quinta-feira, 2 de março de 2017

COMPOSIÇÃO E ORGANIZAÇÃO

A famosa definição de Maurice Denis resume a pintura ocidental, ao dizer que um quadro, quer seja um cavalo de batalha, uma mulher nua ou qualquer outro tema, é, antes de tudo, uma superfície plana recoberta de cores que se reúnem numa certa ordem. Consciente ou inconscientemente, o artista procura a união dos opostos, o equilíbrio das linhas, dos espaços, a justaposição de cores, os contrastes de luzes e sombras. Ordena o caos. A arte é a forma de realizar esse desejo de harmonia. Os elementos dispersos integram-se num todo.

Organizar é uma necessidade interior do ser humano, que se manifesta de maneira concreta na criação artística. A procura do equilíbrio é uma constante em toda a história da arte. Compor é equilibrar, reunir, contrastar, organizar. Manifesta-se por meio da razão ou da sensibilidade, de acordo com a tendência do artista.
 A criatividade, procurando o equilíbrio, não obedece necessariamente a medidas teóricas. A busca do equilíbrio externo reflete a necessidade do homem de se integrar às forças eternas que regem o cosmo, a natureza e os seres criados. Leonardo da Vinci fundamentava suas composições no movimento dos astros e planetas. A estatuária grega foi construída dentro de proporções ideais. O artista atual constrói sua obra livremente, de acordo com seu tipo humano. Intelectual ou emocionalmente, a ordem é procurada. Ela se revela na forma exata da  Pop Art  ou na espontaneidade do Expressionismo. Por meio da razão ou da intuição, do pensamento ou da sensibilidade, o artista sempre busca expressar a ordem.

A própria elaboração de um quadro é forma de estruturar, construir. A primeira mancha de cor sobre a tela branca exige outra cor para contrabalança-la. A direção de uma linha desperta a necessidade de outra. O desenvolvimento do trabalho exige a supressão de uma figura, o deslocamento de uma forma, o aparecimento de uma cor. As tonalidades se contrastam e se combinam, os traços se organizam, as formas se completam. O artista cria divisões novas, destrói para construir, suprime para realçar, dirige e comanda os elementos que integrarão o conjunto do quadro. Realizando a ordem exterior, busca a integração de suas energias com o poder eterno que rege céus e terra.

O princípio  Yang-Yin adotado pelos antigos mestres taoístas sempre existiu com outra denominação na arte do Ocidente, desde os tempos mais remotos até os nossos dias. Mudam-se as denominações, amplificam-se os termos, mas o significado é o mesmo. A união dos contrários, das forças opostas, é a procura sempre presente, na arte e na vida, da síntese final, da unidade na multiplicidade.

Mas a arte exige, também, expressividade. René Huyghe, na introdução do seu livro “A  Arte e a Alma”, cita o grande escultor Rodin para esclarecer a necessidade de expressão na obra de arte: Não existe talvez nenhuma obra de arte que extraia o seu encanto apenas do equilíbrio das linhas e dos tons e se dirija unicamente à vista. Também ela deve ser criada pela alma e para a alma – e exprimi-la, nutri-la, enriquecê-la.

A expressividade é o sopro vital que ilumina o quadro. Não se dirige ao intelecto, mas à alma. Transcende o exato equilíbrio da forma. Dá-lhe movimento e energia. Ajuda na harmonia final do quadro. A expressividade se manifesta numa simples pincelada ou no resultado final do quadro. É por meio desse sopro vital que a comunicação artística se realiza. A expressividade é a linguagem da alma, e é compreendida e admirada através da alma.
(Trecho do meu livro “Os Caminhos da Arte”, editora C/Arte, 2014)

*Fotos da internet


VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG, “MEMÓRIAS E VIAGENS”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário