sábado, 29 de maio de 2010

MÚSICA PARA AS MONTANHAS

No dia 6 de fevereiro de 2010, postei no meu blog um artigo propondo que artistas assumissem a responsabilidade de atuar na defesa da natureza. Os artistas atuariam nos diversos setores das artes, promovendo a conscientização de que nossas montanhas estão sendo sacrificadas e os rios e riachos desaparecendo.
As artes têm o poder de comunicação que atinge as pessoas pela sensibilidade. Isto é fundamental para uma tomada de consciência e talvez uma transformação.
Naquele artigo eu sugeri que se fizesse em terras mineiras uma nova inconfidência, a Inconfidência Ecológica. Esse apelo ecológico, que surgiu na década de 70 com o poema “Triste Horizonte” do grande poeta Carlos Drummond de Andrade e os adesivos “Olhe bem para as montanhas” do artista plástico Manfredo de Souzanetto, está crescendo cada vez mais.
Novas idéias surgem espontaneamente, movidas por um apelo cósmico. Recentemente, um grupo de músicos e o apoio do grupo “Ama Serra”, apresentou no Grande Teatro do Palácio das Artes, no dia 3 de maio, uma noite musical denominada “Música para as Montanhas”, que está fortalecendo o movimento em favor da proteção da Serra da Calçada.
As artes - música, dança, teatro e poesia - por terem uma linguagem direta e de fácil assimilação pelas pessoas, sempre foram utilizadas para a educação e conscientização ambiental. Na cultura, são inúmeros os exemplos onde o artista coloca sua voz, criatividade e poder de comunicação a serviço do meio ambiente, da paz, de causas sociais generosas - voltadas para o bem estar social.
De acordo com o depoimento da curadora artista Maria Bragança, além dela “ali estiveram os artistas mineiros Flávio Venturini, Túlio Mourão, Flávio Henrique, Kadu Viana, Mariana Nunes, Titane, Djalma Correa e Lucas Avelar, além da fotógrafa Ilana Lansky e do artista plástico Mário Vale.
Na abertura do show houve uma participação especial do percussionista Djalma Corrêa junto ao grupo Sorriso Negro, formado por percussionistas, cantores e bailarinos quilombolas do Quilombo Sapé, da região do entorno da Serra da Calçada.
A partir daí, surgiu a idéia de realizar, no Palácio das Artes, esse encontro com os artistas para fazerem um show que foi um pedido de socorro em busca da proteção para a Serra da Calçada. Também no palco o último instrumento elaborado pelo músico e compositor Marco Antônio Guimarães.
MÚSICA PARA AS MONTANHAS é um projeto que deseja sensibilizar o governo e mobilizar as pessoas para a importância da transformação da Serra da Calçada em uma unidade de conservação, além de divulgar a relevância histórica e natural da área. O projeto pretende realizar duas edições por ano, reunindo artistas de grande expressividade em prol da proteção de áreas relevantes para a saúde ambiental do planeta.”

*Fotos: Hanna Lansky e Ana Valadares

sexta-feira, 28 de maio de 2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O CONSTRUTIVISMO BRASILEIRO E A ARTE DOS ÍNDIOS

