Continuação
da entrevista de Artur Andrés com Lauro Henriques Jr, publicada no livro “Palavras
de Poder”:
“No
livro Encontro com Homens Notáveis,
Gurdjieff fala sobre
como
seria o ser humano ideal: “Só merecerá o nome de homem e
poderá
contar com algo que foi preparado para ele, desde o Alto,
aquele
que tiver sabido adquirir os dados necessários para
conservar
ilesos tanto o lobo como o cordeiro que foram confiados
à sua
guarda”. Nesse
caso, a palavra lobo simboliza o aspecto mais básico do ser humano, o que
inclui os instintos, a parte motora, etc. Já o cordeiro
simboliza o conjunto dos
sentimentos. Ou seja, a questão não é matar o
lobo, como a idéia defendida na
cultura ocidental, de que se deve
extirpar tudo o que é mais
grosseiro, em nome de algo sublime, do alto.
O desafio é ver que, na
realidade, lobo e cordeiro são partes
fundamentais de nossa essência. E
cabe ao homem, por meio de sua
consciência, criar condições para
a coexistência dessas duas esferas de
si.
É como aquela história popular,
de um homem que tem um lobo,
uma cabra e uma couve, e precisa
transportar os três de uma margem
para outra do rio. Acontece que
ele só pode levar uma carga por vez no
barco, e, se ficar vigilante,
corre o risco de o lobo comer a cabra e de a
cabra comer a couve. A solução da
história não só exige que o
barqueiro use de toda sua
engenhosidade, mas também que ele não seja
preguiçoso, pois, para atingir
seu objetivo, terá de cruzar o rio várias
vezes. Ou seja, só merecerá o
nome de homem aquele que, com
consciência, zelar por todos os
aspectos de sua essência, todas as
formas de seu ser.
Agora,
no caminho até esse homem ideal, muitas vezes a maior
dificuldade
está justamente em dar o primeiro passo. Como o próprio
Gurdjieff
disse: “O trabalho sobre si mesmo não é tão difícil quanto
desejar
se trabalhar, e tomar essa decisão”.
Exatamente. Não há nada mais
difícil do que dar o primeiro passo,
sair da inércia. Essa tomada de
decisão é essencial. É como no caso de um
carro, que precisa do start do motor para entrar em
movimento. Depois que
começa a andar, tudo fica mais
fácil, ele se torna até um objeto mais leve.
Por exemplo, se você colocar o pé
debaixo do pneu de um carro parado, vai
sentir um peso enorme, de
centenas de quilos. Agora, se o carro passar a 60
km/h sobre seu pé, talvez você
nem sinta nada. Ou seja, a questão é dar
esse start, é sair desse estado de preguiça mental, física,
emocional, desse
embotamento em que muitas vezes
nos encontramos. E isso vale para
qualquer coisa na vida. Seja para
fazer um regime, praticar uma atividade
física, meditar, realizar um
trabalho de autoconhecimento. Não há passo
mais importante do que o primeiro
passo.
Mas
talvez o maior empecilho para dar esse primeiro passo seja a
nossa
mania de deixar tudo para amanhã. Como diz a frase que
Gurdjieff
escreveu no toldo de seu centro de estudos na França:
“Aquele que tiver se
libertado da ‘doença do amanhã’ terá uma chance
de
obter o que veio procurar aqui”.
Sem dúvida, essa “doença do
amanhã” é o que nos mantém passivos.
Passamos a vida adiando aquilo
que sabemos que deve ser feito, deixando
tudo para o outro dia. É uma
espécie de entendimento deturpado da teoria
das encarnações, achando que está
tudo bem se eu não fizer as coisas agora,
pois terei infinitas vidas para
resolver isso. Pura ilusão. Uma vida
é
perfeitamente suficiente para a
pessoa resolver todas as suas questões, mas,
para isso, tem que se trabalhar.
Não dá para deixar tudo para amanhã.
Afinal, ninguém sabe o que vai
acontecer daqui a um minuto, muito menos
daqui a 24 horas. Por exemplo,
será que vou estar vivo amanhã?
Este é um ponto essencial: nos
lembrarmos de que a morte pode
ocorrer a qualquer momento.
Gurdjieff criou até um exercício para isso:
várias vezes ao dia, a pessoa
deve parar, por 1 ou 2 minutos, e rever o que
fez na última hora que passou,
como se fosse sua última hora de vida. E,
daí, deve se perguntar: “Se eu
morresse agora, estaria feliz com o que fiz
nessa última hora? Será que, de
fato, fiz o meu melhor, fui mais aberto às
pessoas, mais compassivo, mais
atento a mim mesmo?”. Essa consciência
da morte muda nossa relação com a
própria vida. Em vez de ser algo que
nos dá pânico, a morte se torna
uma aliada, que nos mantém mais
conscientes do que devemos fazer.
Aí, então, já não existe mais essa
“doença do amanhã”, essa preguiça
existencial – a vida é hoje.” (Trechos da entrevista
de Artur Andrés com Lauro Henriques Jr, publicada no livro “Palavras de Poder”,
vol 1, Editora Alaúde)
* Artur Andrés Ribeiro é doutor em música pela
UFMG, onde leciona. É um dos fundadores do grupo Uakti e já trabalhou com Milton
Nascimento, Paul Simon e Philip Glass. É um dos coordenadores do Instituto
Gurdjieff de Belo Horizonte.
*Fotos da internet
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