quarta-feira, 25 de julho de 2012


GLORIOSA IDADE


Foi ao som de Noel Rosa e bossa nova, tocando na vitrola recém-consertada, que a artista plástica, escritora e professora Maria Helena Andrés recebeu a repórter Ana Brant do Estado de Minas em sua casa, no Retiro das Pedras. “O vinil tem um som mais quente, por isso gosto de escutar e dançar. Olha que disco mais atual este do Noel! Foi feito há muito tempo atrás. Se bobear o que produzi há 50 anos está mais atualizado em termos de mercado do que o que produzo hoje. Igual ao Noel Rosa”, observa Maria Helena.
 Prestes a celebrar 90 anos em agosto, ela está às voltas com seus dois blogs, Minha vida de artista (mariahelenaandres.blogspot.com) e Memórias e viagens (memoriaseviagensmha.blogspot.com), e com a exposição que vai marcar o seu aniversário. “Tem gente que acha fantástico esconder a idade. Acho fantástico não esconder. No Oriente, as pessoas têm o costume de perguntar qual a sua gloriosa idade. E tenho uma gloriosa idade. Longevidade é bom sim, mas tem que viver bem. Longevidade com hospital não adianta. Vivo bem. A pessoa não pode ficar à toa. Quando a cabeça está desocupada, só pensa coisa que não presta e aí não vale a pena”, filosofa Maria Helena, que teve sua formação artística com Carlos Chambelland, no Rio de Janeiro; Alberto Guignard e Edith Bhering, em Belo Horizonte; e Theodoros Stamos, em Nova York.
A mostra que vai celebrar suas nove décadas de vida e os quase 70 de trabalho vai entrar em cartaz no dia 18 de agosto na Galeria Livrobjeto, na Pampulha. Além das telas com temas recorrentes, como os barcos e as cidades, e esculturas inspiradas em desenhos do concretismo que ela mesmo esboçou, Maria Helena Andrés releva que vai apresentar vários pergaminhos, simulando rolos chineses, com pinturas e textos produzidos  por ela. “Esse projeto vai mostrar o que estou fazendo agora. Não gosto de repetir. As pessoas têm essa mania. Gosto de ir renovando minha obra de acordo com a idade. A gente se cansa das mesmas coisas, por isso é bom variar. Minha principal preocupação é fazer o que sinto vontade, usar a minha criatividade, atender uma necessidade interior, mesmo que não atenda o mercado”, preconiza a artista, que acredita que um dos segredos de estar tão bem aos 90 anos é ter sempre as mãos trabalhando e focar no presente. “Senão elas atrofiam. E, além do mais, não faço planos. Não se pode preocupar só com o passado ou o futuro. Viver o presente é o que importa e o aqui e agora é sempre mais bonito”, garante.
 Vivendo há 34 anos em uma casa no Retiro das Pedras, onde também funciona seu ateliê, Maria Helena conta que costuma passar uma parte da semana no ‘meio do mato’ e outra em Belo Horizonte e que esse contato com a cidade é extremamente profícuo. “Costumo passar uns dias aqui e outro em BH. Acho extremamente importante ter esse contato com o meio urbano. Não dá pra ficar o tempo todo isolado. É bom para a cabeça. Tem muita coisa interessante em Belo Horizonte. Seja nas artes plásticas ou na música. A cidade está fervilhando em várias áreas”, pontua.
Mas, sem dúvida, é no alto das montanhas que ela se sente plena. Seja contemplando o horizonte, sentindo a natureza, descendo e subindo com destreza as escadas sinuosas de sua casa, a artista plástica sequer reclama da baixa temperatura, típica da região, e que se intensifica neste período do ano. “Dou-me muito bem com frio e vento. O pessoal diz que sou conservada. Claro, vivo numa geladeira”, brinca, enquanto relembra as inúmeras viagens que fez pelo mundo, principalmente para o Oriente, como Nepal, Tibete, Japão, Tailândia e Índia, onde chegou a morar por um ano.
Boa parte das experiências vividas nesses países está nos blogs criados por ela, que são atualizados semanalmente, com o auxílio da filha Ivana. Maria Helena diz que é adepta das novas tecnologias e que isso facilita seu trabalho. A última aquisição foi um presente do neto: um iPad. “Gosto muito de mexer com ele, é bem interessante. Essas coisas modernas ajudam muito. São importantes como informação e como formas de comunicação com o mundo. Tenho muito contato com pessoas de fora do país. Meu blog tem cerca de 20 mil acessos e as pessoas ficam curiosas querendo saber sobre Guignard, sobre o construtivismo em Minas, momentos que vivenciei bem”, justifica.
Nascida poucos meses depois da Semana de Arte Moderna, Maria Helena Andrés acredita que ter vindo ao mundo em uma época tão efervescente culturalmente pode tê-la inspirado de certa forma. “Enquanto puder viver nessa Terra, que é tão bonita, cheia de cores, sons, com uma natureza maravilhosa, vou aproveitar o máximo. É um privilégio e temos sempre que nos manifestar de forma positiva. Se for para espalhar negativismo não compensa. É assim que deve ser”, resume.
*Fotos de Maria Tereza Correia e Maria Helena Andrés
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domingo, 8 de julho de 2012


