terça-feira, 30 de agosto de 2016


EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA II

    
Se a visão de todo artista é irredutível à visão comum, se ele não pode fugir à sua época ou a seu tempo, tem no entanto a liberdade de escolha nos múltiplos caminhos a seguir.

         A influência tem de vir de dentro, tem de ser espontânea, nunca imposta por uma circunstância do momento. Se por uma questão de ordem prática, para alcançar maior sucesso, o artista se abstém de criar o que sente, deformando a expansão de sua personalidade, para copiar, friamente, a experiência de outro, sua obra será falsa, inautêntica. Razão pela qual Rilke convida o artista à solidão, desprezando o que vem de fora. Aconselha-o a sondar se os alicerces de sua arte se constituem, realmente, de uma necessidade.

         Escreve ele em Cartas a um Jovem Poeta: "Observe se esta necessidade tem raízes nas profundezas do seu coração. Confesse à sua alma: 'Morreria se não me fosse permitido escrever? Isto, principalmente. Na hora mais tranquila da noite, faça a si esta pergunta: 'Sou de fato obrigado a escrever?' "

         Devemos considerar esses conselhos de Rilke como uma eliminatória para o artista. É um ser ou não ser, onde mediocridade, amadorismo e passatempo não tem entrada. Muito menos o mito do sucesso, dos aplausos fáceis.

         Talvez o povo se engane quanto a essa exigência da alma do artista, essa sede de se expressar mesmo sabendo que será criticado depois, de criar sozinho, sem esperar compreensão e prêmios, apenas para satisfazer ao seu desejo de absoluto, de infinito.

         A arte é o transbordamento deste apelo interior e não, como pensam muitos, um passatempo que se pode abandonar por tarefas mais úteis. O mundo materializado e aprisionado à técnica não compreende senão o que tem recompensa imediata. Para ele, o artista é um extravagante, um louco. E é justamente realizando as coisas inúteis aos olhos do mundo que o homem se eleva e se aproxima de Deus, em toda a sua grandeza. As investigações filosóficas, a arte e a religião não tem sentido utilitarista. Procuram o engrandecimento do homem e a sua integração mais perfeita no universo a que pertence.  (Trecho do meu livro “Vivência e Arte”, Editora Agir, 1966, já esgotado)

*Fotos de Maurício Andrés e da internet

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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

segunda-feira, 22 de agosto de 2016


EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA I

Sobre a experiência artística, temos uma página admirável do grande poeta que foi Rainer Maria Rilke: "Versos não são, como tanta gente imagina, simplesmente sentimentos - são experiências: é preciso ver muitas cidades, homens e coisas, conhecer o voo dos pássaros e o gesto das flores, quando se abrem pela manhã; voltar em pensamento aos caminhos das regiões desconhecidas, aos encontros inesperados, às separações já de longe previstas, às doenças da infância carregadas de profundas e graves transformações, aos dias fechados ou de sol, às manhãs de vento ao mar, às noites de travessia e de fuga. E tudo isto não basta. É preciso, também, as memórias das vivências passadas e mesmo estas não bastam. Pois é preciso também saber esquecê-las, quando são muitas, e ter-se a imensa paciência de esperar que voltem novamente. E, quando então tudo tiver retornado dentro de nós, como o sangue, a brilhar e a gesticular sem se distinguir de nós mesmos, só então pode acontecer que, na hora rara, a primeira palavra de um poema se levante no meio daquelas experiências e delas prossiga." 

         A descrição do processo poético, de Rilke, pode aplicar-se a qualquer outra arte.
         Consideremos o artista plástico diante de sua tela ou da folha de papel em branco.
         Ao escolher uma cor ou preferir uma linha, o artista revela ao mundo parte de sua vida. Alguma coisa que lhe pertencia, exclusivamente, se faz partilhar naquela forma nova, criada por ele.

         São suas paixões, seus dramas. São suas primeiras impressões de infância, o despertar para o mundo, as inquietações da adolescência, os sonhos e arrebatamentos da mocidade, a plenitude da idade madura. É a alegria do primeiro filho que nasce, as noites de vigília à beira do berço, a capacidade humana e natural de poder dar-se a alguém.

         A arte não é incompatível com as coisas simples da vida. E, para ser artista, não é preciso viver de um modo extravagante e original. Não é preciso vestir-se excentricamente e andar pelas ruas de madrugada em rodas boêmias, embora a arte não exclua qualquer experiência.

         A vivência artística é a realidade de uma vida interior intensamente vivida, onde os acontecimentos grandes e pequenos, originais ou rotineiros, tem um valor eterno.
         É indispensável que este mundo interior exista, para que haja criação autêntica. É indispensável que exista esta integração perfeita das experiências com a vida do artista. Que elas façam parte do seu sangue, como diz Rilke, para que mais tarde frutifiquem como obra de arte. A mão que traça uma linha e mistura uma cor não estará praticando um gesto vazio de sentido, mas realizando o que sua experiência exigiu de um modo particular e sincero.

         A escolha das cores e formas é espontânea e identifica cada artista, traduzindo sua personalidade.

         É inútil tentar forçar determinado artista a abandonar os seus meios honestos, sinceros, de expressão, por outros mais avançados, mas não correspondentes, exatamente, ao seu temperamento e às suas exigências. Uma forma nasce da contemplação de outra forma, da identificação de sensibilidades e esta identificação tanto pode ter raízes populares quanto intelectuais. (Trecho do meu livro “Vivência e Arte”, Editora Agir, 1966, já esgotado)

*Fotos da internet


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terça-feira, 9 de agosto de 2016


SURPRESAS DE UM ANIVERSÁRIO

Um encontro do Oriente – Ocidente, através da arte, aconteceu em minha casa no Retiro das Pedras na manhã de 31 de julho.

