Paramos o carro nos arredores de Brasília. Manhã de
sol, vento fresco. Numa pequena tenda organizada dentro de um container azul,
serviram água de coco. À frente um painel anunciava “UNIPAZ”. A granja do Ipê
foi cedida em 1987 ao professor e psicólogo Pierre Weil para realizar o seu
trabalho holístico e estendê-lo a todos os que já estavam preparados. Pierre
foi presidente do Retiro das Pedras, tentou iniciar o seu trabalho ali, no alto
das montanhas de Minas, mas a vida o conduziu para o planalto central.
Agora, estou em frente ao meu painel pintado para o
salão principal da Universidade. Lembro-me de quando foi pintado, no meu
atelier da fazenda, em cima de uma lona.
Levei tempo realizando este trabalho, que viajou
para Brasília enrolado numa vara de bambu.
Eu fazia muito disso. Transportava quadros enormes
para São Paulo, Rio e Brasília, enrolados no bambu. Agora vou me lembrando do
tempo em que viajava para Brasília a fim de participar de workshops e dinâmicas
de grupo.
As aulas holísticas eram dadas anexadas sempre às
atividades artísticas, um trabalho de arte coletiva que eu introduzira como
forma de integração de todas as energias. Foi a melhor forma de integrar essas
energias num todo harmonioso e ao mesmo tempo prazeroso. Criar uma obra
coletiva, sem um autor individual, sem comando, apenas dando incentivo e
permitindo que a criação surgisse por si própria. Muitas vezes eu ficava
exausta porque assimilava aquele conjunto de energias, mas o resultado final
era ótimo, valorizando-se mais o processo do que o resultado.
Os baluartes da paz nos chegam quando nos empenhamos
num trabalho de arte. Eles nos chegam silenciosos, dentro de cada um de nós.
Leio o texto da Unesco, colocado em frente ao prédio da Unipaz:
“Uma vez que as guerras nascem no espírito dos
homens, é no espírito dos homens que devem ser erguidos os baluartes da paz.”
A pedido de Pierre, submeti-me a um concurso para
dar aulas em Brasília, na Universidade da Paz. Entrei com o meu currículo e
usei o meu livro, “Os caminhos da Arte”, como roteiro da minha atuação na Universidade.
Lembro-me de todas as sequencias desse concurso.
Agora estou mais uma vez em Brasília, revendo o
passado.
Passamos pela cachoeira para tirar fotos. A
cachoeira fica perto de uma construção de madeira com uma varanda. Ali ministramos
vários workshops e assistimos muitas aulas.
O que aprendemos começa a fazer parte de nós mesmos.
Somos todos Um, não existe separatividade entre as pessoas. Energetica e
espiritualmente estamos ligados a tudo que existe, à água que cai em cascata
muito branca, às árvores, às plantas, à vegetação do cerrado, às montanhas, aos
mares, ao vento, às nuvens. Somos todos partes de um Todo.
Pierre tentou chegar à Unidade, reunindo psicologia,
ecologia, religião, filosofia. Teve o mesmo insight holístico que eu tive
também no Retiro das Pedras.
Ele morava na rua de baixo, mas recebeu também, na
mesma ocasião, a mesma inspiração. Era preciso divulgar a integração que existe
entre os seres humanos, a natureza, o universo. O meu modo de distribuir essas
ideias foi um pouco através da palavra, mas principalmente através da forma, da
cor e do incentivo à criação.
As artes plásticas ajudam também e Deus nos
favoreceu com este canal de difusão da Paz.
José Aparecido soube compreender a visão de Pierre e
aqui estamos na Granja do Ipê, frente à cachoeira, lembrando o passado e
refletindo sobre o futuro.
Meu livro “Os caminhos da Arte” revela esta visão
holística, este insight recebido numa madrugada em minha casa do Retiro das Pedras.
Agora me lembro: debaixo dessas árvores, sentada também
num tronco de árvore, cantamos o Gayatri mantra, lembrando o workshop realizado
no pátio em frente. Tingimos serragem com as cores básicas na véspera do
evento.
No dia, 150 pessoas se reuniram no pátio. Seria
vivenciada a dança de Shiva, o deus dançarino que criou o universo. Dividimos o
grupo, distribuímos bolinhas de gude para representar as estrelas. Eram 500
bolinhas que foram divididas para os 150 participantes. Cada um segurava suas
bolinhas e, ao comando de Shiva e ao toque de um tambor, elas eram jogadas no
chão.
Uma pessoa riscava com giz o trajeto das bolinhas e
os espaços eram preenchidos com serragem colorida. Ao final, uma grande Mandala
foi criada, com dança e muita reverência. Usamos como trilha sonora a música I
Ching, do grupo UAKTI.
Dançamos em torno da Mandala, e, sem nenhum comando,
surgiu uma dança indígena improvisada, utilizando flechas retiradas do bambuzal
em frente.
Sentir a Unidade através da arte é uma experiência
fundamental.
Essas lembranças nos remetem ao passado, mas também
se situam no agora, no presente.
A cachoeira continua fluindo, em cascatas, sempre
seguindo o seu curso. Vai levando o passado e levará também o presente. Debaixo
do bambuzal posso escrever melhor e perceber que um outro workshop holístico
está sendo realizado dentro da cabana. Estamos esperando a Lydia, que já nos
acenou da janela da cabana e nos fez sinal de espera. Pierre Weil já se foi
para outro plano, ficou o Crema. Hoje há sempre gente trabalhando aqui, na
educação, na psicologia, na espiritualidade, na arte.
A Unipaz foi uma conquista, que ela continue a dar
seus frutos.
Aqui, neste lugar, sentimos florescer a paz.
*Fotos de Maurício Andrés
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