segunda-feira, 3 de outubro de 2016

ABSTRACIONISMO E ESPIRITUALIDADE I


Dando sequência aos nossos estudos sobre a arte não figurativa, originária da Vanguarda Russa, retomo um texto do meu livro “Os Caminhos da Arte”:

“Jean Cassou, crítico europeu, viu a pintura abstrata como a manifestação espontânea do sentimento religioso e considerou importantíssimo o papel da arte na segunda metade do século XX. Com grande agudeza de percepção, abrangeu o panorama da arte abstrata e sua função de modificar por completo o caminho traçado pelas demais tendências figurativas. A arte não figurativa, afastando-se da realidade exterior, levou o artista a mover-se em direção à sua própria essência, na qual encontrou também a ciência, a física, a matemática e a filosofia.

Que a arte, hoje, satisfaça às aspirações religiosas quando tantas camadas sociais, por motivos de razão, lassitude, repugnância, indiferença ou respeito humano se afastam das religiões estabelecidas, não há que espantar-nos, antes ver aí uma dessas astúcias, dessas táticas e combinações por meio das quais o gênio todo poderoso das grandes transformações do mundo trata a natureza humana.

Se para Pevsner e Gabo o ideal era a formação de uma nova sociedade, para Malevitch a verdadeira realidade da vida e da arte encontrava-se nessa busca do Supremo por meio da ausência de cores, da pureza e da sobriedade de formas. Sua arte buscava o vazio e a não objetividade. Branco sobre Branco, seu último quadro, enfatizava a absorção da forma na totalidade do Ser, que é impessoal e sem forma. O caminho proposto por Malevitch mostra-nos o fim da manifestação fenomenal e a entrada em outro plano, onde qualquer manifestação exterior significa descer ao mundo da multiplicidade. O branco é a fusão de todas as cores, sem fragmentações. Em Malevitch, a espiritualidade da Arte Abstrata encontra seu ponto máximo. Formas e cores desaparecem para dar lugar à claridade e à pureza suprema que é o  Branco sobre Branco.

A busca espiritual desses pintores russos nos remete às fontes orientais da filosofia perene das  Upanishads.
O conceito fundamental do Hinduísmo é que, por detrás da multiplicidade de formas do mundo imanente, existe uma Causa Primeira, imutável, inimaginável, sem atributos. Esta é  Brahman  e Atman  (correspondendo respectivamente à abordagem objetiva e subjetiva).

O Ser impessoal ou o Supremo, ao qual Malevitch se refere, corresponde a  Brahman, o Criador do universo, aquele que está presente neste nosso mundo, com sua multiplicidade de formas, e ao mesmo tempo o transcende.

Atman, da mesma natureza de Brahman, é a sua abordagem subjetiva, ou a Centelha Divina inerente a cada um de nós.” (Caminhos da Arte, 3° Edição, Editora C/ARTE)

*Fotos da internet

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