EYMARD BRANDÃO NA ÍNDIA


Visitei a exposição de Eymard Brandão na Galeria da C/Arte, na Pampulha, em Belo Horizonte. Num espaço muito próprio para seus quadros, onde se destaca a busca do aproveitamento de recursos da terra, fui relembrando acontecimentos que, de certo modo, marcaram a arte de Eymard.
Sua viagem à Índia em 1979 certamente contribuiu para esse trabalho contemplativo que busca na terra a sua referência. Eymard tem seu atelier em Nova Lima e, nessa região onde as mineradoras estão sempre em busca do lucro extraído da terra, Eymard, serenamente dela extrai sua arte. Recolhe tintas e pedras do chão de Minas e, como alquimista, vai construindo painéis coloridos que, vistos em seu conjunto, alinhados na exposição livro-objeto, me recordam os sáris da índia. A Índia está presente nessa exposição também no depoimento do próprio artista em seu livro da série Circuito Atelier. Transcrevo em seguida trechos desse texto:
“A ecologia não surgiu em meu trabalho. Foi sendo a ele incorporada gradativamente, por uma série de fatores externos e internos. Estava me preparando para fazer o curso de pós graduação em Londres, no Royal College of Arts, quando assisti a uma palestra de Maria Helena Andrés. Nessa palestra ela abordava, entre outros assuntos, uma escola que conheceu no sul da Índia chamada World Academy of Wonder ( a palavra wonder significa uma forma específica de percepção na arte). Essa escola era uma das unidades de uma universidade que englobava diversas áreas como arte, literatura, música, fotografia, dança, teatro, etc. Mudar os referenciais e viver esse encontro de Oriente e Ocidente através da arte passou a me atrair profundamente. Enviei o currículo e recebi uma resposta promissora, juntamente com a explanação dos cursos oferecidos. Consegui uma bolsa de estudos e tive, naquele país, uma experiência de arte e de vida extremamente gratificantes.”
“Estudantes do mundo inteiro conviviam nessa escola, com novas possibilidades de lidar com seu potencial. Estruturas circulares eram desenvolvidas dentro de padrões milenares e, ao mesmo tempo, contemporâneas, para o trabalho realizado nas formas de ensino ali experimentadas. A história da arte era abordada pelo aspecto psicológico. E as cores da natureza eram relacionadas com nossas emoções, para depois serem aplicadas no papel, na tela ou em formas na terceira dimensão. Com folhas e flores, construíamos belas mandalas. Uma estrada pela floresta levava a um grande e bonito lago. Em frente a ele, subindo para a montanha, uma placa de madeira indicava a entrada da escola. Nela, sugestivas palavras nos convidavam a deixar as sombras de nossos egos para trás e lidar com as formas de estudo ali propostas, onde conviver com os ritmos e mistérios da natureza eram um ensinamento diário, por ser o universo em si, como um próprio campo no qual o jogo cósmico da arte vem acontecendo desde tempos imemoriais.”
Relembrando minhas viagens à Índia, vou encontrando referências também na arte de Eymard Brandão que é, sem dúvida, uma manifestação de seu próprio self de artista. A palavra self, usada por Jung para significar o centro psicológico do “ser” tem diferentes denominações nas diversas religiões do mundo. Significa o Cristo interno dos cristãos, o Atman dos hindus, a Luz interna de Krishnamurti.
O verdadeiro “eu” se encontra na parte interior, mais profunda de nosso ser, nos disse Sri Aurobindo em seus ensinamentos.

*Fotos de Maurício Andrés

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