Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
CENTRO DE KRISNAMURTI EM TIRADENTES II
Durante uma semana participei das vivências educacionais que são o “trabalho de
campo” do Centro Krishnamurti em Tiradentes. Krishnamurti entende a educação
como um processo total de aprender com tudo na vida:
“Todo movimento da vida é aprender. Nunca há um tempo no qual não exista o
aprender. Toda ação é um movimento de aprender e todo relacionamento é
aprender.”
Gabriel participa das atividades
cotidianas durante todas as manhãs. Ele tem 11 anos e está interessado em
aprender tudo (colocar corretamente a mesa do café, cuidar dos coelhinhos,
regar o jardim e fazer vasos novos, ajudar a esticar o alambrado da cerca nova
e, naturalmente, em participar das “oficinas” de artes, violão, ritmo, desenho
e cores). Incentivei-o a fazer colagens, uma alternativa para evitar o cheiro
forte da tinta. O menino começou a criar e recortar em papel uma árvore que
eles vêm cuidando – e que é sistematicamente atacada por uma praga. Na véspera,
Rachel – a responsável pelo Centro de Estudos - havia convocado todos a irem
para o trevo no quarteirão de baixo, afim de retirar mais uma vez a parasita de
cima da árvore. Foi uma experiência importante não só para as crianças, mas
para todos nós. Há exatamente um ano atrás esta árvore estava tão tomada pela
parasita que estava a ponto de morrer sufocada. A turma reunida conseguiu
libertá-la e hoje ela está verdinha, respirando o sol da cidade. Assim, foi estendida
esta solidariedade para a população de Tiradentes, que agora pode se refrescar
com a sombra e beleza da arvorezinha. Gabriel está fazendo duas colagens: uma
com a árvore coberta de parasita e outra com a árvore livre.
O cuidado do professor em qualquer destas “oficinas vivas” de trabalho/lazer é não ensinar, não favorecer uma
aprendizagem por imitação. O importante é o despertar da criança, jovem ou
adulto para a sua vida interior. É deixar livre o contato consigo mesmo, o
conteúdo a ser aprendido é só uma ferramenta para o auto-descobrimento. O
professor permanece atento, presenciando o aluno tirar de si mesmo o
aprendizado. Ele está presente, numa atenção impessoal, afetuosa, sem julgar ou
comparar (nada que alimente a separatividade). Ele dá “orientações técnicas”
que podem ou não serem aproveitadas, olhando tudo o que acontece sem a pressão
de um resultado pré-determinado. Há uma alegria neste aprender sobre si mesmo,
sobre o outro e sobre o mundo.
Após a sessão de colagens,
a brincadeira inverteu – e aí foi a vez do Gabriel me ensinar a fazer os tsurus
de dobradura. Tive que “entrar na linha”, senão não dava certo o dobrar no
próximo passo.
Assim, as vivências e
aprendizados acontecem de forma natural e compartilhada pelos visitantes,
moradores, empregados e alunos, que se reúnem de forma prazerosa e criativa.
Participei de um grupo improvisado de vocalistas, cantando desde músicas do
folclore brasileiro, até o jazz de Louis Armstrong e a música “Imagine” de John
Lennon – cada um cantando e acompanhando com instrumentos de corda o violão do
Sr. Geraldo. Ao final do sarau, nos reunimos debaixo da jabuticabeira para
saborear um picolé de coco queimado famoso na região.
Aliando trabalho à música e
às artes plásticas – e a uma viagem de trenzinho até São João Del Rey, senti o
processo de toda esta experiência como se fosse uma orquestra de sons e cores
que promovia o lúdico para todos – uma alegria que só as crianças manifestam
quando se envolvem com seus jogos criativos, livres de comparação e competição.
Nessa atmosfera leve e afetuosa cada um podia entrar em contato com seus
movimentos interiores, seus medos, ansiedades, projeções e outras coisas
reprimidas que fazem parte da nossa história pessoal. Isto pode finalmente vir
à tona sem preconceito, sem o perigo de ser recompensado ou punido.
Nas palavras de
Krisnamurti: “Educação é aprender o que está acontecendo exatamente, sem
teorias, preconceitos e valores. Os livros são importantes, mas o que é muito
mais importante é aprender sobre o seu livro, a sua própria história, porque
você é toda a humanidade. Ler este livro é a arte de aprender.”
