segunda-feira, 26 de outubro de 2015


MINAS BARROCA E TEMPLOS HINDUS

Na terra brasileira floresceu nos séculos dezessete e dezoito a arte Barroca, poderosa em sua expressão, na qual,  a partir dos elementos decorativos, do movimento de formas e do simbolismo mágico das figuras, o passado de descobertas e buscas é retomado.
O Barroco, que o historiador Carmo Azevedo denomina “a arte do mar e dos grandes aventureiros”, passa por uma transformação no Brasil, na região de Minas Gerais, em uma arte da terra, da busca de ouro e pedras preciosas. A mão que esculpiu e moldou a forma manteve o artesão próximo de sua própria origem. Os modelos vêm de além-mar e encontram eco na região montanhosa de Minas Gerais, nos entalhes naturais, nos arabescos das montanhas, na sinuosidade dos rios, nas encostas de pedra, seguindo os padrões desenhados no coração da terra pelos veios do ouro.

As minas de ouro construíram as cidades de Minas Gerais. Foram construídas igrejas nas quais as mãos dos artesãos e artistas que vieram da Europa e da Ásia se misturaram àquelas dos nativos, mulatos e índios. Elas expressaram a integração de culturas e o sincretismo religioso.  Na Igreja de Nossa Senhora do Ó em Sabará, de inspiração oriental, dragões domesticados voam no espaço sobre pagodes chineses. Síntese oriente-ocidente alcançada por meio da arte, mãos brasileiras se juntando a povos e raças distantes, numa mesma energia.

A arte Islâmica do norte da Índia e os templos protestantes mostram uma feição comum, que é a ausência da figura humana. Em contraste, os templos do sul da Índia e as igrejas católicas barrocas mostram um grande número de figuras humanas, animais e plantas. O espaço é quase congestionado e a madeira entalhada canta e vibra com a riqueza de detalhes.

Sentimos essa riqueza de detalhes nas faces internas e externas dos templos Hindus, principalmente no sul. Ali, deuses dançam e tocam música, adornados com braceletes e colares mostrando que dança, música e artes em geral são caminhos para alcançar a união com o Divino. Também nos tempos áureos do barroco as artes se fundiam tentando transmitir um conjunto de riqueza mundana e a religiosidade daquela época. Artistas e manifestações públicas de teatro, música e dança eram estimulados. As procissões eram na realidade coreografias seguidas pelos fiéis, tornando toda a cidade um palco, adornado com flores, toalhas de mesa decoradas penduradas nas janelas, oferecendo no todo um espetáculo majestoso e espetacular.

Na Índia, também, nos tempos antigos, a integração das artes foi alcançada dentro dos templos e festivais. A dança, a música, a poesia e o canto, eram parte de um ambiente criado por arquitetos, artistas plásticos e artesãos. Havia uma integração dos vários ramos da arte para promover a união com o Supremo Criador do Universo.
O artista mais famoso do período colonial em Minas, Antonio Francisco Lisboa, conhecido como o Aleijadinho, transmite em suas esculturas o movimento da dança e há estudos sobre sua obra, comparando os profetas de Congonhas do Campo com a coreografia de um balé.

Germain Bazin descreve nos profetas influências das vestimentas da igreja oriental.  Notamos que essas vestes, principalmente no que concerne a coberturas da cabeça, parecem com as roupas dos deuses do panteão hindu, os turbantes nas cabeças de Budas e também as torres elaboradas e refinadas dos templos e stupas. ( Terceira parte do estudo comparativo apresentado no Seminário de Goa, 1983)


*Fotos de Marília Andrés e da internet

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segunda-feira, 19 de outubro de 2015


EXPANSÃO DO ORIENTE, FUSÃO DE CULTURAS

Goa teve o papel de unificar duas civilizações. Navios vinham da China, trazendo coisas fantásticas do extremo oriente; porcelanas chinesas de diferentes tipos, caixas, arcas de madeira, telas elaboradas. Esse comércio aumentou a síntese e a construção de templos promoveu a integração no campo artístico.

