domingo, 13 de abril de 2014

VALOS, FLORESTAS LINEARES

Na fazenda de nossa família em Entre Rios de Minas, eu sempre ficava intrigada com os buracos que, como trincheiras,  circundavam as áreas de terra. Um dia perguntei ao Euler, que mora na fazenda há muitos anos, o por que daquelas trincheiras. “São valos, cavados pelos antigos moradores dessas terras”. Segue abaixo um artigo do Euler sobre os valos:

“ Construídos no século XVIII, os valos são trincheiras de 1,5 a 2 metros de profundidade  e largura, circundadas por árvores nas duas bordas. Junto com os muros de pedra e as cercas de madeira, também chamadas tapumes, constituíam as técnicas difundidas no Brasil colonial para delimitação de propriedades, separação de pastos e plantações. A vantagem evidente dos valos é a economia material: não requerem nenhum recurso a não ser a mão de obra para a retirada de terra.
Essa trincheira rural ainda separa no tempo as eras pré e pós revolução industrial. Claro que o arame farpado produzido na Inglaterra demorou mais de cem anos para se tornar popular no interior do Brasil. Enquanto isso, durante todo o século dezenove ainda se construíam valos, muros de pedra e tapumes. Esses últimos se popularizaram no semiárido com o uso do angico e da aroeira do sertão, madeiras de alta durabilidade: toneladas e mais toneladas de árvores foram derrubadas para que se cercassem os vizinhos, as vacas, as cabras, os jegues, os porcos e as galinhas.
No sudeste, os valos ainda permanecem nas regiões que foram ocupadas após a corrida do ouro do século dezoito: arredores de Ouro Preto, Mariana, São João del-Rey, Sabará e Caeté. Quem viaja pela região pode ver na paisagem linhas de árvores que sobem e descem os morros, quebrando a monotonia das pastagens de braquiária.
Meu avô plantava café na mata e nos valos. O café sombreado não produzia muito, mas tampouco demandava custosas adubações ou muitos tratos culturais. A sombra protege da geada, as folhas das árvores e gravetos em constante decomposição reciclam o solo e contribuem para sua estrutura porosa, sua umidade permanente e sua vida diversificada em fungos, bactérias, minhocas e milhares de outros pequenos seres – um verdadeiro conforto para a planta que costuma resultar em vida longa e produção continuada. Pés de café com mais de 100 anos ainda são produtivos nos quintais antigos das fazendas mineiras, nas bordas dos valos e das matas.
Nesse tempo em que se desconheciam a especialização e a economia de escala, a biodiversidade da produção era obrigatória. O manejo da matéria orgânica e a convivência harmônica com as matas naturais produziam um equilíbrio do solo que se refletia não na produção máxima por área (sofisma atual, que não leva em conta o custo real da energia não renovável embutida nos insumos químicos), mas na produção ótima, diversificada, econômica e permanente. Era motivo de orgulho dizer que numa propriedade se comprava apenas sal e querosene.
Em tempos de condomínios fechados, a versão monocultural do valo é a cerca viva de sansão do campo. Plantadas com espaçamento de vinte centímetros, as cercas vivas formam muros vivos e espinhentos que, embora não configurem abrigos para animais, têm a função principal de cercar a espécie humana. A diferença é que os valos evitam que os animais fujam, enquanto a cerca viva quer evitar, com a ajuda da escolta armada e das câmeras de segurança, que os humanos entrem.
Um ditado antigo diz que um cachorro vive dois tapumes, um cavalo vive três cachorros e um homem vive três cavalos. Talvez em razão da longevidade a perder de vista das nossas trincheiras de biodiversidade, o ditado não tenha sabido precisar quantos homens vive um valo.” (Euler Andrés Ribeiro, resumido da revista “Piseagrama”)

*Fotos de Euler Andrés Ribeiro e da internet

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Um comentário:

  1. Parabéns a vocês, Maria Helena e Euler. Me vieram saudades da Barrinha, que frequentei desde moço. Vou mostrar esse ótimo artigo para Lídia. Um abraço, Dado Prates.

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