sábado, 16 de janeiro de 2016

ESCOLA GUIGNARD, 70 ANOS DE HISTÓRIA

Éramos 40 alunos, jovens cheios de vida, pertencíamos à primeira geração de artistas que estudou com Guignard em Minas: Amílcar de Castro, Mário Silésio, Marilia Giannetti, Mary Vieira, Nelly Frade, Gavino Mudado, Leda Selmi Dei Gontijo, Heitor Coutinho, Arlinda Corrêa Lima, Farnese Andrade, Letitia Renault, Jeferson Lodi, Petrônio Bax, Vicente Abreu, Wilde Lacerda e Célia Laborne Tavares, entre outros. Fomos direcionados por um mestre que viera do Rio para nos conduzir. Guignard viera cheio de ideias novas, trazendo panoramas abertos para o aprendizado de arte em Minas. Deixara o Rio de Janeiro, onde já era considerado um dos maiores professores de arte do Brasil e também um dos maiores artistas brasileiros.
Viera da Europa lecionar no Rio, na Fundação Osório e participou do grupo A Nova Flor de Abacate, onde foi mestre de grandes artistas, tais como Iberê Camargo, Geze Heller, Alcides da Rocha Miranda, Vera Mindlin, Elysa Byington e Werner Amacher. Era amigo de Cândido Portinari, Roberto Burle Marx e também foi considerado por escritores e poetas. Cecília Meireles lhe dedicava versos, o grupo de intelectuais de São Paulo veio a Belo Horizonte para participar com Guignard e os artistas modernos da inauguração da Semana de Arte Moderna em Belo Horizonte, realizada em 1944. Guignard era um revolucionário, lutava contra o academismo vigente na época. Achava que o academismo amarrava os artistas.

Seu método de ensino, baseado no despertar pessoal de cada aluno, assemelhava-se aos ensinamentos de Johannes Itten na Bauhaus de Weimar, na Alemanha.
Despertar em primeiro lugar a sensibilidade, o olhar atento para a natureza, as árvores, os céus, as nuvens, os desenhos que se formam nas paredes velhas, nas pedras, no corte das árvores, nas sombras do chão. Ver os círculos que se formam nas águas quando ali atiramos uma pedra. Observar o olho humano, mandala cheia de vida e de mistérios.

O parque era sempre cheio de motivações para o nosso imaginário de jovens artistas. Passávamos horas debaixo daquelas árvores, sentadas em banquinhos, desenhando com lápis duro, 6H. O desenho nos dava a possibilidade de praticar o exercício da concentração, uma meditação espontânea, sem intenção de ser meditação.
Paralelamente ao desenho de observação, ensinado debaixo das árvores, Guignard nos orientava também, dentro do ateliê. Fazíamos retratos e figuras do natural, como nas academias de Belas Artes.

Muitas vezes acompanhávamos Guignard a Ouro Preto, para desenharmos aquela cidade histórica, e também ao Rio de Janeiro para expormos nossos trabalhos.

Na década de 60 eu era professora da Escola Guignard e ali ocupava a cadeira de desenho de criação. A Escola estava situada no parque municipal de Belo Horizonte, nos porões do Palácio das Artes. Ali Guignard e Franz Weissmann  lecionaram; mais tarde seus alunos os substituíram. A Escola era pobre, sem recursos, mas rica em talentos. Vários artistas saíram dali e seguiram mais tarde seu próprio caminho.

Na década de 60 assumi a direção da Escola num período de crise financeira. Procurei vários ex-alunos e todos se prontificaram a dar aulas voluntariamente, sem nenhuma remuneração, até que a crise passasse.
Tomamos a decisão de procurar apoio no governo de Minas. Acenamos para os poderes públicos em busca de ajuda e convidamos o Dr. José Guimarães Alves para dirigir a Escola e ligá-la à Imprensa Oficial. Lembro-me das reuniões improvisadas debaixo das árvores. Foi uma época tumultuada, cheia de imprevistos, mas também coroada de êxito. A solidariedade e o idealismo prevaleceram sobre a iminente derrota. Era necessário oficializar a Escola. Afim de legalizar o pagamento dos professores o novo diretor organizou um concurso público de Notório Saber. Todos fomos concursados e, de acordo com a lei, passamos a pertencer ao quadro de funcionários da Imprensa Oficial. 

Na década de 70 pedi demissão da Escola Guignard para me dedicar às minhas pesquisas na Índia e preferi me aposentar pelo INSS.
Agora a Escola Guignard enfrenta um novo desafio, com a demissão de professores, muitos deles com mais de 20 anos de experiência, e que procuram seguir a filosofia do Mestre Guignard. Se a forma de seleção de professores proposta hoje por órgãos governamentais fosse implantada no início da criação da Escola, o Mestre Guignard seria o primeiro a ser demitido. O notório saber do Guignard seria ignorado para seguir uma legislação burocrática.

Reescrevo aqui três citações para reflexão:
“Não se ensina ninguém a ser artista ditando-lhe conceitos teóricos, como não se ensina ninguém a ser poeta ditando-lhe regras gramaticais”. (Maria Helena Andrés, citação do livro Vivência e Arte, editora Agir, 1966)
 “Não se exige de uma artista plástico o talento de redigir com clareza o que ocorre em seu mundo interior de vivência estética. Às vezes, entretanto, acontece esta maravilhosa casualidade, este dualismo, do pintor ser também escritor. Então eles nos legam textos que se tornam preciosos porque iluminam direções e espaços, motivos e razões, anseios e reflexões que não são os nossos” (Clarival do Prado Valadares, apresentação do catálogo Maria Helena Andrés, referente à exposição da artista na Galeria Goeldi, Rio de Janeiro, set. 1965 )
“Para ser artista não é necessário ser doutor”, dizia Amílcar de Castro a seus alunos.

A Escola Guignard sempre foi uma Escola pautada pela liberdade de criação, uma experiência bem sucedida durante 70 anos. Se ela quase fechou suas portas por falta de recursos financeiros, hoje corre o risco de se distanciar da verdadeira proposta de Guignard.

Espero que, a partir de agora, possam surgir novos parâmetros para a avaliação de professores do ensino de arte, pautados pelo fazer artístico e pela experiência em ateliês.

*Fotos da internet


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