domingo, 21 de novembro de 2021

INTEGRAÇÃO HOMEM-NATUREZA

 

Recebi de Walter Andrade Parreiras o texto abaixo, que foi apresentado numa das lives do IMHA. É um relato histórico, baseado no livro de sua autoria “Tawé, nação Munduruku, uma aventura na Amazônia”. Ele e sua companheira foram os primeiros não indígenas a terem contato tribo com a etnia Munduruku.     



                                  Essa live conta a história de uma aventura (real), de uma viagem em direção ao desconhecido, uma viagem sem destino. Minha companheira e eu nos lançamos à estrada, sem definirmos, a priori, um lugar para chegarmos, um porto final para ancorarmos. Partimos, sem saber aonde iríamos nem como iríamos. A única escolha, a única decisão: pormos o pé na estrada e deixar que ela nos levasse. A estrada construiria nosso destino, ela apontaria o rumo... ela, própria, o caminho.

Era 1975, tínhamos 25 anos, vivíamos um momento histórico que apresentava duas formas de engajamento social com as quais estávamos comprometidos e a elas dedicados: o enfrentamento político, resistência e luta contra o regime militar, e a contestação cultural, a contracultura.

Não tínhamos mapa, mas nossa bússola interna apontava insistentemente para o norte do país. Depois de muita estrada, chegamos a Belém do Pará, onde embarcamos em um “gaiola” do Rio Amazonas que nos levaria a Manaus. Mal sabíamos que, naquele barco, o destino da nossa viagem sem destino começaria a se revelar. Por três dias e três noites navegamos as histórias que uma missionária nos contava sobre sua experiência junto a um povo indígena que desconhecíamos: os Mõnjoroko – os Munduruku, os “Cortadores de cabeças”:

“... um povo que tinha a prática, quando hostilizado ou invadido, de decapitar os inimigos, mumificar suas cabeças e pendurá-las em torno de suas aldeias, de modo a formar um cinturão de proteção “sobrenatural” e afugentar os inimigos. Um povo que se dividiu em duas linhagens – os “Filhos-do-sol” e os “Filhos-da-lua” –, uma estratégia criativa para evitar casamentos consanguíneos”.

Abandonamos o “gaiola” na metade do seu trajeto, em Santarém, e, após uma infindável busca por autorizações para acesso ao território dos Munduruku, e para obtermos o meio de lá chegarmos, uma carona em um hidroavião da FAB – um Catalina remanescente da 2ª Guerra Mundial – nos deixou em uma de suas aldeias, a Aldeia da Missão.


De lá, partimos para uma viagem dia e noite selva adentro em uma canoa, conduzidos por Tawé, o tuxaua (cacique) dos Mõnjoroko. Nesse percurso, conhecemos os rigores do inverno amazônico – chuvas torrenciais, frio intenso, rios transbordando e invadindo a floresta (em cujo interior também remávamos) – e chegamos à aldeia de Tawé.

Ali, participamos da forma primitiva Munduruku de luta pela sobrevivência, um modo absolutamente incomum de viver, que incorpora uma fantástica e impensável integração com a natureza (para eles, sagrada) e uma relação social que nos remetia às primeiras comunidades cristãs, assim como ao comunismo primitivo.



Assistíamos, fascinados, como toda uma comunidade vive sem depredar, sem lesar ou ferir a Natureza: a árvore e o rio são sagrados; os animais, os peixes e os pássaros são sagrados; o ser humano e a vida são sagrados. Testemunhávamos, encantados, uma proteção e respeito ao ambiente inimagináveis, um cuidado generoso e delicado a tudo que os envolvia: das árvores gigantescas às mais pequeninas, dos pequenos córregos aos rios mais caudalosos, dos seres quase invisíveis aos grandes animais. Aprendíamos que ninguém cuida mais da Natureza do que um povo indígena.

Descobríamos que, além dessas características singulares, os Munduruku eram, ainda, a inacreditável expressão de uma existência fundada em uma profunda espiritualidade, a qual lhes permitia a consciência aguda de que só se vive no momento presente. Assim, eles caçam, pescam e colhem apenas o que necessitam para o dia presente, para o dia de hoje (eles nunca leram a Bíblia, mas vivem como reza o Sermão da Montanha: “A cada dia basta o seu cuidado”). Não sabem o que é acumular, nem os próprios alimentos guardam, pois não dispõem sequer de meios para preservá-los.

Na luta cotidiana pela conquista e produção da sua sobrevivência, eles construíram uma forma de organização social que se estrutura sobre a ausência da propriedade privada dos meios de produção, o que vale dizer, sobre uma relação social baseada na cooperação e ajuda mútua. Não são uma sociedade como a nossa, fundada na concorrência, na competição, na desigualdade e na exploração. Eles vivem sob a ética da partilha, da fraternidade e da solidariedade e sob a égide do cuidado, do respeito e da reverência a tudo que os cerca, à floresta, aos rios, aos seres, ao irmão, à vida. Esse profundo respeito constitui a base da sua existência e da sua relação com o mundo: tudo é sagrado.

