou inconscientemente, os artistas
quebraram condicionamentos, romperam estruturas arcaicas, procurando viver a
intensidade do momento presente e trazer à tona a beleza do dia a dia.
No final do milênio, a arte buscou a sua
desmaterialização. Artistas plásticos e fotógrafos, usando a tecnologia como
meio, ampliaram suas possibilidades criativas com o auxílio de computadores e
vídeos. A arte virtual foi também uma conquista do século.
No decorrer do século XX, a arte-educação e a
arte-terapia ampliaram seu campo de ação para as favelas, asilos, presídios e
empresas. A energia da criatividade passou a ser usada como meio de libertação
psicológica, como catarse e registro do inconsciente, despertando e realizando
sua missão de paz, num mundo conturbado por violência e guerras. Grupos
holísticos usaram o teatro, a dança, a música e as artes plásticas para quebrar a dualidade entre os seres humanos e
despertá-los para um novo comportamento, mais consciente e solidário.
A visão do mundo como um todo começou a se
manifestar por meio da criação artística. Artistas ocidentais resgataram
símbolos de antigas civilizações. A previsão de Jean Cassou, um grande crítico
de arte europeu, de que a arte seria, na segunda metade do século, qualquer
coisa inteiramente diferente do que pôde ser para o homem nas diversas etapas
da história está se concretizando. Estamos realmente assistindo a um grande
trabalho de recriação do ser humano por meio do seu potencial criador, a um
processo de transformação que engloba o mundo todo em seu contexto, como se o
Grande Artista modelasse novamente o novo Adão.
No século XXI, a arte, transcendendo o caos,
redescobrirá o caminho do cosmo.
(Trecho do livro “Os Caminhos da Arte”,
editora C/ARTE, 2015)
*Fotos de arquivo e da internet
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”,
CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.
segunda-feira, 7 de março de 2016
A ARTE COMO UM CAMINHO III
A revolta dos artistas modernos iniciada na França
em fins do século XIX foi a tomada de consciência da crise de autenticidade na
arte. A arte moderna, com todos os seus ismos e correntes estéticas, trouxe em
sua essência o não conformismo.
A história da arte moderna é a história da
libertação da criatividade, escondida e bloqueada pelas convenções.
De modo geral, podemos sentir, nas correntes
artísticas que se estenderam pelo mundo desde o século XIX, uma inquietação
constante, que trouxe em seu contexto a desmassificação e a abertura
espiritual. Se algumas correntes artísticas denunciaram a sociedade e a
violência, outras propuseram a busca interior, revolvendo as camadas do
inconsciente.
O Expressionismo, dando livre curso às emoções, desligou-se
completamente do sentido de beleza tradicional, para fazer pulsar de forma
direta o mundo subterrâneo de emoções e sentimentos. A pintura torturada de Van
Gogh, as deformações de Soutine e Kirchner dão ênfase ao sentimento do artista.
O Dadaísmo foi um movimento de contestação e quebra de condicionamentos, que
propunha uma atitude de questionamento da sociedade, das guerras, da razão e do
próprio conceito de arte. Enfatizou pela primeira vez a ideia de antiarte, isto
é, a negação da estética tradicional imposta por uma elite intelectual.
O
ready-made, criado por Marcel Duchamp, tornou-se o símbolo da antiarte.
Duchamp, ao explorar as contradições da arte tradicional, procurou dar um
sentido simbólico aos objetos do uso cotidiano, até então desprovidos de
qualquer conotação estética. O Surrealismo, influenciado pela psicanálise,
investigou os sonhos e procurou interpretar e explorar os símbolos do
inconsciente. Paul Klee, um dos pioneiros dessa corrente artística, inspirou-se
na arte das crianças e dos loucos. Seus quadros trazem à tona a realidade do
imaginário, do fantástico. O Abstracionismo intensificou o encontro do Oriente
com o Ocidente. Um encontro de inspiração e de atitude diante da vida.
Já em
1912, Wassili Kandinsky, nascido na Sibéria, criou o primeiro quadro abstrato, completamente
desligado da realidade visível. Em seu livro
De lo Espiritual en el Arte, Kandinsky propõe aos artistas ultrapassar
conceitos e fórmulas para alcançar, por meio da arte, a realidade espiritual do
homem. A pintura de Kandinsky desprendeu-se por completo da terra como ponto de
referência. Projetou-se no cosmo.
