sábado, 26 de junho de 2021

O POLÍMATA E O ARTISTA COMO POLÍMATA

 


Transcrevo abaixo o texto que recebi de Maria do Carmo de Freitas Veneroso, abordado em live do IMHA (DIÁLOGOS 2021).

 “Polímata (do grego πολυμαθήςtransl. polymaths) pode ser definido como uma  pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área. O historiador cultural Peter Burke, na conferência sobre o polímata, proferida em 21/11/2017 na série UFMG, 90: desafios contemporâneos, tece algumas observações sobre o papel do polímata atualmente: “Vivemos em uma época de grande especialização e o preço da especialização é a fragmentação dos saberes. Para remediar isso precisamos de um tipo de pessoa, o polímata ou generalista, que pode ver conexões entre vários campos, várias disciplinas”, alguém que se especializa em conectar vários campos, ao invés de apartá-los, contribuindo dessa forma para remediar o problema do excesso de fragmentação. Segundo Burke “o problema de hoje é que é cada vez mais difícil ter um nicho para esse tipo de polímata, seja na universidade ou em outros lugares, como a biblioteca”.

Na conferência Burke identifica três crises que mudaram a relação das pessoas com o conhecimento. A primeira, em meados do século XVII na Europa, foi provocada pelo surgimento dos livros impressos e a segunda, no século XIX, foi gerada pela proliferação de livros no ocidente. Ele aponta, ainda, uma terceira crise que ainda está acontecendo em escala global, provocada pela revolução digital, e pela internet, dizendo que ainda é muito cedo para prever as suas consequências de longo prazo. Durante essas crises Burke aponta uma ansiedade pela informação, pois as pessoas se tornaram conscientes e ansiosas, ao perceber que havia coisas demais para aprender (to much to know).

Segundo o autor, todas as três crises produziram “explosões” de conhecimento, tanto no sentido de uma rápida expansão quanto no sentido de uma rápida fragmentação do saber, dificultando a possibilidade de alguém se tornar um polímata, juntando os fragmentos, novamente, através da conexão entre campos distintos. A pergunta que Burke faz e que julgo instigante é se a era digital produzirá polímatas.

Também o cientista Joe Davis, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e de Harvard (Departamento de Genética) defende o retorno a uma visão unificada do conhecimento, vigente na Antiguidade e no Renascimento, propondo o fim da barreira entre arte e ciência, defendendo o conceito do artista híbrido, que une arte e ciência, como Leonardo da Vinci. 

Também Marcus Vitruvius Pollio (c. 80 a.C.-15 a.C.), que inspirou o famoso desenho do "Homem Vitruviano", de Leonardo da Vinci (1452-1519), é citado por Davis, como um polímata. Vitrúvio parece acreditar que a unidade do conhecimento é intrínseca: tudo já existe como uma espécie de todo sincronizado, e é apenas a maneira pela qual interligamos as coisas que as torna inovadoras[1].



Leonardo da Vinci. Homem Vitruviano, lápis e tinta s/ papel, 1490.

 A questão a ser colocada é: porque usar o termo polímata relacionado às artes? Como é o artista polímata? Joe Davis já deu algumas pistas e agora farei uma breve reflexão sobre a arte atual, buscando também o lugar do polímata.

 A arte contemporânea como uma mistura de materiais e de signos e o artista como polímata

 Pode-se considerar que a arte atual caracteriza-se por uma mistura de linguagens e técnicas, contra uma suposta “pureza” do modernismo. Assim, pode-se apontar a perda da especificidade como uma das marcas da arte atual, criando um terreno propício para o ressugimento do artista como polímata, que pode ser visto como aquele que explora relações intermidiáticas e algumas vezes transdisciplinares entre a arte e outras disciplinas e também como aquele que trabalha integrando as disciplinas, conectando vários campos.

         O Circuito Polímatas é um conjunto de mostras realizadas em vários locais do campus da UFMG, em parceria com o Departamento de Ação Cultural da UFMG, entre maio e setembro de 2019, integrando a programação do II Colóquio Internacional Escrita, Som, Imagem, organizado pelo Grupo Intermídia da Escola de Belas Artes, Faculdade de Letras, Escola  Música e Departamento de Comunicação da UFMG.

Idealizado e com a curadoria compartilhada entre Marília Andrés Ribeiro, Pedro Veneroso, Tânia Araújo e Maria do Carmo de Freitas Veneroso, o Circuito Polímatas reuniu quarenta e seis artistas que exibiram obras explorando os diálogos e cruzamentos entre diferentes mídias, linguagens e disciplinas, diluindo as fronteiras entre a arte, a ciência e a tecnologia e contribuindo para uma compreensão da arte a partir da sua interseção com diversas áreas do conhecimento e o artista como polímata.

Vários eixos temáticos ou possibilidades de leitura se cruzam no Circuito Polímatas, seja através do conceito, da técnica, das linguagens, ou da maneira como as obras abordam a intermidialidade, a transmidialidade e a transdisciplinaridade. As relações entre palavras e imagens estão presentes em muitos trabalhos, podendo ser vistas também como um eixo que perpassa vários outros.

No Circuito, entre outros eixos, alguns artistas abordaram as relações entre arte, ciência e tecnologia, abrangendo tecnologias atuais e obsoletas e a técnica como o tema ou como o meio para um fim e a História da Arte como uma história dos meios e das linguagens, seguindo o pensamento de Arthur Danto. Mostraremos a seguir algumas dessas obras expostas no Circuito Polímatas.” (Maria do Carmo Freitas Veneroso)


Eduardo Kac. Gênesis, instalação transgênica (bioarte), 1999, remontada em 2019, durante o Circuito Polímatas na Galeria da Escola de Belas Artes da UFMG.



Pierre Fonseca. “Máquinas de Conexão: dispositivo 1”, paisagem sonora orgânica da série Máquinas de conexão, 2019.

Henrique Roscoe, Joana Boechat. DUO LUMIA, piano e arte computacional generativa, 2019.

Fred Paulino. Grande Ficha, instalação (gambiologia), 2019.

Fred Paulino. Grande Ficha, instalação (gambiologia), 2019 (det.).



Pedro Moreira. Preces Pr’Um Conteúdo Temporário, três velas, QR codes, 32 sites acessados através desses códigos.


*Fotos de Sara Sem Nome

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