No momento em que a arte construtiva brasileira está sendo mostrada em Houston nos Estados Unidos com o maior sucesso, convém lembrar nossas origens indígenas.
“Eu nunca te encontraria se já não estivesses comigo”. Esta frase de Saint Exupery nos mostra a força de uma tradição que aflorou na década de 50, conduzindo artistas, pintores, desenhistas, escultores, designers, arquitetos, poetas, para a busca da ordem e do equilíbrio dentro da arte.
Esta ordem interna sempre foi buscada pelos índios em todas as suas manifestações culturais que se estendiam para a vida da comunidade.
A arte dos índios, em seus padrões geométricos, repetitivos e disciplinados, remete a outros domínios do pensamento, constituindo meios de comunicação e modos de conceber, compreender e refletir a ordem social e cosmológica. Modelando a argila ou pintando o próprio corpo eles se harmonizam com a natureza, integrando-se ao seu meio.
Segundo os irmãos Villas Boas, famosos indigenistas brasileiros, temos muita coisa a aprender com os índios. Para eles a natureza conserva-se a mesma. O ano é dividido em dois períodos distintos: o inverno ou o tempo das águas, começando em outubro e terminando em março; e o verão, período seco, de abril a setembro. O ritmo de vida do índio acompanha o ritmo da natureza. Quando chegam as chuvas, ele se retrai silenciosamente para dentro das malocas, cuidando de trabalhos miúdos. Deixa de pintar o corpo e de se enfeitar. Suas atividades são mais serenas. Espera pacientemente as águas crescerem, os rios invadirem as matas, para deixar a maloca em busca dos peixes que já estão à espera dos primeiros frutos caídos das árvores. De acordo com o verão e o inverno, denominações que têm correspondência exatamente oposta à nossa, vive uma vida ativa ou retraída, caçando, pescando ou cuidando de trabalhos menores.

No Museu do Índio, no Rio de Janeiro, procurei observar com atenção os caracteres geometrizados em todo artesanato indígena nas cestarias, cerâmicas e até na pintura corpórea. Muito antes da chegada dos europeus, mergulhados nas florestas, seguindo o ritmo natural da vida, os índios buscavam o equilíbrio também em suas manifestações artísticas.
Observavam a pele dos animais, onças, lagartas e dali partiam para a busca da ordem e da simetria em seus padrões geométricos.
Nossos antepassados se manifestavam de forma construtiva, um construtivismo orgânico e espontâneo.

O construtivismo brasileiro também buscou alcançar este equilíbrio e ordem. O movimento construtivista que se propagou pelo Brasil na década de 50 foi uma integração perfeita do que veio da Europa com o que já existia dentro de nós.




sexta-feira, 14 de maio de 2010

UAKTI E PHILIP GLASS, UMA EXPERIÊNCIA NA EUROPA

Enquanto o carro rodava em direção ao Retiro das Pedras, um CD também rodava, transmitindo sons de grande beleza. As estruturas sonoras crescentes criavam um estado de atenção para com o entorno. O nosso entorno naquele momento era a estrada, as montanhas, o céu estrelado e os sons da música de Philip Glass com o Grupo UAKTI. O CD, denominado Órion, foi gravado em Atenas, junto à Acrópole. A constelação de Orion foi homenageada por Philip Glass por ser a única constelação que abrange dois hemisférios – sul e norte.

A apresentação na Europa teve como cenário um teatro grego ao ar livre, Hecodicus Aticus situado dentro da Acrópole. Antigamente os gregos ali apresentavam suas peças que até hoje perduram como patrimônio da humanidade.

Philip Glass procurou reunir representantes de todos os continentes, buscando uma integração da humanidade através da música. Ali podiam ser ouvidos sons do extremo oriente, da Austrália, Ásia, África, Europa e Américas. O hemisfério norte era representado por Philip Glass e um músico canadense e todo o hemisfério sul pelo grupo UAKTI. O sitar da Índia também ecoou na Acrópole, com uma composição de Ravi Shankar e Philip Glass. Eleftheria Arvantaki, vocalista grega, entoou um canto em prol da integração do planeta. Tambores africanos, instrumentos aborígenes e chineses se integravam com os sons criados por músicos vindos dos mais diversos países, numa só voz, pedindo paz para a humanidade.

A primeira apresentação na Grécia foi debaixo de chuva, como se os céus quisessem também participar do concerto. Naquele momento, os espectadores da primeira fila subiram no palco e vieram, com guarda chuvas coloridos, proteger os músicos, criando uma festa de cores e sons. Aquele concerto ficou depois conhecido como o “Concerto dos guarda- chuvas”. Ao final do espetáculo os músicos se deram as mãos, sob os aplausos de uma platéia emocionada.