 Aludindo a isso, o historiador português Carlos de Azevedo comenta: “Quase todos os retábulos nas igrejas indianas são colocados diante de um fundo decorativo de entalhes ricamente trabalhados, onde a noção do uso do espaço é puramente oriental, o que aumenta o interesse e a originalidade de toda essa arte indo-portuguesa.”

Símbolos hindus foram substituídos por símbolos cristãos, mas as decorações, os arabescos “preenchimento do vazio” mantiveram características orientais.

As manifestações e símbolos artísticos, transcendendo as palavras, capturaram em linha direta a integração de diferentes povos, desvendando sua origem comum, que é a origem do ser humano na Terra.

As ideologias separam os homens porque são conceitos mentais. A mente resiste à invasão de suas verdades pessoais. Mas a verdade é única, indivisível, e brilha sobre tudo como o sol do meio dia, iluminando a Terra como um todo.

Interessa-me, no presente estudo, a documentação da influência indiana na arte portuguesa que, por seu turno, veio ecoar no Brasil alguns anos mais tarde, através do Barroco.
Buscamos nossas origens, nossos pontos de contato com a Índia, como se pudéssemos retomar por meio dos dados históricos e das manifestações artísticas, religiosas e culturais, o caminho das Índias, gerador da energia das grandes descobertas, da intensificação do comércio e do florescimento das artes. (Segunda parte do estudo comparativo apresentado no Seminário em Goa, 1983)

*Fotos da internet


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segunda-feira, 12 de outubro de 2015


INFLUENCIAS CULTURAIS INDO-PORTUGUESAS NO BRASIL

O texto abaixo foi apresentado em 1983 num seminário Indo-Português em Goa, Índia. Naquele seminário eu fui a única representante do Brasil.
“Este trabalho é uma tentativa de uma síntese oriente-ocidente por meio de um estudo comparativo entre a colonização portuguesa no Brasil e na Índia. Os portugueses, no tempo das descobertas, anexaram à coroa portuguesa parte do território indiano e o domínio português em Goa, Damão e Diu, na costa oeste da Índia, durou até 1961, quando a Índia anexou de volta a seu território as terras ocupadas pelos portugueses.
Brasil e Índia, frutos dos trópicos
Introduzindo esse estudo comparativo dos paralelos e contrastes entre culturas ocidentais e orientais que focaliza o caso especifico do Brasil e da Índia, criado pela expansão do império Português, citamos as palavras de Fernando L. Gomes, escritas na base do monumento em sua homenagem em Pangim, Goa: “ Se dependesse de mim a fusão de todas as raças, todas as castas, todos os privilégios, numa única família, compacta e unida, eu sacrificaria tudo para alcançar isso. Esse dia seria para meu coração um dia de ventura real.”
Sentindo as semelhanças que existem entre povos e os contrastes derivados de diferentes culturas, observando como essas culturas se comunicam, começamos a compreender que os seres humanos pertencem realmente a uma única família. Há ocasiões que promovem as semelhanças entre países que às vezes estão muito distantes, como a Índia e o Brasil. Esses países parecem ser irmãos. Quando estávamos no vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, pudemos sentir uma ligação que relacionava essas culturas, na dança, na música, nos duelos cantados, no artesanato, na organização familiar e nas festividades populares. Por quê tal semelhança?
Isso eu deixo aos pesquisadores, antropólogos e historiadores. Como artista, tudo o que faço é perceber as afinidades que ligam os povos. Há calor humano, afetividade, comunicação e religiosidade no povo simples, ligado à terra e as tradições e usando suas mãos em seu trabalho, mais frequentemente do que as máquinas.
Há espontaneidade e alegria nas boas vindas ao visitante que chega, a mesma sinceridade que pude testemunhar no sul da Índia, onde estive muitas vezes nos últimos anos e, de modo especial, em Goa, ex-colônia portuguesa, uma terra irmã do Brasil, não somente em seus aspectos geográficos mas também em suas manifestações culturais e humanas.
Essas duas regiões da Terra se assemelham sob o sol dos trópicos, misturando-se sob a mesma intensidade de luz e de cor. No Vale do Jequitinhonha o verão aquece cidades e vilas, diminuindo o ritmo do sertanejo. Na Índia, também, o sol escaldante do verão brilha sobre os campos e aldeias, trazendo o mesmo comportamento aos seus habitantes.
Todo o nordeste brasileiro e o sudoeste da Índia têm os mesmos traços de vegetação. Na Índia, como no nordeste brasileiro, os coqueiros são a riqueza da região. Famílias pobres fazem suas choupanas de folhas de coqueiros, usam os cocos para muitas finalidades, bebem a água de coco. Houve uma troca de sementes por meio dos portugueses. Os conquistadores espalharam por terras distantes muitas flores e frutos.
O caju foi do Brasil para a Índia, a manga veio da Índia para o Brasil. Diferentes continentes se comunicaram entre si por meio de sementes, flores e frutos que desabrochavam em diferentes regiões do globo terrestre, promovendo a integração que cresceu da terra.
Mas foi nos mares que as culturas oriental e ocidental foram capazes de se encontrar. As várias colônias sob o domínio português se conectaram por meio das caravelas que cruzavam os oceanos e mares, colocando em contato diferentes culturas e civilizações.
Foi o espírito aventureiro e a paciência para suportar longos meses no mar, foi a busca de riquezas e a necessidade de expandir o credo cristão e assegurá-lo com o poder terreno, que intensificaram no passado a síntese do oriente e do ocidente.

