Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 23 de março de 2020
A ÁGUA FALA
Estava, naquele momento, recebendo o texto base de um livro denominado
“A água fala”, hoje já reescrito em forma poética por Aparecida Andrés e
ilustrado por mim.
Naquela oportunidade, os meus desenhos mergulharam nas águas da
imaginação e de lá trouxeram pequenos croquis que diziam de forma colorida e
transparente oque as palavras me traziam.
Confesso que me encantei com o projeto e me coloquei na condição dos
meus bisnetos lendo o livro.
Mauricio, em seu livro “A água fala” penetra com leveza neste universo
do qual ele é muito informado e vai contando para os seus netos a riqueza que o
planeta possui, talvez a maior riqueza do futuro próximo.
“A água fala” nos traz informações preciosas e caminhamos juntos com as
crianças navegando em rios, mares, cachoeiras, chuvas, gelos, enxurradas,
nuvens, brumas, trovoadas. Percorremos o caminho precioso de um elemento da
matéria, imprescindível para a humanidade. O caminho que a água percorre
neste planeta azul é muitas vezes pouco conscientizado, mas Maurício, em
seu livro, nos toca a consciência de forma luminosa. Percorre conosco um
passado remoto, vai mostrando para as crianças o grande universo da água que
está presente no nosso cotidiano e estará presente em nossos descendentes. “Água
é vida”, sem ela não estaremos mais aqui.
Assim falaria a água
se a água pudesse
falar.
Agora a água está falando,
ela fala para as crianças,
de sua vida sobre a terra,
desde os tempos mais remotos
até os dias de hoje.
Deixa a água falar
Porque suas histórias
são verdadeiras
e muito sinceras.
Este livro virtual está sendo lançado pela Amazon e estará à disposição
de qualquer pessoa interessada.
*Fotos de Luciano Luppi, Ivana Andrés e ilustração da capa de Maria
Helena Andrés (Capa de João Diniz)
quinta-feira, 19 de março de 2020
LIVRO SOBRE A ÁGUA X
Dando
continuidade ao Livro sobre a Água, de autoria de Maurício e Aparecida Andrés,
transcrevo o trecho abaixo:
Fazer água ou ir por água abaixo
é afundar, fracassar.
Chover canivetes ou cântaros
é chover muito, muito mesmo.
Chover no molhado é repetir-se,
insistir no mesmo tema.
E quem está na chuva
é porque quer se molhar!
Ao evitar decidir-se,
Pilatos lavou as mãos,
deixou que
outros resolvessem
o que fazer com Jesus.
Tempestade em copo d’água
é reação exagerada.
E todos perguntam com indignação:
- Por que cargas d’água isso ocorreu?
Colocar as barbas de molho
é preparar-se para o pior.
Querer sombra e água fresca
é sonhar ter sossego e descanso.
A vaca foi pro brejo
quando algo se tornou difícil
e a situação não tem mais jeito.
Enxugar gelo?
É trabalhar sem resultados.
Dar nó em pingo d’água
é fazer o impossível.
Diz-se que algo é transparente
quando é claro como água.
Ser bom até debaixo d’água
é ser muito, muito bom.
Dar água na boca
é despertar o apetite;
quando algo muda muito,
é como mudar
da água para o vinho.
Cachaça, diz o povão,
é água-que-passarinho-não-bebe.
E alguém que muito bebeu?
Está na maior água
ou terá ficado de fogo
por ter bebido aguardente?
A música faz
um alerta
pra ninguém se confundir:
“Você pensa
que cachaça é água?
Cachaça não é
água, não.
Cachaça vem do alambique,
e água vem do ribeirão...”
E outra canção diz assim:
“as águas vão rolar,
garrafa cheia eu não quero ver sobrar...”.
E há também aqueles versos
que consolam o preocupado:
“a água lava,
lava, lava tudo,
a água só não lava
a língua dessa gente!”
O Carnaval me evoca
nas marchinhas
da vovó:
“Allah, meu bom Allah!
Mande água pra Ioiô
Mande água pra Iaiá
Allah, meu bom Allah!