Organizado por Luciano Luppi e Ivana Andrés, a programação teve início com uma homenagem ao poeta indiano Paranjape Makarand que,em Brasília, lançou um livro com poemas sobre o Brasil, com ilustrações de minha autoria na capa e contracapa. Ivana leu um trecho do livro, que faz referência à artista Maria Helena Andrés num encontro com o poeta há alguns anos atrás. Em seguida, Henrique Luppi interpretou outro poema, dessa vez com impressões gerais do poeta sobre o Brasil. Para ele, o Brasil pode ser considerado o coração do planeta, a Índia o espírito, e a Europa e  os EUA a razão. Luciano Luppi interpretou outro poema de Makarand, “Porque somos um Rizoma”, além de um poema de Tagore.

 Em seguida Alexandre Andrés cantou “A voz de todos nós”, em minha homenagem, um grande presente para o meu aniversário.

Finalmente aconteceu um recital de música indiana, realizado por Helder Araujo.Helder estudou na Índia com mestres da música na cidade de Benares, a cidade mais antiga da Índia, à beira do Ganges.Trouxe para nós uma apresentação devocional, tocando a cítara, instrumento tradicional da Índia.

Escutávamos em silêncio os acordes daquela música e me foi possível relembrar a Índia e seus músicos sentados no chão em tapetes.

Estava absorta nas minhas lembranças, trazendo a música da Índia para o Brasil, escutava a música da Índia em solo brasileiro, quando espontaneamente, sem nenhum ensaio preliminar, o som de uma flauta começou a fazer duo com a cítara do Helder.  Artur Andrés nos proporcionou uma grande surpresa. Foi grande a emoção que sentimos naquela apresentação, a fusão de duas culturas, de terras irmãs separadas por muitos mares.

A música é de todas as artes a que mais emociona e o encontro Oriente – Ocidente feito espontaneamente numa festa de celebração dos meus 94 anos foi realmente um presente vindo do alto.

Ali se encontraram a poesia, a literatura e a música indicando novos caminhos no processo de integração planetária.

Naquele ambiente impregnado de muitas lembranças, onde e, por muitos anos criei meus quadros, estavamacontecendo naquele momento novas versões da arte que aproximavam o mundo ocidental do mundo oriental.

À tarde, no meu atelier situado no andar superior da casa, um grupo de crianças promoveu espontaneamente uma escolinha de arte. Meus bisnetos também participaram da festa e me deixaram um registro maravilhoso de desenhos infantis.

*Fotos de Maurício Andrés

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segunda-feira, 1 de agosto de 2016


ARTE NAS RUAS II


“Paralelamente aos happenings e à arte de denúncia, começaram a surgir  manifestações coletivas abertas à participação do público.
Iniciativas como Arte na Rua, proposta por Hélio Oiticica, e Arte Pública no Aterro, organizada por Frederico Morais e Oiticica, abriram espaço para qualquer pessoa se expressar criativamente. No Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, manifestações de arte coletiva emergiam incentivadas pela mídia.

Os Domingos de Criação eram uma festa de arte, onde todos podiam colaborar.
Um novo sentimento poético emergia do povo, as manifestações coletivas levavam à  descoberta de novos valores. A denúncia cedeu lugar ao prazer de criar e compartilhar. Havia a necessidade de usar a criatividade para buscar a paz, numa sociedade conturbada pela violência.

A partir da década de 1990 a arte se dirigiu para uma comunicação mais alegre com o povo. Espetáculos circenses foram realizados nas ruas, com a participação do espectador. Grupos também se reuniram nas praças, celebrando as danças circulares pela paz universal.

Essas manifestações coletivas buscavam, antes de tudo, unir as pessoas dentro de um clima de solidariedade e confraternização. A arte nas ruas veio trazer o lúdico ao transeunte apressado das grandes cidades, em momentos de descontração oferecidos gratuitamente.” (trecho do meu livro “Os Caminhos da Arte”)

No século XXI surgiram os eventos denominados “flash mobs”. São ações inusitadas que congregam toda a população presente e que acontecem em geral em terminais rodoviários e estações centrais de cidades em vários países ao redor do mundo.
O flash mob durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio, realizado na praia de Copacabana foi considerado um dos maiores do mundo.

Em 2014, em Bangladesh, grupos de dança se apresentaram nas ruas, formando rodas, sob aplausos da população.

Em 2009, na Union Square, Nova York, os Elfos Doidos se apresentaram em público durante o Natal, uniformizados.

A dança continua a unir as pessoas e a fazê-las participar de eventos criativos.
O flash mob na Estação Central em Estocolmo foi um tributo a Michael Jackson, pouco depois de sua morte.

Por ocasião da inauguração do Circuito Cultural da Praça da Liberdade em Belo Horizonte, um flash mob levou dançarinos e público a cantarem juntos a música “O que é, o que é” de Gonzaguinha.

Essas danças de rua, que acontecem simultaneamente em várias partes do mundo, com a participação da comunidade, são criadas por grupos de jovens dançarinos e movimentam toda uma população em torno da arte.

Podem ser consideradas como arte política, cuja finalidade é romper os condicionamentos e despertar o lúdico, mudando os valores de uma sociedade massificada e repetitiva.

*Fotos da internet


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