O Suprematismo depurou a forma, elevando-a a
um plano superior de contemplação estética. As esculturas de Brancusi e as
telas de Mondrian comovem pela simplicidade e espiritualidade. Por meio do
despojamento dos elementos perceptíveis,
os artistas não figurativos buscaram o significado do eterno. Malevitch tentou
atingir a Realidade Suprema, a essência da forma. Seu último quadro, Branco sobre Branco, é um despojamento
completo do supérfluo. . (Trecho do livro “Os Caminhos da Arte”, editora
C/ARTE, 2015)
*Fotos da internet
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”,
CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA
terça-feira, 1 de março de 2016
A ARTE COMO CAMINHO II
Acompanhando a evolução da arte ao longo da
história, podemos ver a importância da espiritualidade estimulando a criação
artística, desde as mais remotas civilizações.
A arte em sua origem foi magia, um auxílio mágico à
dominação de um mundo inexplorado. A religião, a ciência e a arte eram
combinadas, fundidas em uma forma primitiva de magia, na qual existiam em
estado latente, em germe. Esse papel mágico da arte foi progressivamente
cedendo lugar ao papel de clarificação das relações sociais, de iluminação dos
homens em sociedades que se tornavam opacas, ao papel de ajudar o homem a
reconhecer e transformar a realidade social.
A arte vem se
manifestando desde épocas primitivas como porta-voz da sociedade e linguagem
transformadora do meio ambiente. Por meio de símbolos os homens se comunicaram,
inventaram a escrita, transmitiram sentimentos. Testemunharam sua indagação
diante do universo. Criaram objetos de culto, edificaram templos, esculpiram
santos. Havia a necessidade de comunicar sentimentos de fé e de esperança num
mundo melhor. Modelando a argila ou esculpindo a pedra, escolhendo cores e
formas, o artista se enriquecia interiormente.
Procurando a ordem, o ritmo e a harmonia, ele se
harmonizava também consigo mesmo, com a natureza e a sociedade, integrando-se
ao seu meio.
Na antiga China, o artista só começava a pintar
depois que se espiritualizava através de longos anos de meditação. Somente
assim, poderia refletir em sua obra as realidades eternas. De acordo com a
sabedoria egípcia, os quatro ângulos da pirâmide de Quéops simbolizam as quatro
principais vias de aperfeiçoamento humano: arte, ciência, religião e filosofia.
A arte, portanto, nas antigas civilizações, era um caminho espiritual, uma via
de aperfeiçoamento.
Com o advento do Cristianismo no Ocidente, a arte
apareceu como companheira inseparável do espírito cristão, desde as primeiras
manifestações de arte pobre nas catacumbas até o apogeu da Idade Média e da
Renascença.
Associou-se ao espírito do Barroco, penetrou na arte
popular, enriquecendo e testemunhando o sentimento religioso de cada época.
Quando a arte se desligou dos valores espirituais
para ser considerada elemento decorativo, quando se tornou um objeto de consumo
da alta burguesia, houve uma quebra na unidade homem-artista. Já não havia a
totalidade do homem refletida em sua obra, motivada por um sentimento
espiritual. O artista, dissociando a ação do sentimento, conformava-se em
reproduzir fórmulas clássicas ou renascentistas, embora elas já não
representassem as aspirações de seu tempo. Criaram-se as academias de Belas
Artes.
Contra esse tipo de arte, cuja finalidade era
decorar salões, revoltaram-se os primeiros pintores modernos. Courbet, recusando
a Cruz da Legião de Honra que lhe fora conferida, declara guerra à arte oficial
acadêmica. Inspira-se, com vigoroso naturalismo, nos camponeses e
trabalhadores. Recusa-se a aceitar moldes impostos, temas repetidos. O exemplo
de Courbet motivou os impressionistas.
Estes queriam
trabalhar com autenticidade, protestando contra as imposições estéticas do
Academismo. Voltaram-se para a natureza, trabalhando em plena luz solar.
Buscavam captar o instantâneo. Não se preocupavam em criar quadros agradáveis à
vista, mas obras sinceras. Libertaram cor, forma, composição e espaço
tradicionais, procurando comunicar vivências momentâneas da realidade exterior.
(trecho do livro “Os Caminhos da Arte”, editora C/ARTE, 2015)
*Fotos da internet
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MEMÓRIAS E VIAGENS”,
CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.
Assinar:
Postagens (Atom)