terça-feira, 15 de dezembro de 2009


MARIA HELENA ANDRÉS / LINHA / GESTO

Maria Helena Andrés vem há mais de sessenta anos surpreendendo aqueles que dela esperam estilo fixo e coerência formal. Sua trajetória, marcada por saltos e rupturas criativas, pode ser vista como um exercício permanente de desprendimento das forças de continuidade ligadas aos mestres, à crítica, ao público e ao mercado.
Com ela aprende-se que as rupturas não recomeçam do zero. São antes momentos em que o artista toma as rédeas da direção em que vai seu trabalho. Significam liberdade em relação aos outros e a si mesmo, mas não pressupõem abandono do já feito.
O esforço curatorial esteve em realçar os elementos que perpassam e estruturam as diversas fases do trabalho de Maria Helena Andrés. A linha, que busca ordenar as coisas, construir razões gráficas, demandando da artista a disciplina da matemática, da música, da arquitetura. (Quem se debruça sobre uma de suas pinturas concretistas pode encontrar equações geométricas, fantasias de ritmos ou cidades iluminadas). E o gesto da ação espontânea, da liberdade corporal, do esvaziamento da mente que abre portas para o inconsciente.
Buscamos desenhos há muito guardados, retomamos a passagem de Maria Helena pelo concretismo e expressionismo informal e chegamos até as esculturas atuais, que revelam as duas vertentes predominantes em sua obra: a construtiva, relacionada com a linha, e a expressionista, ligada ao gesto. Esse partido curatorial configurou a exposição em três núcleos principais: o concretista, primado da geometria na década de 1950; o primeiro gestual, que traz a chegada da artista na action painting na década de 1960; e o contemporâneo, onde essas duas vertentes se desdobram em pinturas, desenhos e esculturas.
Por razões diferentes, os três núcleos apresentam obras inéditas ao público brasileiro. Se, naturalmente, muito da sua produção recente está sendo exposta pela primeira vez, o mesmo acontece com vários desenhos da década de 1950, que, em pequeno formato, ficaram cuidadosamente guardados no acervo da artista, e com os grandes desenhos da fase de guerra, que, embora exibidos nos anos 1960 em museus nos Estados Unidos, na França e na Itália, têm agora sua primeira exibição no Brasil.
Quem conhece a obra de Maria Helena pode estranhar aqui a prevalência do preto e branco sobre a cor e do desenho sobre a pintura. Mas em um trabalho em que a cor é elemento tão marcante, a exploração do desenho parece revelar sua estrutura. Em Maria Helena a cor nunca esteve completamente solta, mas engajada nos traços, seja nas embarcações, nos astronautas ou nas madonas.
Pensando a transição da linha concretista para o gestual, Maria Helena disse certa vez que, ao jogar as cidades iuminadas no mar, elas viraram barcos – não por acaso à época da sua primeira viagem para o exterior, em 1961. Tal dissolução se fez pelas tintas: a pintura a óleo concretista enfatizava a precisão, a ausência de erro, sendo desestruturada primeiro pelo pastel, em desenhos de linhas mais sinuosas, para então chegar à transparência e espontaneidade do nanquin e do acrílico.
Ao quebrar as linhas geométricas, Maria Helena se abriu para a ação corporal, e passou a atuar constantemente na ponte entre intuição e razão, corpo e mente. Em todas as suas obras pode-se encontrar essa dualidade, como um pendular contínuo entre a vontade de liberdade e a de construir amarras. Seus voos, por mais altos que fossem, na vida e na arte, sempre tiveram um ponto estável para onde regressar.
O visitante da exposição é convidado a adentrar nesses voos, procurar seus movimentos mais fascinantes e seus portos mais seguros. Quem sabe não encontrará na linha mais reta o gesto impreciso da mão da artista, e na mancha mais borrada um pensamento aguçado e rigoroso?

