Para registrar o trabalho de Sara Àvila na Escola Guignard convidei o
artista Eymard Brandão, seu ex-aluno, para escrever um depoimento. Segue abaixo
o depoimento de Eymard:
“Querida Maria Helena,
Tenho convivido com inúmeros fatos e sentimentos relacionados ao
recente falecimento de nossa amiga Sara Ávila.
Domingo passado, quando conversávamos em sua casa, me lembrei de uma
aula da disciplina intitulada “Desenho de Criação”, que tivemos com Sara nos
anos setenta. Sempre tenho presente que esta foi uma das disciplinas que Sara
assertivamente implantou na Escola Guignard, durante o período que lecionou de
forma sempre marcante.
Numa dessas aulas de criatividade executei o tema proposto, ou seja, um
desenho de paisagem com caneta esferográfica preta sobre papel,
explorando todas as possibilidades que este material poderia oferecer.
Fui para o Parque Municipal e fiz o trabalho. Na minha opinião ficou da
melhor qualidade, pois o desenho era ministrado como matéria essencial para
domínio de nossos meios de expressão, como você bem sabe e lembra com certeza.
Quando apresentei o desenho realizado ela olhou, olhou novamente e
disse:
Ótimo. Mas estas canetas foram concebidas industrialmente para fazer a
linha e podemos ir muito além desta convenção. Então, pegou minha
caneta, quebrou-a pelo meio e rompeu aquele tubo de plástico
que contem a tinta, dobrando-o alternadamente algumas vezes. Com esta
tinta e usando diretamente seus dedos, fez uma demonstração de
belas manchas e linhas. Foi uma experiência simultaneamente simples,
marcante e sempre atual em seu intrínseco significado.
Sara sempre teve
um dom, um potencial específico para interagir com os alunos, sem receitas
prontas e lidando diretamente com o potencial de cada um no fazer
artístico. Seus ensinamentos, ao exercer o magistério, iam além das salas de
aula, sempre integrados a valores éticos e estéticos. Na universalidade da
linha, por exemplo, cada um era estimulado a encontrar sua identificação
e seu caminho pessoal. O gesto e o movimento abriam uma porta, as texturas e
respectivas tramas outras, e assim por diante com as diversificadas técnicas.
Tudo se integrava na criatividade, estimulada além de palavras escritas ou
faladas, pois trabalhávamos essencialmente com a percepção.
Sara construiu uma
sólida trajetória como artista plástica, unindo expressiva cultura ao conhecimento
do ofício. E manteve sempre presente importantes elos com nossa
contemporaneidade, sem imposturas intelectuais e ultrapassando fronteiras”.
Ao ler o depoimento de Eymard
Brandão sentimos o quanto Sara descondicionava os alunos do convencional, do maneirismo
e da repetição. Quebrar os condicionamentos, despertar o novo é uma das formas
de crescimento proposta pelo grande mestre indiano Krishnamurti. Sara,
sugerindo ao aluno quebrar a caneta, estava lhe propondo usar como instrumento,
não o convencional, mas o novo, criado na hora. Suas aulas promoveram mudanças
na capacidade criativa de seus alunos.
Despertar o novo na arte e na vida, não percorrer repetidamente os
caminhos já trilhados é uma das possibilidades mais instigantes da arte contemporânea.
Sara foi uma das artistas mineiras que mais se projetou no exterior.
Convidada para participar do Grupo Internacional “Phases”, sediado em Paris,
ela percorreu o mundo com seus desenhos fantásticos. Não rejeitou a arte como
forma de expressão, mas seguiu com a arte até o fim, sempre criando. Produziu
obras fantásticas que mergulham no inconsciente de cada um de nós e obras
líricas, poéticas, da série “Noturnos”. Em sua missa de sétimo dia, realizada
no Auditório da Escola Guignard, o “Noturno” de Sara envolvia todo o ambiente
com suas luzes. A trajetória de Sara Àvila foi sempre um caminho em direção à
essa luz.
*Fotos de Adriana Moura
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Maria Helena:
ResponderExcluirGostei muito de sua homenagem à nossa amiga Sara Àvila e a intenção que engloba, independente de ter um depoimento de minha autoria.
Brevemente nos comunicaremos novamente.
Abs,
Eymard