Fotos de Rachel Fernandes
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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
CENTRO DE KRISHNAMURTI EM TIRADENTES I
Neste final de janeiro estive hospedada no Centro de Estudos de Krishnamurti –
o único do Brasil – em Tiradentes, MG. Rachel, minha sobrinha e amiga, é quem
disponibiliza o Centro, promovendo encontros de estudo e trabalho cooperativo
em uma atmosfera afetuosa, rica de auto-descobertas e cercada de natureza por
todos os lados.
Lá nos encontramos em meio
a um curso contínuo de auto-conhecimento aplicado à vida diária. É um
“currículo” improvisado com as atividades normais de uma casa com jardim,
horta, cachorros e coelhos, situada numa rua típica do interior de Minas
Gerais. De um ano pra cá as atividades dessa “casa-escola” transbordaram para o
entorno, ocupando o espaço público da rua com uma “horta demonstrativa”:
canteiros feitos de material reciclado onde estão sendo cultivadas hortaliças
não convencionais e plantas medicinais. Junto a este viveiro de mudas
catalogadas há um “Livro da Horta” onde são apresentadas as características e
propriedades da planta, assim como sugestões de uso e algumas dicas culinárias.
Mudas são oferecidas ou trocadas com a população interessada em fazer ou
ampliar sua horta caseira. Recentemente, inspirados nesta iniciativa,
professores e pais da escola local montaram uma horta comunitária, contando com
várias doações de mudas, com a participação da comunidade local.
Neste Centro de Estudos de Krishnamurti,
há vários contextos de aprendizagem viva, onde a pessoa pode testar por si
mesma os insights daquele grande filósofo e educador nascido na Índia e que por
mais de 60 anos percorreu o mundo falando sobre a urgência de uma nova cultura,
onde o ser humano possa “florescer em bondade” em uma atmosfera afetuosa e de
lazer.
Como disse Krishnamurti:
- “Estamos interessados em criar uma
existência social diferente, uma geração futura que percebe a futilidade das
guerras e do assassinato organizado; uma geração que está interessada no
relacionamento global, sem o isolamento nacionalista; uma geração que está
envolvida com a verdade.”
- “Os seres humanos criaram uma
sociedade que exige todo o seu tempo, toda a sua energia, toda a sua vida. Não
existe lazer para aprender e assim a vida se torna mecânica, quase sem sentido.
Assim, devemos ser bem claros em relação ao entendimento da palavra lazer – um
tempo, um período quando a mente não está ocupada com o que quer que seja. É um
tempo de observação. É só uma mente desocupada que pode observar. Uma
observação livre é o movimento de aprender.”
Neste centro em Tiradentes, a
criança aprende fazendo ela mesma, com suas mãos, as tarefas diárias
(jardinagem, cozinha, pequenos projetos no viveiro de mudas e de coelhos,
projetos em marcenaria e construção, etc). Ao mesmo tempo ela está conectada
com o mundo, com pessoas de outras cidades e países, com as notícias mundiais,
e aprende a usar o computador com responsabilidade - e não ser usada pela
“rede”.
Realmente, somos uma só família. Aqui estamos
participando e também criando com as crianças da Terra. É uma criação viva, em
movimento, e anônima. Neste Centro de Estudos todos – moradores, visitantes,
empregados e alunos – estão aprendendo juntos a arte de viver. Eles estão
continuamente aprendendo, através do espelhamento da interação entre eles - e
com a natureza - como eles realmente são. E nas lições práticas, cada hora é a
vez de um aprender com o outro, em rodízio. Como Krishnamurti escreveu no final
de seu livro “Cartas às Escolas”: “Aprender traz igualdade entre os seres
humanos”.
Durante o dia o Centro de Estudos
oferece este período de trabalho e interação educacional. Em outro período a
pessoa fica livre para passear, descansar, fazer estudo individual ou simplesmente
ficar recolhida.
E toda noite nos reuníamos
na sala para assistir a um DVD de Krishnamurti, um “curta” de suas palavras
para plateias do momento. Lembro-me de Krishnamurti na Índia, falando para mais
de 5.000 pessoas. Tomei um táxi para assisti-lo, rompi uma multidão e fiquei
bem na frente escutando-o. Há mais de 40 anos que o acompanho através de vídeos
e livros. Sua mensagem mobiliza nossas energias interiores, para nos
integrarmos ao canto da vida, que está sempre nos chamando.
Fotos de Rachel Fernandes
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