sexta-feira, 27 de agosto de 2010

ARTE SUPERANDO BARREIRAS

Fico muito feliz de ver o resultado de um trabalho de 7 anos que vem sendo realizado pela Ivana com a jovem Kátia Santana que, a meu ver, não sofre influências externas, mas pinta com o coração e a sensibilidade. Nos seus quadros as cores substituem as palavras. O Evaldo está junto com Ivana e o Luciano há 25 anos, num trio de Voz e Poesia. Ele supera a barreira da cegueira com música, muito bom humor e talento musical.
Ambos expuseram no Senado Federal em Brasília com grande sucesso. Transcrevemos aqui a reportagem feita por Marcelo Abreu, jornalista do Correio Braziliense.
“Uma moça que nunca andou, fala com dificuldade extrema e tem comprometimento de todo o aparelho locomotor. Um homem cuja última lembrança na vida foi a de ter visto o jaleco branco do médico que o operou. Ele contava 8 anos. Está com 53. A professora de artes que um dia conheceu esse homem, depois essa moça. Uma mãe que, ao saber que a filha tinha paralisia cerebral, demorou três dias para ter coragem e perguntar à médica o que aquilo queria dizer para o resto da vida. E uma produtora cultural que viu toda essa história e escreveu um projeto. E o projeto virou arte. Juntou pintura e música. A melhor de todas.

História danada de boa essa. A moça que não anda e vive cheia de limitações é uma pintora. Das melhores. O homem que não enxerga é compositor, arranjador e instrumentista. No violão, ninguém o detém. A professora de artes que um dia conheceu ambos virou curadora. A mãe que não sabia o que fazer com aquela sentença nunca mais perguntou por que aquilo havia acontecido com sua filha. A produtora cultural é autora de um projeto de sucesso, há um ano e meio correndo estrada.

E hoje, às 15h, no Salão Branco do Senado Federal, a pintora de sorriso encantador e o tímido músico mineiro estarão juntos, inaugurando a exposição Arte superando barreiras. Kátia Santana mostrará 11 pinturas abstratas, em acrílico sobre tela. Evaldo Leoni cantará músicas de própria autoria e de compositores consagrados da Música Popular Brasileira. Enquanto Evaldo estiver cantando, Kátia pintará mais uma obra.

Ivana Andrés, 59 anos, a professora de artes, que há sete anos acreditou que essa moça poderia pintar de verdade, vai estar ao lado da aluna. Simone Senra, 41, a produtora cultural, verá seu projeto, mais uma vez, ganhando espaço e elogios rasgados do público. E Izabel Nedina, 48, cabeleireira, a mãe, certamente chorará em algum canto daquele salão do Senado Federal. E toda lágrima que derramar não terá sido em vão.

Na tarde de ontem, o Correio foi ao encontro de Kátia e Evaldo, que haviam acabado de desembarcar de Belo Horizonte (MG), onde moram. Ela, aos 29 anos, é pura alegria. A primeira vez em Brasília. Ele, aos 53, é mineirinho de tudo: fala baixo e tem no violão o melhor confidente. Ela, de cabelos pintados de loiro, com uma borboleta tatuada no ombro esquerdo e piercing discreto no nariz, diz, num esforço sobre-humano: “É com a arte que expresso a minha alegria e minha tristeza”. Ele, sentadinho, com o violão no colo, declara, com sinceridade comovente: “A música é toda minha vida”.

Izabel olha para a filha, para os quadros da artista que começavam a ser colocados na exposição e reconhece: “Ela é o meu maior orgulho. Meu maior aprendizado”. Ivana, também pintora, filha da mestra Maria Helena Andrés, admite: “Para pintar, é preciso ter coragem. E Kátia não tem medo de perder um quadro e refazê-lo, transformá-lo”. Sobre a dificuldade motora da aluna em pegar o pincel, a professora é categórica: “O olho é mais importante que a mão”. Evaldo, que não enxerga, usa as mãos ágeis para fazer mágica com as cordas do seu violão. A pintora com paralisia cerebral e o músico que nada vê se completam. E se entendem nas suas diferenças.

Durante um ano e meio, Kátia e Evaldo expuseram em Belo Horizonte, em Nova Lima (MG), no Rio, em São Paulo, e agora chegaram a Brasília, para o encerramento do projeto que mudou a vida de ambos. “Ela ficou mais confiante, mais feliz”, percebe a mãe. Kátia escreveu, em seu computador adaptado: “Comecei a pintar há cerca de oito anos porque estava com depressão. Logo comecei a me sentir cada vez melhor e mais livre.... Penso que quando alguém desiste de sonhar desiste da vida”.

Evaldo, com o projeto, passou a apresentar semanalmente o programa A arte de superar barreiras, numa rádio comunitária de Belo Horizonte. No espaço, histórias de superação de pessoas com qualquer tipo de deficiência são abordadas. Ele canta e Luciano Luppi recita poesias — de vários autores e também dos convidados entrevistados. Evaldo nunca tocou tanto quanto agora no Voz e Poesia, grupo musical do qual faz parte.

A música de Evaldo tem cheiro das Minas Gerais. É suave, baixa e tem um quê de Clube da Esquina. O compositor é fã de carteirinha de Milton Nascimento e de toda aquela turma que se formou naquela época. Gosta do verso, da poesia dita com honestidade. E foi essa música, estudada à exaustão, que fez o menino que perdeu a visão aos 8 anos, em decorrência de um glaucoma avassalador, acreditar a que a escuridão não seria o fim. “Aconteceram tantas coisas boas na minha vida que não penso mais na cegueira”, diz o homem que se casou pela terceira vez e tem dois filhos, um deles também músico.

E é no Senado Federal, lugar onde o país se reconhece, se espanta e de quando em vez ainda se enche de esperança, que a exposição terá seu desfecho. Mônica de Araújo Freitas, presidenta do Programa de Acessibilidade do Senado Inclusivo, elogia o trabalho da dupla.

Ela conta que a Casa, há seis anos, passou a tratar como prioridade o direito de ir e vir dos que têm limitações. “Fizemos reformas e adaptações estruturais, compramos equipamentos, temos intérprete de Libras e realizamos um censo para saber quantos funcionários são portadores de necessidades especiais. Todo ano, em dezembro, realizamos a Semana do Senado Inclusivo. Virou um sucesso, nosso compromisso.”

Kátia olha os quadros sendo colocados nos painéis. Dá palpite. Quer ver sua obra mais bonita. Sentadinho, Evaldo afina as cordas do seu instrumento. É hoje, daqui a pouco, a abertura da exposição da pintora e do músico. Pergunto a ela como está a emoção. Ela responde: “Tô muito feliz, o coração tá batendo cada vez mais forte”. Ele só quer fazer o que mais gosta: tocar, tocar e tocar. Em seu computador, Kátia escreve páginas do livro que vai lançar, Um sonho de vida: “Sou assim, livre. presa, triste, alegre, segura do que faço e firme nas decisões. Desejo aprender sempre mais e acreditar que tenho forças para continuar. Sinto a luz de Deus dentro de mim”. Não há mais o que perguntar. Deixa a música de Evaldo seguir.

Essa história é boa demais. Boa pra contar. Melhor ainda pra ver e ouvir. E sentir.”

*Fotos de Ronaldo de Oliveira e Ivana Andrés

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