Esse povo tão incomum e tão especial encontra-se, atualmente, em evidência e tem sido objeto de constantes destaques na mídia, pois corre sério risco de perder tudo o que o distingue, sua cultura e sua identidade e, portanto, de desaparecer. O seu território é rico em minerais e é cobiçado por muitos dos projetos que marcam as graves transformações atualmente em curso na Amazônia (desmatamento, agronegócio, hidrelétricas, mineração, etc.). Eles vivem sob constante iminência de invasão e têm reagido fortemente a isso, se armando e reacendendo sua tradição guerreira.



*ILUSTRAÇÕES DE IVANA ANDRÉS

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sábado, 13 de novembro de 2021

FILAS DO DIA A DIA

 




Estou sentada

Diante do por do sol

No Retiro das Pedras

Lembrando o dia de hoje

Também sentada em

Filas do dia a dia.

No INSS estive sentada

Numa fila de idosos.

Lá, todos são velhos

 E esperam.

Eliana e Marília

Me acompanham

 Nesta peregrinação.

Estou aqui

 Para mostrar

 Que ainda estou viva.

 Todos  os velhos

 Estão com os filhos.

 Lá fora

 Há gente que passa

 E pelo vidro,

 Mal encoberto

 Por uma cortina

 De material plástico,

 Posso ver

 O movimento da rua.

 A cortina divide,

 Em pequenos retângulos,

 As cenas desta

 Rua Tupinambás,

Onde está localizado o INSS.

Já contei,

Quantos retângulos

Tem esta cortina:

São 20.

Em cada retângulo,

Passam pessoas

Que ainda estão na ativa!

Eu estou aqui parada

Porque estou desativada...

Lá dentro

A maior burocracia,

Meus documentos

Correm de mão em mão.

Há grande diferença

Entre a agitação da rua

E a inação de nós outros.

Aqui dentro uma senhora

Exausta, dormiu 

Sobre o próprio andador. 



Estou me divertindo

Com o que vejo

Através da vidraça.

Hoje estou aproveitando

A descida para BH,

Para cuidar também da saúde.
Resolvi tomar

a terceira dose

Da vacina de Covid 19.

Fui ao posto de saúde,

Na rua Cristina.

Uma fila enorme.

Mas consegui

Passar na frente de todos...

Que bom ser velha!

A vacina

Não doeu nada,

Eu estou ótima,

Agradecendo a Deus

A graça

De ter filhas ajudando,

E a fila priorizando os idosos.

O mais difícil não foi a vacina,

Mas a ladeira da rua Cristina.




FOTOS DE ARQUIVO

 

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domingo, 24 de outubro de 2021

QUINTETO "DONAS DA VOZ"

 



A internet proporcionou ao planeta grandes transformações causadas sobretudo pelos diferentes meios de comunicação. 

Tendo acompanhado o acelerado processo de evolução desde a era do radio até a internet, gostaria de mostrar um exemplo muito interessante de um coral regido à distância, cada integrante na sua casa. 



Trata-se de um grupo de cantoras do Rio de Janeiro denominado "Donas da Voz". Nesta época de pandemia, quando todo mundo permanece em casa, este grupo de cantoras aparece como uma luz, para mostrar o que a criatividade coletiva pode nos oferecer como estímulo para a vida.

"Várias vozes que se tornam uma só voz”.

Um treinamento individual feito com a maior competência, cada uma dentro de sua própria casa, é revelado ao público.

Passo agora a palavra para os integrantes do quinteto, regido por Deco Fiori, para dar maiores informações sobre o grupo.



 DECO FIORI

“Toda voz é única, duas iguais não há.

Tal qual impressão digital, cada voz é a marca de uma pessoa, da sua personalidade, seu jeito, seu modo de se colocar e se expressar.

 A mágica do grupo vocal consiste em juntar vozes  diferentes, únicas, e transformá-las em algo novo e, por que não dizer, revolucionário.

 Donas da Voz. Que belo e pertinente esse nome que descobrimos pra batizar esse incrível quinteto vocal, formado por mulheres admiráveis, literalmente donas das suas vozes ressoando vida afora, e que se unem aqui na busca da beleza, da criação do novo, do frescor da arte, da harmonia do convívio e da realização do sonho da música, um sonho  coletivo que segue nos embalando por aí por todo o sempre...”



 ROSÁRIO NICOLACI

“Nosso quinteto nasceu há um ano, mas a gente já tinha sonhos antes dele nascer: construir um lugar  de alegria, de afeto, de descontração, numa relação democrática, com cantores apaixonados pela música, com qualidade vocal, compromisso com o resultado e em busca da emoção.

 Combinamos selecionar um repertório que não fosse lugar comum, com músicas de qualidade, na melodia, na letra e acima de tudo, com mensagens   que levassem nossa emoção até a plateia!

 Neste primeiro ano de aniversário, já estamos vivendo este sonho, da emoção dividida, e multiplicada ...Cada um na sua voz , formando uma só voz!”



JUDITH VINHAES

“Em plena pandemia um convite: que surpresa!

Que delícia!

Amiga de tempos de outrora, agora no celular, a me chamar para cantar.

Na magia da vida, um novo formato, novos parceiros, novas amizades,                    nova forma de viver a música que tanto amo.

