Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
MINHA PARTICIPAÇÃO NO CONSTRUTIVISMO BRASILEIRO
Pediram-me para fazer uma palestra no CCBB de Belo
Horizonte sobre a minha participação no movimento construtivista brasileiro,
como representante de Minas Gerais. O texto abaixo é uma síntese de todos os meus
artigos já publicados sobre o assunto.
“A
exposição Construções sensíveis: A
experiência geométrica Latino-Americana na coleção ELLA FONTANAIS-CISNEROS, traz
ao Brasil um recorte da abstração em nosso continente. Junto ao importante
legado do concretismo e neoconcretismo brasileiros, são apresentadas as
poéticas abstratas que prosperaram em outros países a partir dos anos
1930.”(Extraído do catálogo da exposição Construções
Sensíveis, no CCBB de Belo Horizonte)
Percorro uma exposição que nos remete ao passado, ao
Construtivismo que percorreu o mundo e
veio nos mostrar o quanto somos irmãos. Realmente, somos parecidos, mesmo que
não tenhamos tido a oportunidade de um encontro pessoal. Existe o encontro
espiritual, encontro de sensibilidades semelhantes. O construtivismo vai nos
mostrando a identidade dos artistas. Ele
veio da Europa e encontrou na América Latina seus irmãos espirituais.
Os construtivistas europeus vieram da Rússia,
desceram até a Alemanha e a França, e, por motivo de guerra, chegaram às
Américas.
Os Estados Unidos acolheu os imigrantes artistas, tais como
Mondrian. Ali ele se redescobriu, ficou
famoso.
A Argentina e o Uruguai receberam a mensagem
construtiva, através da arte e do pensamento de Torres Garcia e Maldonado. Torres
Garcia buscava o espiritual na arte e a
redescoberta dos povos primitivos das Américas.
O Brasil tornou-se o grande difusor das ideias
construtivas. No nosso solo floresceram artistas plásticos, poetas, críticos,
tendo a Bienal de São Paulo como a grande difusora.
O construtivismo chegou até as montanhas de Minas e
ali encontrou jovens artistas que aderiram ao movimento.
Fiz parte deste movimento.
O Construtivismo
na década de 50, nos propunha disciplina, concentração, limpeza de cores, uma
arte mental, intimista, sem impulsos emocionais. Cultivava-se a virtude da
paciência. Os quadros levavam meses para serem feitos e o instrumento usado na
época para se conseguir uma linha perfeita era uma espécie de caneta ou
bisturi, chamado tira-linhas, instrumento gráfico em desuso hoje em dia, na era
do computador. Com as linhas paralelas eu fazia postes de luz e partituras
musicais. Gostava de ficar horas pintando, porque me fazia bem à alma.
Passar pelo
construtivismo foi para mim uma lição de vida. O fazer artístico significava
crescimento. A integração de varias áreas das artes, necessária a uma revisão
de valores, era um dos pontos mais importantes do movimento construtivista que
surgiu a partir da primeira Bienal de São Paulo. Poetas, músicos e pintores se
uniam dentro do mesmo ideal estético dando prioridade à pureza da forma. O
grande incentivador do construtivismo foi o crítico de arte Mário Pedrosa, que
visitava os artistas em seus ateliês e muitas vezes chegava até Minas Gerais
para acompanhar o trabalho dos artistas mineiros que buscavam uma arte pura,
desligada dos padrões figurativos. Os júris de seleção das primeiras Bienais,
que às vezes eliminavam 90% dos trabalhos apresentados, eram o grande teste a
ser enfrentado. Naquele tempo não existiam curadores de arte e os artistas se
dispunham a passar por essa experiência.
A aprovação na Bienal era a minha chance de
descer das montanhas e viajar para São Paulo, encontrar os amigos companheiros
de jornada, participar dos eventos internacionais e estudar o pensamento dos
grandes artistas abstratos europeus. Trocava ideias com os paulistas Maria
Leontina, Milton Dacosta, Arcângelo Ianelli e Volpi. Todos tínhamos vindo de
antecedentes figurativos e isto transparecia em nossos trabalhos. Não havia a
preocupação matemática dos concretistas suíços, seguíamos o comando da
sensibilidade e da intuição. Naquela ocasião as ideias espiritualistas de
Kandinsky começaram a me acenar como uma estrela luminosa. Os grandes pintores
abstratos europeus, principalmente os da vanguarda russa, não se limitavam aos
aspectos formais; tinham uma busca interior, um contato direto com níveis mais
profundos de consciência.