Allah – la - la – ô, mas que calor!”
E o músico Luiz Gonzaga
lembra o drama nordestino
em sua bela
‘Asa Branca’:
“Que
braseiro! Que fornalha!
nem um pé de plantação!
Por falta d’água, perdi meu gado
morreu de sede meu alazão!”
Nas cantorias
de cordel
lá estou mais
uma vez:
“ o sertão vai virar mar
e o mar vai virar sertão”...
Gilberto Gil nos
ensina:
“Dá-me um copo d’água,
eu tenho
sede,
e essa sede pode me matar...”.
E mesmo a falta o inspira:
“É sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar...”
Noel Rosa cantou que
“o orvalho vem caindo,
vai molhar o meu chapéu...”
Nosso Hino Nacional
lembra as margens plácidas
de um rio de águas vermelhas
que os índios chamavam de Ipiranga.
E na Aquarela do
Brasil,
Ary Barroso exaltou
“estas fontes murmurantes,
onde eu mato a minha sede,
e onde a lua vem brincar.”
O Presidente
JK
gostava muito de cantar:
- Como pode um peixe vivo
viver fora da água fria?
E as crianças cantarolam
logo que aprendem a falar:
“...fui na
fonte do Itororó
beber água e não achei...”
O maestro Tom Jobim
cantou as Águas de março.
“Lata d’água na cabeça, lá vai Maria”
nos lembra do papel da mulher,
lutando na lida da casa.
E você que aí está,
se lembra de outras canções?
Me encontro também nas poesias,
como a de Manuel Bandeira:
«E quando estiver cansado
Deito na
beira do rio
Mando chamar
mãe-d’água
Pra me contar
as histórias
Que no tempo
de eu menino
Rosa vinha me
contar.
Vou-me embora
pra Pasárgada.”
*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS
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domingo, 8 de março de 2020
LIVRO SOBRE A ÁGUA IX
Dando
continuidade ao Livro sobre a Água, de autoria de Maurício e Aparecida Andrés,
transcrevo o trecho abaixo:
Ao longo de
toda a História,
e em todos os cantos da terra,
foram criadas palavras
pelas quais sou conhecida.
Os povos esquimós
das terras
geladas do ártico,
usam termos diferentes
para os matizes do branco
dos vários tipos de gelo.
Os povos
indígenas,
na exuberância tropical,
ficam dançando e cantando,
para que as chuvas aconteçam.
E inventam outras palavras
para falarem de mim.
Itororó é bica d’água;
Pitangui, rio das crianças;
Itamaraty, água entre pedras soltas.
Igarapé é caminho das canoas
Igapó é a floresta inundada nas cheias,
Uberaba, água que brilha.
Os índios acham que a vida
é uma teia muito vasta
da qual tudo faz parte:
junto com eles
estão as águas,
as plantas e os animais,
compondo o meio ambiente.
Há quem pense
que eu dou vida
a seres
sobrenaturais,
como o caboclo d’água,
o boto tucuxi e as sereias,
a iara
ou mãe d’água,
que recebe oferendas
e em troca dá pesca abundante.
Na tradição chinesa,
Represento a suprema virtude,
sou símbolo da sabedoria.
Não há o que me detenha.
Sou yin, princípio feminino
oposto a yang, que é fogo.
Eu ajudo a
apagar
os incêndios e queimadas.
Encharco a terra,
umedeço o ar,
purifico os corpos
e também as almas.
Entre os signos do horóscopo,
sou o elemento de Peixes,
de Câncer
e de Escorpião.
Estou presente nas idéias,
nas línguas
e na comunicação,
na cultura e nas artes,
nos sentimentos e ações.
Batizo muitos lugares
com os nomes água
e olho
d’água,
rio, riacho, ribeirão,
igarapé ou arroio,
foz, barra, brejo, lagoa,
vargem e várzea,
mangue e praia,
cachoeira, salto ou queda,
cacimba, poço e ilha.
