Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
domingo, 13 de abril de 2014
VALOS, FLORESTAS LINEARES
Na fazenda de nossa família em Entre Rios de Minas, eu sempre ficava intrigada com os buracos que, como trincheiras, circundavam as áreas de terra. Um dia perguntei ao Euler, que mora na fazenda há muitos anos, o por que daquelas trincheiras. “São valos, cavados pelos antigos moradores dessas terras”. Segue abaixo um artigo do Euler sobre os valos:
“ Construídos no século XVIII, os valos são trincheiras de 1,5 a 2 metros de profundidade e largura, circundadas por árvores nas duas bordas. Junto com os muros de pedra e as cercas de madeira, também chamadas tapumes, constituíam as técnicas difundidas no Brasil colonial para delimitação de propriedades, separação de pastos e plantações. A vantagem evidente dos valos é a economia material: não requerem nenhum recurso a não ser a mão de obra para a retirada de terra.
Essa trincheira rural ainda separa no tempo as eras pré e pós revolução industrial. Claro que o arame farpado produzido na Inglaterra demorou mais de cem anos para se tornar popular no interior do Brasil. Enquanto isso, durante todo o século dezenove ainda se construíam valos, muros de pedra e tapumes. Esses últimos se popularizaram no semiárido com o uso do angico e da aroeira do sertão, madeiras de alta durabilidade: toneladas e mais toneladas de árvores foram derrubadas para que se cercassem os vizinhos, as vacas, as cabras, os jegues, os porcos e as galinhas.
No sudeste, os valos ainda permanecem nas regiões que foram ocupadas após a corrida do ouro do século dezoito: arredores de Ouro Preto, Mariana, São João del-Rey, Sabará e Caeté. Quem viaja pela região pode ver na paisagem linhas de árvores que sobem e descem os morros, quebrando a monotonia das pastagens de braquiária.
Meu avô plantava café na mata e nos valos. O café sombreado não produzia muito, mas tampouco demandava custosas adubações ou muitos tratos culturais. A sombra protege da geada, as folhas das árvores e gravetos em constante decomposição reciclam o solo e contribuem para sua estrutura porosa, sua umidade permanente e sua vida diversificada em fungos, bactérias, minhocas e milhares de outros pequenos seres – um verdadeiro conforto para a planta que costuma resultar em vida longa e produção continuada. Pés de café com mais de 100 anos ainda são produtivos nos quintais antigos das fazendas mineiras, nas bordas dos valos e das matas.
Nesse tempo em que se desconheciam a especialização e a economia de escala, a biodiversidade da produção era obrigatória. O manejo da matéria orgânica e a convivência harmônica com as matas naturais produziam um equilíbrio do solo que se refletia não na produção máxima por área (sofisma atual, que não leva em conta o custo real da energia não renovável embutida nos insumos químicos), mas na produção ótima, diversificada, econômica e permanente. Era motivo de orgulho dizer que numa propriedade se comprava apenas sal e querosene.
Em tempos de condomínios fechados, a versão monocultural do valo é a cerca viva de sansão do campo. Plantadas com espaçamento de vinte centímetros, as cercas vivas formam muros vivos e espinhentos que, embora não configurem abrigos para animais, têm a função principal de cercar a espécie humana. A diferença é que os valos evitam que os animais fujam, enquanto a cerca viva quer evitar, com a ajuda da escolta armada e das câmeras de segurança, que os humanos entrem.
Um ditado antigo diz que um cachorro vive dois tapumes, um cavalo vive três cachorros e um homem vive três cavalos. Talvez em razão da longevidade a perder de vista das nossas trincheiras de biodiversidade, o ditado não tenha sabido precisar quantos homens vive um valo.” (Euler Andrés Ribeiro, resumido da revista “Piseagrama”)
*Fotos de Euler Andrés Ribeiro e da internet
VISITE TAMBEM MEU OUTRO BLOG "MEMORIAS E VIAGENS, CUJO LINK ESTA NESTA PAGINA.