Depois de Atenas o grupo seguiu para Lyon, apresentando o mesmo espetáculo também numa teatro de arena cavado na pedra. O cenário recorda um passado de arte que se projeta cada vez mais para o futuro. A mesma emoção contagiou todos os presentes que, ao final do espetáculo se levantaram e também se deram as mãos, lembrando que a integração do planeta pode ser feita através da arte.

Uma das grandes funções da arte do século XXI é promover cada vez mais a consciência da unidade planetária e unidade cósmica. O grupo UAKTI, harmoniza os sons mais variados: conjuga ritmos brasileiros, africanos, indianos, música clássica e música contemporânea. A percussão nos recorda que pertencemos à Terra, fomos modelados pelo mesmo barro e a flauta nos eleva além das estrelas, à essência de onde viemos e para onde vamos.

* Fotos: Luciano Luppi, Alexandre Andrés e João Vargas




sexta-feira, 7 de maio de 2010

SERRA DA PIEDADE, UNIÃO DE VÁRIOS CAMINHOS

A Serra da Piedade é um dos pontos mais conhecidos dos arredores de Belo Horizonte, local de meditação e romaria à Nossa Senhora da Piedade. A imagem da Pietá esculpida por Aleijadinho, está colocada na nave central da ermida.

No alto da montanha, a UFMG colocou um observatório astronômico, onde os estudiosos podem observar as estrelas.

Frei Rosário ali viveu por muitos anos, administrando obras, conduzindo os romeiros e meditando dentro de uma gruta. No silêncio de suas meditações ele começou a perceber, por intuição, a união de todos os caminhos.
Frei Rosário, muito à frente do seu tempo, começou a organizar uma biblioteca ecumênica destinada ao século XXI. Estando de viagem para a Índia, recebi a encomenda de trazer para a biblioteca os livros mais antigos da filosofia hindu. Viajei para a Índia com esta missão. Minha filha Eliana, como professora de ioga, ficou encarregada de escolher os livros.
Numa carta enviada para Frei Rosário, fizemos um relato da viagem. “Encontramos os volumes mais antigos da Bhagavad Gita e das Upanishads. Também nos informamos sobre a obra completa de Sri Sankarãcãrya, considerado um dos maiores sábios da Índia, aquele que difundiu de forma clara e acessível a filosofia Advaita.” Entre os livros que agora fazem parte da biblioteca ecumênica da Serra da Piedade estão os Vedas, escrituras sagradas mais antigas dos hindus, que se dividem em quatro: Rig Veda, Yajur Veda, Sama Veda e Atharva Veda. O Rig Veda é considerado um dos textos mais antigos da humanidade. Acredita-se que ele data de 1200 anos A.C ou até mais.
Quando Frei Rosário me procurou em Belo Horizonte para realizar os painéis das capelas da ermida de Nossa Senhora da Piedade, eu acabava de escrever um capítulo para meu livro Os caminhos da Arte relacionando os hinos védicos com o canto gregoriano. Meu trabalho estava voltado para a integração do Oriente com o Ocidente através da música religiosa.
Em relação aos dois painéis, Frei Rosário me trouxe indicações bíblicas que eu deveria ler para me inspirar nos temas encomendados. Era importante ler textos do Antigo e Novo Testamento, para uma informação histórica.
Antes de começar os trabalhos, fui várias vezes à Serra da Piedade contemplar as montanhas, que se assemelham às do Retiro das Pedras, onde moro.Tirei fotos, fiz estudos de tamanhos variados. Era importante penetrar não somente no espírito das montanhas, em sua transparência e fluidez, como também recuar até a nossa tradição barroca de arabescos e curvas. Numa das capelas a figura de Jesus Cristo foi colocada no centro de uma mandala, símbolo cósmico de integração tanto no oriente como no ocidente. Na outra capela, São José está representado como guardião de Jesus.
Deixei os projetos com o competente artista Juan Carlos Cerri, professor da UFMG, que realizou, juntamente com uma equipe de assistentes, os painéis em azulejo.

*Fotos: Maurício Andrés