terça-feira, 24 de dezembro de 2019

CARTA À MINHA FILHA MARÍLIA


Hoje, abrindo as páginas do livro azul, onde tem uma síntese de meus trabalhos, deparei com aquela pintura Menina com papagaio que eu fiz quando você tinha dois anos. Todo um acervo de memórias me veio como um filme e este quadro marcou um grande salto na minha vida de artista.

Lembro-me perfeitamente. Nós morávamos na Rua Santa Rita Durão e eu, como aluna de Guignard, pintava flores, paisagens e quadros de crianças. Minha vida familiar começava com as crianças chegando e enfeitando a casa. Hoje, os bisnetos me dão muita alegria.

Mas, voltando ao quadro, lembro que ele me deu um prêmio muito importante e valioso. Anunciaram no jornal um grande prêmio para mineiros residentes em Minas. Pensei comigo: mineiros residentes e resistentes, porque pintar em Minas não possibilitava grandes premiações nacionais. Mas o prêmio era para artista mineiro residente. Por que não? Segurei minha filha Marília, em pé, na minha frente e disse: Vou pintar você. A menina estava de azul e segurava uma pipa colorida. Incentivada pelo objetivo do prêmio, realizei o quadro com muita energia e muito amor. E não é que ganhei o prêmio? Marília me deu sorte e me fez ganhar um prêmio muito importante.

Hoje, muitos anos se passaram. Marília está novamente em cena, carregando o troféu que me foi dado em São Paulo, já que eu não pude comparecer ao evento. Uma homenagem oferecida pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) pelo conjunto de minha obra.

Hoje, Marília é presidente do Instituto Maria Helena Andrés (IMHA), ela administra o Instituto, organiza exposições, escreve textos e faz curadorias. É professora de história da arte, pesquisadora, crítica e curadora de várias exposições dos artistas de Minas Gerais. Antigamente não havia curadores, hoje vejo que eles são muito importantes. Se desdobram estudando o trabalho dos artistas, selecionam as obras, escrevem textos curatoriais e organizam exposições.

Está aí uma pequena história da minha trajetória que eu mesma não tinha tido consciência: a sincronicidade de estar Marília carregando para mim duas premiações do mais alto nível. As coisas acontecem na vida, mas os fenômenos de sincronicidade nos passam desapercebidos. Eles são invisíveis, mas atuam no Eterno Agora, criando passado, presente e futuro num só movimento, que muitas vezes chamamos de coincidência. A menina de azul continua dentro do meu livro azul e o troféu está na minha sala, fazendo lembrar o prêmio de São Paulo, oferecido pela ABCA.

Agora, uma nova menção, desta vez vinda de Houston, onde participo com uma pintura da coleção de Adolpho Leirner. A mensagem, vinda dos EUA, foi enviada por Corina Rogge, pesquisadora do Museu de Houston e amiga de Marília: “A pintura Fantasia de Ritmos de sua mãe foi escolhida para ser estudada por muitos alunos da Universidade de Houston. Os estudantes escolheram esta obra como tema de seus trabalhos porque eles sentiram o lirismo da pintura. O trabalho de Maria Helena continua sendo um tesouro aqui em Houston”.

A menina de azul da época de Guignard e Fantasia de Ritmos do período construtivista se encontraram no tempo com um denominador comum: o lirismo.

*Fotos de arquivo

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