“ Construídos no século XVIII, os valos são trincheiras de 1,5 a 2 metros de profundidade e largura, circundadas por árvores nas duas bordas. Junto com os muros de pedra e as cercas de madeira, também chamadas tapumes, constituíam as técnicas difundidas no Brasil colonial para delimitação de propriedades, separação de pastos e plantações. A vantagem evidente dos valos é a economia material: não requerem nenhum recurso a não ser a mão de obra para a retirada de terra.
Essa trincheira rural ainda separa no tempo as eras pré e pós revolução industrial. Claro que o arame farpado produzido na Inglaterra demorou mais de cem anos para se tornar popular no interior do Brasil. Enquanto isso, durante todo o século dezenove ainda se construíam valos, muros de pedra e tapumes. Esses últimos se popularizaram no semiárido com o uso do angico e da aroeira do sertão, madeiras de alta durabilidade: toneladas e mais toneladas de árvores foram derrubadas para que se cercassem os vizinhos, as vacas, as cabras, os jegues, os porcos e as galinhas.
No sudeste, os valos ainda permanecem nas regiões que foram ocupadas após a corrida do ouro do século dezoito: arredores de Ouro Preto, Mariana, São João del-Rey, Sabará e Caeté. Quem viaja pela região pode ver na paisagem linhas de árvores que sobem e descem os morros, quebrando a monotonia das pastagens de braquiária.
Meu avô plantava café na mata e nos valos. O café sombreado não produzia muito, mas tampouco demandava custosas adubações ou muitos tratos culturais. A sombra protege da geada, as folhas das árvores e gravetos em constante decomposição reciclam o solo e contribuem para sua estrutura porosa, sua umidade permanente e sua vida diversificada em fungos, bactérias, minhocas e milhares de outros pequenos seres – um verdadeiro conforto para a planta que costuma resultar em vida longa e produção continuada. Pés de café com mais de 100 anos ainda são produtivos nos quintais antigos das fazendas mineiras, nas bordas dos valos e das matas.
Nesse tempo em que se desconheciam a especialização e a economia de escala, a biodiversidade da produção era obrigatória. O manejo da matéria orgânica e a convivência harmônica com as matas naturais produziam um equilíbrio do solo que se refletia não na produção máxima por área (sofisma atual, que não leva em conta o custo real da energia não renovável embutida nos insumos químicos), mas na produção ótima, diversificada, econômica e permanente. Era motivo de orgulho dizer que numa propriedade se comprava apenas sal e querosene.
Em tempos de condomínios fechados, a versão monocultural do valo é a cerca viva de sansão do campo. Plantadas com espaçamento de vinte centímetros, as cercas vivas formam muros vivos e espinhentos que, embora não configurem abrigos para animais, têm a função principal de cercar a espécie humana. A diferença é que os valos evitam que os animais fujam, enquanto a cerca viva quer evitar, com a ajuda da escolta armada e das câmeras de segurança, que os humanos entrem.
Um ditado antigo diz que um cachorro vive dois tapumes, um cavalo vive três cachorros e um homem vive três cavalos. Talvez em razão da longevidade a perder de vista das nossas trincheiras de biodiversidade, o ditado não tenha sabido precisar quantos homens vive um valo.” (Euler Andrés Ribeiro, resumido da revista “Piseagrama”)
*Fotos de Euler Andrés Ribeiro e da internet
VISITE TAMBEM MEU OUTRO BLOG "MEMORIAS E VIAGENS, CUJO LINK ESTA NESTA PAGINA.
terça-feira, 1 de abril de 2014
O IMPACTO DO SER HUMANO NA EVOLUÇÃO DO PLANETA
Recebi
de Maurício Andrés o texto abaixo, que considero importantíssimo para a
conscientização dos problemas atuais do nosso planeta.
“A
partir da segunda metade do século XX, com a revolução da informática e do
conhecimento, a espécie humana ampliou sua capacidade de transformar a paisagem
do planeta Terra e a biodiversidade.
