quarta-feira, 5 de agosto de 2009

PRIMEIRAS VIAGENS PARA ENTRE RIOS: MEU ATELIER RURAL

Na década de 50, para chegarmos a Entre Rios de Minas, tínhamos de tomar um trem. Com as crianças ainda pequenas, eu me ajeitava no vagão carregando malas e mamadeiras. A contemplação da paisagem, o barulho das rodas nos trilhos, o apito nas curvas e o cheiro de fumaça embalavam os passageiros. Alguns chegavam até a dormir.
Lá fora as cenas se sucediam com rapidez, verdes e mais verdes, gado pastando na relva, casinhas, igrejinhas, um verdadeiro presépio em movimento. Depois de uma hora de viagem descíamos em Jeceaba. Ali o Chico Marzano nos esperava de jardineira e, durante a viagem até Entre Rios, já estávamos sabendo das novidades.
Na cidade, em frente ao casarão, os cavalos já nos esperavam para uma nova viagem. Tínhamos de trocar de roupas, tirá-las das malas e ajeitar nos pecuás. Alguns pertences poderiam ser colocados a tiracolo, nos embornais.
Lembro-me da primeira vez que viajei a cavalo para a fazenda. Levei um tombo e virei notícia na cidade.
Mais tarde, inaugurada a estrada de rodagem, viajávamos de carro de Belo Horizonte para Entre Rios dentro de uma perua: seguia a família com latas de leite, sacos de laranjas, as crianças cantavam o tempo todo.
Eu levava um bloquinho e ia desenhando os postes de luz cortando a paisagem com suas estruturas metálicas. Uma nova série de desenhos e pinturas nasceu daquelas viagens pelas estradas de Minas. As “cidades iluminadas” que hoje figuram nos museus e colecionadores, tiveram suas origens naqueles desenhos rabiscados em blocos de rascunho, onde a estrutura dos postes era uma constante.
Na fazenda da Barrinha organizamos um atelier de pintura. Quadros enormes ali foram feitos.
Durante essas temporadas, longe da agitação da cidade, eu tinha tempo para estudar. Aproveitava o silêncio para ler e escrever. Dali saíram as primeiros textos de “Vivência e Arte” incentivados por minha cunhada Lourdes Andrés Resende. Naquela época eu já me interessava pelo lado interno da arte, aliando o conhecimento teórico à experiência de vida. Buscava analisar o fenômeno artístico apoiando-me em críticos, filósofos e pensadores. Líamos juntas e discutíamos o pensamento de Jacques Maritain, Tristão de Athayde, Maurice Dennis, Mário Pedrosa, D. Marcos Barboza, Rainer Maria Rilke e muitos outros. Os primeiros estudos do livro “Vivência e Arte”, prefaciado por Alceu Amoroso Lima e editado pela Agir Editora no Rio de Janeiro, foram feitos ali, na região do Campo das Vertentes.
O quadro “Casamento na Roça” criado nessa época, testemunha os costumes regionais.
Mais tarde, em 2004, surgiu em Entre Rios de Minas o IMHA (Instituto Maria Helena Andrés), com a finalidade de proporcionar à população o despertar de novos valores e o resgate das antigas tradições.
Através dele, foram realizados três Festivais de Inverno, que divulgaram a arte contemporânea e estimularam novas vocações no campo das artes.
O Campo das Vertentes cresceu culturalmente. Novas ONGS foram criadas e as manifestações folclóricas da região tiveram maior visibilidade.
Em 2009, devido à crise econômica global, o festival não aconteceu. No entanto, a população se organizou espontaneamente, criando um “Mutirão de Arte”: “O movimento cultural de Minas veio para ficar”, disse Paulo Brant, atual Secretário Estadual de Cultura.

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