Cinco vozes, um maestro e músicas lindas, receita perfeita.

E sendo a vida a arte do encontro, após um ano, já somos Donas da Voz!!”



IGNÊS PEIXOTO

“Nosso quinteto principiou como uma forma de resistência do nosso desejo de cantar, no anseio de recolocar a voz de forma harmônica num canto uníssono que pudesse nos gerar novas intensidades através da experiência sonora compartilhada. Juntamente com as alegrias próprias do cantar e as emoções que despertam, estarmos juntas nessa aventurança tem sido uma experiência ímpar e enriquecedora em tantos e múltiplos sentidos. Musicalmente e existencialmente, atravessarmos esses tempos pandêmicos mantendo os encontros permanentes semanais, com nossos olhos se mirando pela telinha, soltando a voz, donas delas, e aprimorando nosso cantar regidas pela delicadeza e talento de nosso maestro, foi fonte de um grande aprendizado, beleza e suporte para nosso melhor viver e conviver nessas épocas. Nessa boa rede é que navega nosso canto!

"Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente — o que produz os ventos. Só se pode viver perto de outro,  conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.” Guimarães Rosa”


PAULA CALDAS

Sempre gostei de cantar e nessas andanças cantantes pela vida, participei de alguns corais. Tive a oportunidade e o privilégio de ter o encontro musical e de afinidades com Rosário, Ignes , Guida e mais recentemente Judith. Nos reunimos no intuito de buscar um novo caminho  nesta magnífica aventura de cantar e produzir sonoridades que pudessem nos emocionar e nos transportar para outro lugar, sobretudo nesse momento de pandemia e confinamento. Cada voz com seu timbre  e beleza ao se unir com as outras, produz um efeito especial de nuances e detalhes que enriquecem a melodia. Cantar em grupo é uma experiência de rara beleza e generosidade, pois o grande barato é produzir essa comunhão musical. A alegria de cantar de todas nós fez nascer "As Donas da Voz"  e tem sido muito gratificante essa experiência.”

GUIDA SILVA



 No repertório:

 

1. Sapato Velho: Cláudio Nucci , Mu, Paulinho Tapajós

2. Because: The Beatles (John Lennon & Paul McCartney)

3. Canto do povo de um lugar: Caetano Veloso

4. Canção amiga: Carlos Drumond de Andrade & Milton Nascimento

5. Mar e Lua: Chico Buarque

6. Helplessly hoping: Crosby, Stills & Nash

7. Fato Consumado: Djavan

8. Vilarejo :Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte & Pedro Baby

 

Foram gravados dois vídeos, ˜Mar e Lua” e “Helplessly Hoping”.

 

Para assistir os dois vídeos, favor acessar no Youtube:

 

https://youtu.be/JFXNNYezZus - “Helplessly Hoping”

https://youtu.be/cW_CZ8dc4nE - “Mar e lua”

 

 

Sob a direção musical de Deco Fiori, o quinteto “Donas da Voz” é integrado por:

Rosário Nicolaci, Judith Vinhaes, Ignês Peixoto, Paula Caldas e Guida Silva.

 

*FOTOS DE ARQUIVO

 

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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

EXPOSIÇÃO “VETOR VIVO”

 






A exposição de João Diniz

No Museu de Mineralogia

Na Praça da Liberdade,

Sugere uma viagem cósmica,

Pelos espaços interplanetários

Do Universo.

Ela nos conduz,

Desde

As profundezas

Da terra,

E nos aponta

Para um céu

De estrelas.

Um emaranhado

De aço,

De linhas

Que se recruzam,

Com a geometria dos cristais.

E percorrem,

Extraídas da terra,

Caminhos desconhecidos.

Às vezes, suas torres

Sugerem transmissores

De energia,

Que vemos pelas estradas

De Minas.

Segundo João Diniz:

“O Vetor Vivo

Nasce na harmonia

Da teia

Projetada e construída,

Revelando o fluxo

Das forças invisíveis

Através da geometria

Organizada.”




*FOTOS DE IVANA ANDRÉS

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sexta-feira, 8 de outubro de 2021

EXPOSIÇÃO “MEUS BICHOS DO SERTÃO”

 



Na Galeria de Arte AM, percorri a exposição de pintura “Meus bichos do Sertão” da pintora e escultora Maria Lira Marques, artista natural de Araçuaí, Vale do Jequitinhonha. Para ela dedico esses versos:



A arte de Lira

É uma viagem no tempo.

Remete aos antigos

Habitantes das cavernas

Que desenhavam na pedra

Figuras rupestres.




O barro nos diz coisas

Do Jequitinhonha

Daquele povo sofrido,

Mas extraordinariamente

Criador.

O Vale do Jequitinhonha

É um vale fértil

Em artistas.

Região pobre de Minas,

Mas rica em ideias

Que se estendem

Pelo mundo.



 

Lira,

Seu nome remete à lira

Dos poetas e dos trovadores

Dos cantores e dos anjos,

Onde as pedras se tornam estrelas,

E o rio passa banhando tudo.



*FOTOS DE IVANA ANDRÉS

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