“A autora desta pequena
e lucidíssima introdução à arte em geral, à arte moderna em particular e à arte
religiosa, compreendeu admiravelmente o problema e o coloca em termos tão
simples, tão honestos, tão accessíveis e sensatos, que custa a crer que haja
quem resista às suas razões.
É precisamente essa ausência total do complexo de superioridade ou de inferioridade, que dá tanto calor a esta introdução à estética. Não tem nenhum complexo de superioridade, como acontece muitas vezes com os livros dos modernos críticos de arte, tratando o público de cima de suas tamancas, como sendo um rebanho de ignorantes e de retardatários. O complexo de inferioridade, que considero pior que o outro, se coloca por sua vez na posição do falso publicano, que no fundo se gaba de sua humildade, dizendo que não entende os modernos, mas deve ser porque não está à altura etc.
A autora destas considerações não assume nem uma nem outra
atitude. Apresenta-se com a simplicidade de quem sofreu muito para chegar às
conclusões a que chegou, e por isso mesmo as exibe sem nenhuma pretensão de
querer converter ninguém. Quem quiser
que se converta a si mesmo ou se convença do bem fundado delas e depois passe a
aplicá-las, na prática, não confundindo preferências
pessoais com uma compreensão objetiva das formas infinitas com que os
artistas – que por natureza palmilham
os caminhos dos possíveis e não dos
já trilhados ou impostos pela arrogância dos dogmatizadores de regras
disciplinares – exprimem a sua capacidade de criação.
A autora não pretende ser pedagoga e muito menos palmatória do mundo. Como provavelmente passou pelos mesmos transes de ser chocada pela arbitrariedade e multiplicidade das formas estéticas e pelas deformações das formas naturais e pela ausência de critérios de perfeição ideal, sabe perfeitamente que ninguém se converte senão por si mesmo. Se isto é verdade até em religião, onde a graça indispensável não tem nome nem forma nem palavra que a exprima, quanto mais em arte, quando a vocação é que desempenha o papel da Graça e o trabalho, o métier, a técnica, o da Natureza.
A autora, além disso, não se limita a doutrinar sobre arte
ou a repetir o que aprendeu nos livros dos filósofos da matéria. É ela própria
uma artista, uma grande pintora. Uma criadora de formas novas, com um
extraordinário talento e uma originalidade não procurada mas espontânea. E tudo
isso à custa de muito trabalho, de muito "sangue, suor e lágrimas",
dessas que os verdadeiros artistas, da palavra, do som, da matéria, do
movimento, do que quer que seja, escondem ou por vezes não escondem na obra
feita ou no silêncio dos seus ateliers.
Sente-se, nas entrelinhas deste pequeno breviário de
estética, especialmente pictural – com uma síntese histórica da evolução da
pintura moderna, muito instrutiva – o enorme trabalho interior de raízes, para
se chegar a esta pequena árvore tão fresca, tão simples, tão copada, que dá uma
sombra tão repousante e luminosa ao leitor de boa vontade.
Nem por isto deixa de condenar o mau gosto, como sendo o
grande inimigo da verdadeira arte. Justamente por ter a arte moderna
reivindicado, para o artista, os direitos da liberdade, é que o problema da
honestidade ou da desonestidade em arte, do bom e do mau gosto, tanto dos
artistas como do público em geral, é hoje muito mais importante do que quando a
arte obedecia a certos modelos e disciplinas compendiadas e ensinadas. "A
fotografia libertou a pintura", disse Jean Cocteau numa frase célebre. Mas
também soltou os cabotinos. Contra os quais então o mau gosto reage em nome da
sinceridade... Em matéria de arte religiosa então é que o mal-entendido se
tornou mais grave. E a autora sai da sua mansidão habitual para escrever coisas
incisivas e indispensáveis como esta: "A Igreja passou a ser a depositária
deste mau gosto público. E a ornar os seus altares com o que de pior pode haver
em matéria de arte. Não se pode mesmo dar o nome de arte a esses santos de
bazar, porque neles não se vê a menor preocupação de estilo. Nem ao menos de
acadêmica poderia ser chamada esta pseudo-arte das igrejas". Perfeito.
Não quero, porém, nem poderia de modo algum, substituir-me à autora, com sua tríplice autoridade – de pintora, de conhecedora teórica do fenômeno estético e de escritora, tão simples, tão natural, tão sem pretensão. E last... tão profundamente espiritual.
Não será esse último aspecto o mais íntimo segredo destas
páginas, que recomendo vivamente aos que querem compreender? Porque aos que não
querem, nem Deus convence...
Rio, 1965
Alceu Amoroso Lima” (Trecho
de “Vivência e Arte”, Editora Agir, 1969)
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