Como o ser humano tornou-se um agente que influi no
curso da evolução, as características do planeta que o hospeda são
crescentemente influenciadas por sua consciência, por seu conhecimento, bem
como pelas atitudes e comportamentos que adota individual ou coletivamente.
A espécie humana, por meio de sua cultura, ciência e
tecnologia, é capaz de influir sobre o rumo da evolução, ao modificar
geneticamente espécies existentes, num processo de seleção artificial. Uma
pequena parte dos sete bilhões de seres humanos, com maior ciência e
consciência, sabe que hoje ocorre uma grande extinção de espécies vivas; sabe
que as atividades de nossa espécie são uma das causas dessas transformações e
que elas afetam mais duramente alguns segmentos da sociedade do que outros; sabe que é possível influir no rumo da evolução. Nas grandes
extinções anteriores não se colocavam questões éticas ou políticas, pois na
natureza não existe o sentido do bem e do mal. No contexto atual, essas
questões éticas fazem sentido, pois a humanidade é a única entre as espécies
que dispõe da ética como um fator de seleção.
Postura ética e política diante dessa crise exige a
aplicação de valores tais como o da harmonia e da não violência. A ética
política busca a liberdade e o bem viver para todos ao evitar a guerra, a
violência, as relações indesejáveis, negativas, antagônicas e desarmônicas como
a predação, o parasitismo e a defesa de privilégios, o escravagismo, as
dominações social e politicamente injustas.
O ambientalista José Lutzenberger utilizou linguagem
poética para alertar que
"Só o cego intelectual, o imediatista, não se
maravilha diante desta multiesplendorosa sinfonia, não se dá conta de que toda
agressão a ela é uma agressão a nós mesmos, pois dela somos apenas parte. A
contemplação do inimaginavelmente longo espaço de tempo que foi necessário para
a elaboração da partitura e o que resta de tempo pela frente para um
desdobramento ainda maior do espetáculo até que se apague o Sol só pode levar
ao êxtase e à humildade. Assim, o grande Albert Schweitzer enunciou como
princípio básico de Ética 'o princípio fundamental‘ da reverência pela Vida em
todas as suas formas e manifestações'! Se há um pecado grave, esse é frear a
Vida em seu desdobramento, eliminar espécies irremediavelmente, arrasar
paisagens, matar oceanos" (LUTZENBERGER, 1970, p. 85).
O
ser humano interfere sobre o curso da evolução biológica e cultural no planeta.
Isso poderá, num cenário pessimista, levar ao autoextermínio da espécie; num
cenário mediano, a uma degradação crescente; e num cenário otimista, pode levar
ao aprimoramento do próprio processo evolutivo e do ambiente em que vivemos.
O futuro do ser humano está
em jogo. Não sabemos que tipo de ambiente, de climas e que espécies emergirão
ao final da atual mudança de era. É uma incógnita se emergiremos ao final desse
processo como uma espécie aprimorada ou se nos extinguiremos, juntamente com
outros milhares de espécies, incapazes de se adaptarem às novas condições
ambientais.
Nossa
espécie de seres em transição tanto pode ser incapaz de se adaptar às novas
condições climáticas e ambientais e sucumbir, como pode adaptar-se a
elas, evoluir para uma nova espécie com outra consciência e outro
comportamento, saindo melhorada e amadurecida ao final dessa época turbulenta.
Por meio de novos instrumentos e ferramentas, pode expandir sua capacidade
mental. Por meio de valores aprimorados, melhorar a qualidade de suas atitudes
e comportamentos. Pode passar, conscientemente, a produzir o ambiente e o
clima, tornando-se efetivamente indutora da evolução.” (Maurício Andrés, trecho do livro Meio Ambiente & Evolução
Humana, Editora Senac, Sao Paulo 2013, pgs 48 e 49.)
·
Ilustrações de
Maria Helena Andrés
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG "MEMÓRIAS E VIAGENS", CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.
Assinar:
Postagens (Atom)