segunda-feira, 21 de agosto de 2017

KING, O ENTALHADOR

Cada instante criador corresponde à intensidade de um momento de vida. Ele é o esquecimento do passado com todo o acúmulo de conhecimentos e o despertar do presente em plenitude e riqueza. 
O ato de criação é um ato de presença. Criar é viver no presente. Neste aqui e agora, estão contidas nossas vivências individuais, enriquecidas das vivências do mundo a que pertencemos. 
Esse mundo está conosco, não podemos nos separar dele. O momento criador, quando vivido intensamente, é um retorno à Unidade Inicial. É, portanto, um momento de intensa alegria. Por meio da intuição, as ideias se harmonizam. 
A intuição é a claridade que vem de dentro de nós mesmos e não buscada fora, em ensinamentos. Desperta num momento inesperado, quando se transcende o pensamento lógico. 

O encontro intuitivo do artista com a totalidade é traduzido de forma admirável nos versos de Chuang Tzu, o poeta do Taoísmo:

O entalhador de madeira
Khing, o mestre entalhador, fez uma armação
Para os sinos,
De maneira preciosa. Quando terminou,
Todos  que aquilo viram ficaram surpresos.
Disseram
Que devia ser obra de espíritos.
O príncipe de Lu disse ao mestre entalhador:
“Qual é o seu segredo?”
Khing respondeu: “Sou apenas operário:
Não tenho segredos. Há só isso:
Quando comecei a pensar no trabalho que me
Ordenaste,
Em ninharias, que não vinham ao caso.
Jejuei, a fim de pôr
Meu coração em repouso.
Depois de jejuar três dias,
Esqueci-me do lucro e do sucesso.
Depois de cinco dias,
Esqueci-me do louvor e das críticas.
Depois de sete,
Esqueci-me do meu corpo
Com todos os seus membros.
Nessa época, todo o pensamento de Vossa Alteza
E da corte se esvanecera,
Tudo aquilo que me distraía do trabalho
Desaparecera.
Eu me recolhera ao único pensamento
Da armação do sino.
Depois, fui à floresta
Ver as árvores em sua própria condição natural.
Quando a árvore certa apareceu a meus olhos,
A armação do sino também apareceu, nitidamente,
Sem qualquer dúvida.
Tudo o que tinha a fazer era esticar a mão
E começar.
Se eu não houvesse encontrado esta determinada
Árvore,
Não haveria
Qualquer armação para o sino.”
“O que aconteceu?”
“Meu próprio pensamento unificado
Encontrou o potencial escondido na madeira;
Deste encontro ao vivo surgiu a obra
Que você atribui aos espíritos.”

Esse poema de Chuang Tzu descreve a preparação do artista para o trabalho. É preciso um longo e cuidadoso preparo, mas também esvaziamento da mente. (trecho do meu livro “Os caminhos da Arte”, Editora C/Arte, 2015)

*Fotos da internet


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