segunda-feira, 5 de junho de 2017

UMA PEQUENA HISTÓRIA DE VIDA E ARTE I

Estou descansando na casa do meu filho Maurício, em Brasília, revisitando o meu itinerário artístico. A minha primeira fase ali está, distribuída nas paredes da sala. Vejo em minha frente o primeiro barco, pintado em 1944, há 80 anos atrás!

Os anos foram passando mas os temas dos meus quadros se repetem, se transformam, retratam uma época feliz, as paisagens do mar, da cidade e da zona rural, uma constante em meu itinerário. 

O barco simboliza viagens e eu, desde aquele tempo, já antecipava minhas viagens. Muitos quadros dessa primeira fase ficaram na fazenda da Barrinha, onde tive um atelier rural na década de 60. Me lembro do dia em que meu cunhado Camil Caram veio me entregar este pequeno barco.
“Este quadro é histórico, deve ficar com um dos seus filhos”.
Realmente, ele está muito bem guardado com Maurício e Aparecida. Bem guardado e bem situado. 

Logo em seguida vou percorrendo nas minhas lembranças outro quadro, pintado na mesma época. É uma lembrança do meu quarto de solteira. Da minha janela eu registrei nesse quadro a paisagem que eu via em minha frente, a cidade de Belo Horizonte em 1944. Naquela época não existiam prédios altos em BH. Vejo no quadro um pedaço do Colégio Sagrado Coração de Jesus, telhados e mais telhados, o Colégio Padre Machado, muitas árvores e o céu de Minas se estendendo sobre as casas. Eu pintava paisagens e marinhas, depois voltava para o atelier da Escola no parque para pintar a nossa sala de aula com os alunos e alunas trabalhando. Guignard tinha uma assistente, Edith Bhering e eu consegui retratá-la atrás de uma aluna, corrigindo um quadro. Um voo pelo passado me reconduz ao tempo em que eu frequentava a escola e estava me libertando do academismo, para abraçar o modernismo.

Eu estudava na Escola Guignard quando conheci meu marido Luiz Andrés. Ele gostava de arte, antes de me conhecer conheceu meus quadros numa exposição. Naquela exposição, Luiz estava em companhia de seu amigo, o professor de filosofia, padre Orlando Vilela que naquela ocasião escrevia sobre arte.  Seu livro, “Realidade e Símbolo”, baseado nas ideias de Jacques Maritain era o meu livro de cabeceira da época, bem como “Cartas a um jovem poeta” de Rainer Maria Rilke.
Quando nos conhecemos, estudávamos juntos a filosofia de Maritain, assim como os poemas de Rabindranath Tagore, Paul Claudel e Murilo Mendes. Desde essa época, acompanhada por Luiz e sua irmã, Lourdes Resende, comecei a refletir sobre Arte e Espiritualidade. Dali nasceram os primeiros capítulos do meu livro “Vivência e Arte”, editado pela Agir em 1966. Naquela ocasião, eu participava de um grupo de jovens católicos chamado “Grupo da Vigília”, onde me convidaram para fazer palestras sobre Arte e Espiritualidade.

Depois de casada passei a frequentar a fazenda do meu sogro, perto de Entre Rios de Minas. Paisagens do interior, com festas juninas, casamento na roça e vários motivos rurais vieram povoar o meu imaginário de artista.

A alegria e a descontração de uma festa junina serviu de inspiração para outro quadro, que estou vendo na mesma sala.
Guignard gostava de festas juninas, balões voando pelo céu. A minha festa junina é um registro de festas populares muito comuns no interior.
As crianças me acompanhavam enquanto eu pintava e algumas vezes eram incluídas nos meus quadros. Gostavam de brincar no fundo do quintal com as galinhas e os cachorros da fazenda.

*Fotos de Maurício Andrés Ribeiro

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