segunda-feira, 24 de outubro de 2016

ECOLOGIZAR AS HUMANIDADES II

Dando prosseguimento ao tema ecológico, transcrevo a segunda parte da palestra ministrada por Maurício Andrés Ribeiro.

“As marcas materiais do antropoceno, que os futuros arqueólogos e geólogos identificarão inscritas na matéria do planeta são traços de radiação atômica, resíduos de plástico, de alumínio e de concreto, bem como ossos de galinha. Todos eles são resíduos produzidos pelo homo lixius, a única espécie viva que produz lixo. Mas nossa espécie autodenominada homo  sapiens é também designada por diversos outras características: o homo ludens, que brinca e joga; o homo bellicus, que guerreia; o homo corruptus, que corrompe e é corrompido; o homo economicus, que se move por interesses de ganhos e acumulação; o homo stressatus, que se apressa e se estressa; o homo ecologicus, que procura se relacionar de modo harmônico com o ambiente; o homo noologicus, que se guia por sua consciência intuitiva e racional, entre outras designações.
Ecologizar as humanidades, no contexto da ecologia integral, implica em fecundar as ciências humanas com os conhecimentos dos vários campos em que se desdobram as ciências ecológicas, não apenas aqueles derivados de suas origens na biologia – a relação dos ambientes, com os bichos e plantas – mas também na ecologia social e nos campos relacionados com a ecologia interior – a ecologia profunda a ecologia do ser, a ecologia pessoal e transpessoal etc.

A ecologia, que se originou nas ciências biológicas, se desdobra em inúmeros campos que crescentemente estudam a presença humana, tais como a ecologia humana, a ecologia cultural, a ecologia social, a ecologia urbana, a ecologia industrial, bem como outros campos que estudam a consciência e os aspectos subjetivos e psicológicos: a ecologia do ser, a ecologia pessoal, a ecologia mental entre outros. Uma agenda atualizada sobre as humanidades precisa se apoiar em concepções do que seja o ser humano, o objeto e o sujeito do que elas cobrem. Isso implica em se aprofundar no autoconhecimento e no conhecimento sobre o universo interior (as inscapes definidas por Pierre Dansereau) e sobre as questões subjetivas.

A ecologia integral, pioneiramente estudada por Pierre Dansereau e adotada em 2015 como conceito central pelo papa Francisco em sua Encíclica Laudato Si, integra aspectos biológicos, sociais e a ecologia interior. Tal movimento integrador não se limita às fronteiras das disciplinas e encontra pontes entre elas, numa visão holística e menos fragmentada.

A Conferência na UFMG deu destaque ao tema do território. Nesse contexto lembrei que o meio ambiente pode ser abordado em múltiplas escalas espaciais, desde o interior do organismo de um indivíduo, que é em si mesmo um ecossistema complexo habitado por milhões de seres microscópicos, até a escala do ambiente local, regional, global e cósmico. A mandala desenhada por Pierre Dansereau torna visível essas várias escalas do território.
Ecologizar as humanidades é oportuno porque a ecologia adquiriu centralidade nas últimas décadas e tornou-se um tema de interesse para questões estruturantes da vida e da sociedade, tais como a segurança e a economia. Exemplificando, as mudanças climáticas trazem cada vez mais eventos críticos, secas, enchentes, furacões, que provocam prejuízos às atividades econômicas e que trazem novos riscos à vida e à segurança humana. Fenômenos tais como os dos refugiados ambientais se multiplicam e criam novas dinâmicas e tensões entre sociedades, países e indivíduos.

Para se refundar as ciências humanas é relevante ecologizá-las, trazer para dentro delas a perspectiva das relações ecológicas e da consciência ecológica, para que elas se tornem sintonizadas com o espírito necessário neste século XXI.
Ecologizar as ciências humanas ajudará que elas tragam sua contribuição nessa nova etapa da evolução no planeta, caracterizada pelo predomínio da consciência e não mais apenas da matéria e da vida.”
(Maurício Andrés Ribeiro)

*Fotos de arquivo

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