Quando nos desligamos dos incentivos, ganhamos
outras dimensões.
Os artistas de Minas Gerais afastados dos grandes
centros por cadeias de montanhas estão sobrevivendo quase heroicamente. Formam
uma resistência que começou há séculos e continua viva até os dias de hoje.
Estamos isolados, mas em compensação, temos o
silêncio necessário à criação. Participar de tudo à distância, enxergar o mundo
e permanecer ao mesmo tempo no recolhimento de si mesmo, é uma dádiva de Deus.
Estou presente no aqui e agora, estou presente no
mundo sem me atordoar com os ruídos ensurdecedores de “muitas cidades, homens e
coisas”, como dizia Rainer Maria Rilke em seu livro “Cartas a um jovem poeta”.
É preciso conhecer as cidades, o mundo lá fora, mas também perceber “o voo dos
pássaros e o gesto das flores que se abrem nas madrugadas”
Enquanto escrevo, vou lembrando o livro que foi para
mim fundamental, “Cartas a um jovem poeta”.
À proporção que o tempo vai passando, vou
compreendendo melhor as palavras de Rilke.
Coloquei este texto no meu primeiro livro “Vivência
e Arte” e, não sei porque, ele está me surgindo no momento.
Enquanto escrevo vou observando o meu entorno, as
flores que caíram de uma árvore em frente à minha casa.
“Pise a grama”, nos diz Roberto, meu neto. Estou
pisando a grama e refletindo. Pisar a grama é necessário para qualquer um –
descarrega emoções negativas e nos possibilita um contato direto com a Mãe
Terra. Sim, somos filhos da Terra, mas muitas vezes procuramos o asfalto.
Voltar para a Terra é importante, ela nos
reabastece, nos alimenta.
Estar na cidade constantemente é um sufoco. Enquanto
escrevo, conservo um jornal no banco ao meu lado. Ele me traz notícias do mundo
e eu pertenço ao mundo também, faço parte dele, sou parte integrante de uma
sociedade que está sofrendo muito.
Nunca esquecer disso.
Leio as notícias dos artistas reclamando dos
políticos, da falta de apoio à cultura, da necessidade de deixar Minas Gerais e
ir para São Paulo ou Rio.
Aqui em Belo Horizonte os artistas plásticos
continuam vivos. São muitos...
Continuam trabalhando em silêncio porque gostam
deste silêncio. Não têm marqueteiros nem compradores, não pertencem a grupos.
Reúnem-se nalgum lugar para trocar ideias. Encontrei esse lugar no bairro de Santa
Efigênia, BH. Chama-se “Asa de papel”. Ali um coletivo de artistas,
intelectuais e profissionais liberais promove encontros, palestras, bate-papos
com outros artistas. Trocam-se ideias, trocam-se quadros, cerâmicas,
esculturas, livros.
Durante o encerramento da minha exposição, saí muito
realizada. Meus quadros valeram trocas fabulosas. Agora posso ter em casa um
quadro de Jayme Reis, uma escultura de Jorge dos Anjos, uma cerâmica de Erli
Fantini. Troquei o que tinha na hora para trocar, até por alguns vídeos de
Guignard feitos por Izabel Lacerda.
Sempre fui a favor dos escambos entre artistas.
Estamos revivendo os antigos incas que iam para as praças aos domingos levando
o produto da semana para ser trocado por outros produtos. O dinheiro não corria
e nesta época de crise, os incas estão nos ensinando.
A resistência francesa teve na época da guerra seu
ponto de encontro no Café de Flore em Paris, onde se reuniam os intelectuais
Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Paul Claudel entre outros. A “Asa de
Papel” está reunindo a resistência de Minas Gerais, a possibilidade de se criar
sem necessidade de se aliar às grandes empresas.
Micro empresa é incentivo ao pequeno que algum dia
será exemplo para a grande comunidade do século XXI.
Não é preciso abandonar as montanhas em busca de
apoio e incentivo. Apoio e incentivo temos aqui, na iniciativa desses jovens
construtores de uma nova versão da vida e da arte.
*Fotos da internet
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