A linha
A linha aparece nos desenhos figurativos da década de 1950, que representavam cenas do cotidiano e da vida rural – os boizinhos, as lavadeiras, as colheitas, as crianças brincando – e cenas da via sacra. A busca da essência da linha, da forma e da cor conduziu às pinturas concretistas das Cidades iluminadas, estruturadas através de linhas horizontais e verticais. “Na pintura concretista eu preparava a tela de uma cor única, tirava com tiralinha linhas paralelas que configuravam os postes de luz das Cidades iluminadas.”
O gesto
A partir da década de 1960 surge o gesto, feito com a quina do carvão sobre o papel camurça, revelando a transparência do claro e escuro. Nessa fase gestual o desenho se estrutura na forma dos barcos, levando à libertação da rigidez concretista e ao encontro do expressionismo informal. A série de barcos conduz à série de guerra, realizada em nanquim sobre o papel, denunciando a violência e a morte que acontecia nos porões da ditadura brasileira e nas intervenções imperialistas nos países do Terceiro Mundo. O trabalho Radioactive Ship marca essa fusão de séries, dos barcos com a guerra e também a fusão de técnicas: o desenho, a pintura e a colagem.
A releitura
A partir do ano 2000 MHA faz uma releitura de sua trajetória e o gestual, que surgiu primeiro nos desenhos, se expande nas pinturas em preto e branco, realizadas em acrílica sobre tela. “A acrílica possibilita trabalhar a transparência em amplas telas, usando vassouras de esponja. A esponja, a vassoura, que encontro no cotidiano, são incluídas no meu trabalho.”
O processo de releitura conduz a artista a experimentar a escultura como um outro meio de expressão. Os desenhos concretistas, que surgiram dos boizinhos da fazenda, foram projetados por Elena Andrés Valle executados em aço por Allen Roscoe, resultando nas esculturas construtivas. Recentemente, ela investiga uma forma mais livre para construir esculturas e encontra o papel encorpado para fazer “os enrolados”. Estes se tornaram maquetes para as esculturas orgânicas executadas em aço por Giovanni Fantauzzi.
O trabalho criativo de MHA continua em processo de investigação constante, acompanhando sua necessidade interior de se expressar através de diferentes meios e de estar em sintonia com as mudanças de seu tempo.
Roberto Andrés Rolim
Marília Andrés Ribeiro
Curadores

*Fotos:
Esculturas: Euler Andrés e Maria Helena Andrés
Desenhos : Arquivo Maria Helena Andrés
Pintura Concretista: Juninho Motta
Desenho da série de Guerra: Roberto Andrés

*Link para o site: www.imha.org.br/linhaegesto

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

KÁTIA SANTANA

Conheci Kátia Santana, durante o 3° Festival de Inverno de Entre Rios de Minas, realizando uma performance de pintura diante de um público curioso e admirado. Ali, diante dos olhares atentos, Kátia, ignorando o burburinho ao redor, dialogava diretamente com a tela e as tintas. Para ela, só existia esse diálogo, em seus níveis mais profundos de consciência, onde as mãos faziam uma ponte direta entre as emoções e a mente. Não havia um caráter premeditado, mas sim uma ênfase no aqui e no agora, em uma pintura espontânea e gestual, com cores que surgiam da jovem artista como os sons que saem dos dedos de um músico. Para mim, a música tem uma grande relação com a pintura, onde as cores significam notas musicais.

Naquele dia, sentada em sua cadeira de rodas, Kátia irradiava luz. Estava feliz, pintando, e, depois do quadro pronto, também se alegrava com a receptividade do público e com uma comunicação que superava palavras.

Kátia é portadora de paralisia cerebral desde o nascimento e a possibilidade de expressar seu mundo interior através da arte a vem conduzindo a um despertar de consciência cada vez mais intenso. Apesar de ter dificuldades com a fala, Kátia escuta bem e se comunica através do computador, tendo, inclusive, começado a escrever um livro sobre sua própria vida.

A arte de Kátia é um colorido que se desdobra como jardins de flores variadas, sem a preocupação em delinear uma forma, mas que se conduz e se expressa de maneira abstrata, em uma linguagem muito própria. Dentro da trajetória da arte moderna, sua arte lembra grandes mestres franceses que usavam cores puras e justapostas, deixando-as vibrar e respirar.

Kátia é aluna de Ivana Andrés, psicóloga e artista, desde 2002, e seu aprendizado ocorreu rapidamente, sem bloqueios. Atualmente, ela pode ser considerada uma artista com um alto QS – Quociente de Superação –, um dos índices de inteligência mais reconhecidos nos dias de hoje.

* Fotos de Leandro Luppi



PINCELADA

Taís Helt, artista plástica e gravadora de Belo Horizonte está expondo no Museu de Artes e Ofícios. A exposição é interativa e possibilita ao expectador realizar trabalhos em gravura.