segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

PELAS VEREDAS DE SI III


Dando continuidade ao depoimento de Artur Andrés sobre os exercícios que Gurdjieff ensinava para seus seguidores, transcrevo o texto abaixo:

“Para acabar com essa preguiça existencial, uma das propostas de
Gurdjieff é colocar o corpo para se mexer, por meio da prática de uma
série de movimentos e danças sagradas desenvolvidas por ele.

Gurdjieff dava enorme importância à percepção do corpo, que ele
dizia ser uma porta de acesso a níveis impossíveis de ser atingidos só com a
mente. Por isso, criou os movimentos e danças sagradas. Assim como as
danças giratórias dos dervixes sufis, esses movimentos demandam tanta
atenção para serem executados que, com isso, a pessoa entra num estado de
consciência mais afinado. 

É similar ao que ocorre com diversas outras práticas corporais, como a yoga, o tai chi ou o kung fu, todas extremamente válidas. No caso das danças sagradas, elas ainda trabalham junto com amúsica, que ajuda ainda mais a estabelecer uma profunda conexão interior.

Na realidade, a música não tem outra função além desta, nos
despertar para níveis superiores de consciência. No caso das músicas
compostas por Gurdjieff, elas trabalham com base na lei de ressonância.
Por exemplo, quando se toca uma determinada nota num instrumento, se há
outro instrumento próximo, ele ressoa a mesma nota. E o mesmo acontece
conosco. Quando determinada melodia é tocada, nosso universo interior
também ressoa essa melodia, na mesma intensidade. Assim, a música não
só toca o nosso centro emocional, os nossos sentimentos, como os
transforma, nos colocando num estado mais harmonioso, em sintonia com
as vibrações superiores de nossa alma.

Gurdjieff também criou exercícios para se desenvolver o
autoconhecimento durante as tarefas do cotidiano.
Esses exercícios servem  para estimular o que chamamos de
lembrança de si. Um deles é simples: durante todo o dia, você vai carregar
algum objeto, um jornal, por exemplo, mas não vai ler. Você deve levá-lo
com você o tempo todo, numa reunião na empresa, no almoço, seja onde
for, você leva o jornal, mas não lê. A função desse jornal é apenas servir
como um “despertador”, para que, sempre que olhar para ele, você se
lembre de si mesmo, de qual é o seu propósito na vida. Ou você pode botar
um bago de feijão dentro do sapato; pode usar um modelo de tênis num pé,
e outro modelo no outro; pode usar meias de cores diferentes. Cada atitude
dessas é um despertador para ajudá-lo a acordar. Em geral, se usa cada
objeto durante uma semana. Depois disso, ele começa a perder o efeito, e a
pessoa deve achar outro despertador.

Um outro “despertador” que Gurgjieff recomendaria consiste numa situação interessante: sempre que passar debaixo de uma porta, você
deve procurar lembrar-se de si, de sentir a si mesmo passando sob aquela
porta. Parece simples, mas, na maioria das vezes, a pessoa só se lembra do
exercício, ou seja, só se lembra de si mesma após ter atravessado a porta.
Isso mostra o nosso nível de desatenção, de desconexão interior. Por isso,
na base de tudo, está o exercício da lembrança de si. E o que é essa
lembrança de si? É eu me dar conta de que, ao mesmo tempo em que estou
com a atenção voltada para fora, outra parte da atenção também é
direcionada para mim. Este é o ponto-chave: se você consegue lembrar-se
de si a cada instante da vida, está resolvido o problema.

Isso, claro, não quer dizer que seja uma lembrança só da cabeça. É
preciso incluir todo o organismo nesse processo. Saber relaxar o corpo
conscientemente, por exemplo, é muito importante, pois é através da
sensação corporal que vou entrar em meu edifício interior. A porta de
entrada é sempre o corpo. A sensação corporal deve estar sempre presente.
Com isso, uma simples conversa pode se transformar numa oportunidade
de trabalho interior. Consiste em  procurar estar presente a meu corpo, sentir alguma parte de mim mesmo, falando de um lugar central de meu ser, em vez de ficar tagarelando a partir da cabeça. .” (Trechos da entrevista de Artur Andrés com Lauro Henriques Jr, publicada no livro “Palavras de Poder”, vol 1, Editora Alaúde)

*  Artur Andrés Ribeiro é doutor em música pela UFMG, onde leciona. É um dos fundadores do grupo Uakti e já trabalhou com Milton Nascimento, Paul Simon e Philip Glass. É um dos coordenadores do Instituto Gurdjieff de Belo Horizonte.



*Fotos da internet

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