*Fotos da internet

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segunda-feira, 5 de outubro de 2015


GTO E O ENCONTRO COM O ORIENTE

GTO, Geraldo Teles de Oliveira, tornou-se figura conhecida e admirada no mundo das artes. Nascido em Divinópolis, Minas Gerais, ele se projetou além das fronteiras do Brasil, como artista cujo potencial criador ultrapassou os limites impostos pelo eixo Rio-São Paulo, criando diretamente de Minas para o mundo. Sua arte é atemporal e alcança o inconsciente coletivo de forma segura e firme.

GTO realizava seus trabalhos a partir de sonhos. Percorrendo a exposição de GTO na Cemig, no espaço reservado à Arte Popular, vou sentindo, passo a passo, a integração de culturas que a arte espontaneamente promove. 

Meus passos na Índia me conduziram a reflexões sobre essa unidade formal que se projeta no tempo e nos faz visualizar obras afins em artistas que descobrem o seu caminho próprio em países distantes. Percorrendo os museus de Delhi, senti a semelhança dos nossos artistas do vale do Jequitinhonha com a cerâmica indiana, e, agora revejo a Índia na obra de GTO.

Na Índia, artistas anônimos cavaram na pedra bruta esculturas de animais e seres humanos. Não havia a preocupação de vender ou expor em Galerias. Mas sob o impulso mágico da criação artística, ali deixaram um documentário belíssimo do poder criativo do homem. Percorrendo a Índia, encontramos nessas esculturas pertencentes a civilizações remotas, uma grande afinidade com esse artista mineiro. 

GTO foi um grande visionário e em seus sonhos captou a mensagem das antigas civilizações, desde a pedra do sol dos maias no México, até os templos de Kajuraho na Índia. Os roteiros da arte são os roteiros da vida, porque arte e vida não se separam. Os trabalhos de GTO vão nos revelando uma unidade formal existente nos caminhos percorridos por artistas que viveram neste planeta, afastados no espaço, mas unidos no tempo com a grandeza de suas criações espontâneas brotadas diretamente da intuição. 

O gesto do artista se irmana no tempo num grande abraço de confraternização. GTO considerava a escultura como um legado divino e uma missão. Seus entalhes em madeira atravessaram fronteiras e aproximaram povos.

*Fotos da internet

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