Quando a arte se desligou do suporte bidimensional que a colocava inserida no muro, ganhava espaço e vida participativa.
Novas propostas surgiram e o campo do artista se ampliou para instalações, performances, vídeos, unindo de forma holística arte, ciência, religião e filosofia. No hall da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais, duas exposições me chamaram a atenção: Shirley Paes Leme e Fabrício Fernandino.
Shirley Paes Leme
Nascida em Uberlândia e atualmente radicada em São Paulo é uma artista mineira que circula com grande sucesso não só nos meios artísticos brasileiros, como também nos grandes espaços internacionais. Em 1986 doutora-se em Artes Visuais pela John F. Kennedy University, Berkeley, USA. Hoje é professora titular da Faculdade Sta Marcelina nos cursos de graduação e mestrado. Como artista, Shirley pesquisa vários caminhos, experimentando o desenho, o vídeo, o cinema e a escultura. O desenho como ponto de partida para novas experiências se projeta em campos mais vastos, Shirley é inquieta e registra em suas instalações o seu cotidiano no interior do Brasil – a terra trincada do sertão cearense, os gravetos enfileirados formando paredes, as velas que ao se derreterem se transformam em pequenas esculturas, as aquarelas feitas com pólem de flores e os grandes painéis desenhados com a fumaça -, tudo isto nos mostra uma Shirley pesquisadora também de materiais novos, não convencionais. A arte do momento proporciona ao artista um campo mais vasto de experiências novas, um laboratório que não pode ser comparado com o laboratório científico, mas que no próprio fazer artístico amplia também o conhecimento no campo das artes.
Seus grandes painéis de fumaça expostas no Palácio das Artes causaram grande surpresa aos visitantes. Esta é uma das funções da arte contemporânea, ampliar o campo sensorial do expectador, tira-lo de sua passividade repetitiva para perceber juntamente com o artista novas formas e novos caminhos. Na exposição da Reitoria, Shirley apresentou um grande tapete espelhado para que o visitante pudesse sentir o teto e o chão como uma unidade que existe mas não é percebida ao transeunte distraído. Pisar sobre um chão de espelho nos proporciona uma nova dimensão do mundo.
Voltamos à infância, às aventuras de Alice no país dos espelhos. A arte de Shirley permite este jogo sensorial que nos leva às vivências da infância repletas de conteúdo lúdico.
Fabrício Fernandino
“O cerne de toda a minha obra é a vida”, nos disse Fabrício Fernandino, professor e artista da UFMG, que apresentou um trabalho de consciência ambiental no hall da Reitoria. Ali, professores e alunos passavam e se detinham diante de um paisagismo ecológico, uma denúncia silenciosa e instigante, à devastação do meio ambiente e ao corte de árvores. Todo um bosque da Universidade Federal foi cortado para a construção de uma passarela cuja finalidade é ligar a avenida Antonio Carlos ao Mineirão, atendendo às necessidades da Copa do Mundo. Fabrício não precisou de usar palavras, sua instalação nos fala com muito mais ênfase. Tocos de madeira cortada, fotos do bosque em posters transparentes feitos em acrílico, vão conduzindo o visitante à consciência de que a natureza está sendo sacrificada em nome do progresso. Em sua tese “Cultura Essencial” Fabrício busca, através de reflexão histórica e experimentos de campo, a constatação do fato que “reafirma a importância da cultura e da arte como mola propulsora para a promoção de um conhecimento mais amplo tanto da arte, como da ciência e da vida”. Para Fabrício, a consciência da ligação arte e vida não foi conquistada apenas teoricamente, mas veio ao longo do tempo de sua experiência com o fazer artístico. Ele continua realizando a síntese das artes com a ciência, tecnologia, educação. Com sua formação em cursos técnicos, ele domina também este campo de atividades. Fabrício é diretor do Museu de História Natural da UFMG que se transforma para ele num potencial de conhecimentos científicos ligados à educação ambiental e à preservação da vida no planeta. Como curador dos Festivais de Inverno da UFMG, Fabrício entusiasma os jovens à criação de uma arte contemporânea posta à serviço da vida. Seu projeto “Natureza quase morta”, uma instalação feita com alunos no espaço externo da Escola de Belas Artes da UFMG,em 1993, é uma impressionante forma de denúncia ambiental em torno das queimadas.
A arte promove mudanças no comportamento sem o uso de discursos. Esta possibilidade de realizar mudanças é o que a arte contemporânea está fazendo neste momento crucial da humanidade. Ou mudamos o nosso comportamento em relação à natureza, ou vamos todos desaparecer juntos. A postura transdisciplinar de Fabrício é um exemplo vivo do que pode ser feito pelos artistas em relação ao panorama destruidor do planeta movido pela ambição do homem.
Diante de um auditório interessado Fabrício e Shirley expuseram suas idéias no debate promovido pelo Fórum Arte das Américas. Estes dois professores e artistas oferecem com suas instalações um traço comum: abertura de consciência para a questão ambiental. A madeira está presente na arte de Fabrício e de Shirley, troncos de árvore em forma de bancos, galhos de árvore organizados em forma de muro, tudo isto nos faz lembrar o cerrado, o sertão e sempre o corte de árvores para abrir passarelas de asfalto ou espigões de concreto.
*Fotos de Foca Lisboa
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