O rompimento com a figura e o tema indicaram
também direções novas para a escultura brasileira. A exposição do artista suíço
Max Bill no Museu de Arte de São Paulo em 1950, impulsionou a nova geração de
escultores ao questionamento dos moldes tradicionais da escultura figurativa,
para abraçar a forma tridimensional pura. Do grupo de Minas, três artistas
escultores aderiram ao movimento: Amílcar de Castro, Franz Weissmann e Mary
Vieira. Mais tarde, Mary deixou o Brasil para se radicar na Suíça, onde se
tornou uma aluna e seguidora de Max Bill vindo a ser uma artista de renome
internacional.
Repensar
o construtivismo é também repensar os
caminhos por onde passamos. Aqui em Minas Gerais a nossa visão da arte vinha
dos antecedentes líricos de Guignard. Um pequeno grupo se reunia no ateliê de
Marília Gianetti, projetado pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos. Marília
Gianetti, Mário Silésio, Nely Frade e eu formávamos o grupo de pintores que na
década de 50 encontraram o seu próprio caminho dentro da arte não figurativa.
No
Museu do Índio, no Rio de Janeiro, procurei observar com atenção os caracteres
geometrizados em todo artesanato indígena, nas cestarias, cerâmicas e até na
pintura corpórea. Muito antes da chegada dos europeus, mergulhados nas
florestas, seguindo o ritmo natural da vida, os índios buscavam o equilíbrio
também em suas manifestações artísticas.
Observavam a pele dos
animais, onças, lagartas e dali partiam para a busca da ordem e da simetria em
seus padrões geométricos.
Nossos antepassados se
manifestavam de forma construtiva, um construtivismo orgânico e espontâneo.
O construtivismo brasileiro também buscou
alcançar este equilíbrio e ordem. O movimento construtivista que se propagou
pelo Brasil na década de 50 foi uma
integração perfeita do que veio da
Europa com o que já existia dentro de nós.
O construtivismo sensível não acaba nunca, porque
ele é o mensageiro de uma paz que existe dentro de todos nós.
Esta paz, os artistas buscaram por meio de obras de
grande beleza e serenidade.
O desejo de paz veio à tona numa época de grandes
guerras.
Duas grandes guerras na Europa, várias ditaduras
pelo mundo.
Todos passaram para a história, os artistas
morreram, mas sua arte continua viva, trazendo até nós o desejo da paz que os
inspirou.
O construtivismo é uma meditação.
Mergulhados no silêncio de sua própria interioridade
os artistas transcenderam a violência e a opressão.
Percorrendo as salas desta exposição vou sentindo
cada vez mais o poder da arte de transmutar energias. Revejo os Bichos
de Lygia Clark, os Metaesquemas de
Hélio Oiticica, as telas construtivas de Volpi e Ivan Serpa, os objetos de Ana
Maria Maiolino e Mira Schendel.
Caminhar pela exposição é encontrar as origens, a
expansão e o sentido deste movimento que percorreu o Brasil na década de 1950.
No momento, todo o meu trabalho está inspirado no
que eu fiz nos anos 50. Os meus desenhos construtivistas da década de 50 foram
tridimensionados com a ajuda de minha neta Elena Andrés Valle, transformando-se
em esculturas de aço. Recentemente, retomei o construtivismo de uma forma mais
espontânea, através de uma série de colagens.
*Fotos de arquivo
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segunda-feira, 19 de novembro de 2018
CELSO RENATO, 100 ANOS
A série de pinturas construtivas de Celso Renato, no
momento em exposição na Grande Galeria do Palácio das Artes marcou a sua
presença definitiva no cenário das artes plásticas de Minas e do Brasil.
Percorrendo a mostra, reproduzo aqui trechos dos depoimentos de Claudia
Renault, Marcio Sampaio e Amílcar de Castro, amigos do artista e admiradores de
sua obra.
“Celso
aparece nos anos 60, no cenário das artes de Belo Horizonte, já como um homem
maduro, com uma pintura expressionista, com traços fortes e largos. A ideia é
de um sujeito à procura de si, da sua alma, na maneira mais íntima de se
expressar.
É nesse momento que as coisas do mundo começam a
conversar com ele. Celso parece escutar o silêncio e outros materiais que não a
tela. Nessa hora ele revela a sacralidade das coisas mais rudes. É com um gesto
mínimo, certeiro, de quem lança uma seta, que Celso Renato inicia suas
intervenções nas madeiras – restos de materiais de construção civil. Uma vez
que o material utilizado já carrega em si texturas, falhas, pregos, Celso
inclui esses materiais e cria uma relação muito especial entre sua proposta
geométrica e a organicidade do suporte. É nesses tapumes que o artista enfatiza
as formas e revela a sacralidade e a verdadeira alma das coisas. Nessa hora
lembro-me de Manoel de Barros ao dizer que as “coisas sem importância são bens
de poesia”. Celso Renato me ensinou isso antes de Manoel. Ele retira do refugo
da madeira e trava com ela um diálogo. Nesse diálogo amoroso com a matéria, dá
vida ao que já estava perdido.
É com suas interferências com a madeira que Celso
marca presença nas artes plásticas do Brasil e do mundo. Estabelece uma
conversa com deuses e ancestrais. Formas e cores puras que nos remetem a
rituais, conversas veladas com povos que fazem arte com verdade, como religião,
como necessidade de registro da existência.” (CLAUDIA RENAULT, curadora)
“O trabalho atual de Celso Renato parte dessa
experiência, desse diálogo com a matéria. Sua arte só é possível na medida em
que a matéria respondeu a seu apelo e se entregou totalmente para que a mão a detenhe
e a transforme.. O suporte é a madeira que ele encontra nas construções – já
usada, recosturada, escarificada pelo uso e condenada à deterioração – e que o
artista recupera , modificando-a com traços, formas pintadas, sempre seguindo
as sugestões que lhe trazem as erupções naturais e os acidentes sofridos antes
pela própria matéria.” (MARCIO SAMPAIO)
“É madeira de construção
Cheia de sinais, riscos e ranhuras
Frinchas, frestas, buracos e rachaduras
São algumas tábuas juntas a martelo
Com pregos aparentes
Às vezes aparecem pedaços como tramelas
Tramelas de portas que não se abrirão jamais.
Como se guardando imenso segredo perdido
Segredo agora revelado
E que mostra o caminho dia
Da noite
Do sol esquecido
Que volta a nos envolver
Na música de tambores longínquos” (AMILCAR DE CASTRO)
Fotos de Ivana Andrés
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segunda-feira, 5 de novembro de 2018
ARTE NA CONTRA CULTURA II
Dou continuidade ao artigo "Fluxus", que escrevi para o jornal "O Estado de Minas".
“Fluxus”
pode ser considerado exemplo da busca do humanismo na arte. Segundo a
apresentação da exposição, “Fluxus”
nasceu em 1961, a partir da liderança do lituano George Maciunas, tendo como
origem a rejeição aos valores que cercavam as “artes eruditas” e o caráter
comercial que dominou o mercado internacional de arte após o fim da Segunda
Guerra Mundial. “Fluxus” foi o último
grande movimento coletivo de artistas em torno de ideias de transformação da
cultura e da sociedade. Maciunas dinamizou o movimento de contracultura,
valorizando a criatividade que existe em qualquer ser humano.
O descondicionamento de
receitas e fórmulas que aprisionam a arte e a mudança dos valores tradicionais
permitiram que aquele movimento se estendesse às pessoas comuns, sem qualquer
ligação com críticos, marchands ou professores de arte. Maciunas escreveu um
manifesto verificando no dicionário o significado da palavra “fluxo”
selecionando todas as definições que tinham conotações de mudança, purificação,
fluidez e fusão.
Participaram daquele
movimento artistas como Yoko Ono, George Brecht, John Lennon, Roberts Morris,
Joseph Beys e vários outros, que integraram festivais, debates e exposições.
A mensagem de “Fluxus” ultrapassou as fronteiras da
Europa.
Havia no mundo a
necessidade de protestar contra o consumismo, o imperialismo e as guerras,
contra o massacre de inocentes e o crime organizado em forma de poder.
Quem contempla a
exposição pode sentir a denúncia explícita dos grandes criminosos de guerra do
nosso tempo, sedentos de expansão. George Maciunas lançou sua denúncia contra a
violência, os massacres realizados pelos nazistas na Europa, o genocídio dos
índios americanos pelos espanhóis e o sofrimento da população civil na guerra
do Vietnã.
Ao mesmo tempo que
denunciou a opressão como impressionante bandeira da morte, também levantou a
bandeira da paz, com o incentivo ao budismo zen e às práticas de meditação. A
meditação busca o ser interno e a intuição que está além da mente fragmentada.
O budismo zen não é uma religião, mas incentiva um modo de viver criativo e
espontâneo. Chegando aos EUA na década de 60, as práticas de meditação ganharam
adeptos em vários artistas da Action Painting ou expressionismo abstrato e nos
jovens que largaram o conforto das famílias, o consumismo e os bens materiais
para viverem em comunidade.
Os Beatles trouxeram da
Índia práticas de meditação e, através da música, divulgaram sua mensagem de
“paz e amor”. Era necessário vivenciar o “agora”, o eterno presente”, e saber
viver de forma simples e despojada.
A importância dos
movimentos de contracultura está no fato de que eles promovem mudanças no
comportamento passivo da sociedade, abrem indagações, despertam novos
horizontes.
“Fluxus”
me fez refletir mais uma vez sobre a capacidade intuitiva dos movimentos
artísticos que, movidos por um impulso energético universal, buscam a
libertação da violência e a harmonia planetária.
*Fotos da internet
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