Existe o Arroio dos Patos,
Barra do Piraí,
Entre Rios de Minas,
Lagoa Dourada,
Brejo da Madre de Deus,
Foz do Iguaçu, Praia Grande,
São Gabriel da Cachoeira,
Belágua, Hidrolândia.
Pingo D’Água, Sem-Peixe,
Ilha Grande, Riversul,
Rio de Janeiro...
Nos dicionários de todas as línguas,
no cotidiano de todos os povos,
muitas palavras e expressões
tentam me definir, decifrar.
Acalmar é pôr água na fervura;
desanimar é receber
uma ducha de água fria.
Se gato
escaldado tem medo de água fria,
ser um peixe fora d’água
é estar fora
de seu ambiente.
Urinar é tirar a água do joelho.
E quando falta muito
para uma situação se resolver,
diz-se que muita água
ainda vai passar
debaixo da ponte.
*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS
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segunda-feira, 2 de março de 2020
ESCOLA GUIGNARD, UM PONTO DE MUTAÇÃO
Provisoriamente estamos interrompendo as postagens do "Livro sobre a água", de autoria de Maurício e Aparecida Andrés. Retomaremos na próxima semana.
Recebi um convite da Escola Guignard para participar
de uma homenagem que os alunos queriam prestar aos seus professores, nesta data
em que se comemora o aniversário da fundação da escola.
Chovia fino quando desci da minha casa no Condomínio
Retiro das Pedras, para participar da homenagem. O encontro seria no Teatro
Francisco Nunes em Belo Horizonte. Quando cheguei todos estavam reunidos para
dar início à homenagem. Muita gente, professores e alunos, muita descontração e
alegria.
Pensei comigo mesma: “o importante é estar presente,
interagir com os jovens.”
Chamaram-me para gravar um vídeo. Olhei em frente,
para a paisagem exuberante do Parque Municipal de Belo Horizonte, lugar
escolhido por Guignard para administrar o seu curso de arte.
Não preparei o que teria a dizer, mas uma árvore
frondosa, exuberante, me chamou a atenção. Lembrei também do quadro de
Guignard, mostrando um caminho no Parque, que ganhei por ocasião do meu
casamento e que sempre me fez lembrar da arte como um caminho.
“Toda árvore boa dá bons frutos”, foi a mensagem
inicial da minha entrevista. “A Escola Guignard é como esta árvore frondosa, a
semente aqui foi plantada há mais de 70 anos atrás, semente que cresceu,
amadureceu e que sempre deu frutos. Somos todos parte desta árvore da arte.
Hoje aqui estamos, devido à dedicação de um mestre qualificado, talentoso, um
mestre que iluminou o caminho de seus alunos, partindo da própria luz de cada
um.”
Guignard percebia a individualidade do aluno e
respeitava sua tendência natural. Não impunha regras e conceitos
pré-estabelecidos.
Foi debaixo destas árvores, caminhando por estes
caminhos que aprendemos a desenhar e a pintar, trazendo à tona aquilo que já
existia dentro de nós. Lembro-me bem da alegria do mestre quando ele descobria
no aluno alguma possibilidade nova.
“Coisa nova!”, dizia ele entusiasmado. “Siga esta
direção...”
Ele nos estimulava a imaginação e despertava a nossa
criatividade dizendo:
“Olhem as nuvens no céu, as manchas nos muros
velhos, os círculos que se formam na água quando ali jogamos uma pedra.”
Linguagem direta, sem fórmulas vindas de fora.
Depois da partida de Guignard, ficamos no Parque
Municipal por alguns anos, na maior pobreza, mas sendo conduzidos por uma
energia que não se abatia diante das dificuldades.
O Parque Municipal de Belo Horizonte foi testemunho
da nossa batalha para sobreviver.
Esta é a mensagem que posso passar para vocês, dos
primeiros anos de nossa escola.
Que os ensinamentos de Guignard se prolonguem no
tempo como a grande bandeira do entusiasmo e da liberdade de expressão, é o que
desejamos a todos.
Ele continuará sempre sendo um ponto de mutação para
aqueles que desejarem se desenvolver na arte e na vida.
*Fotos de Marília Andrés e da internet
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