Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
terça-feira, 17 de junho de 2014
UM CHÁ DE PANELA QUE VIROU NOIVADO
Há alguns meses atrás, recebi um telefonema de
Alice, minha neta, que mora no Rio de Janeiro.
“- Vó, vou a Belo Horizonte e chegarei até o Retiro
das Pedras para lhe apresentar meu namorado, Paulo. Ele é carioca, mas de
família mineira, você vai gostar dele.
A avó dele era uma antiga colega e amiga, Leda Selmi
Dei Gontijo, também artista plástica. Foi um encontro muito simples, mas muito
agradável.
Recentemente recebo outro telefonema de Alice:
“-Vó, queria que você fizesse uns desenhos para um
chá de panela, vai ser um almoço na casa da mãe do Paulo, lá em Cosme Velho.
Festa simples, só da família.”
Fiquei pensando em como poderia atender à Alice, com
este pedido tão gentil. Comprei cartões e comecei os desenhos, uma mistura de
abstrato com figurativo, inspirado nas prateleiras da minha cozinha. Depois era
só enviá-los via internet... Como as coisas são rápidas hoje em dia, é só
scanear e enviar!
A festa foi protegida pelos guias espirituais que
comandam a temperatura e as chuvas do Rio. Foram 3 dias maravilhosos, a gente
podia passear na praia e colocar os pés no mar...
Depois, aprontar roupas de festa, sapatos
confortáveis e subir o morro de acordo com a idade de cada convidado: ou pela
escada ou por um trenzinho de 3 lugares que, devagarinho , nos conduzia até o
primeiro patamar – e as primeiras salas, com quadros de grandes pintores do
modernismo brasileiro. À entrada ganhamos um cartão com os meus desenhos, onde
teríamos que acrescentar uma mensagem. Depois amarrávamos cada cartão numa
árvore da felicidade, como nas celebrações budistas.
Leda, a avó veio me receber com o entusiasmo e a simpatia
de sempre.
A festa transcorreu no terceiro patamar, depois de
subirmos mais 2 lances de escada: mesinhas decoradas com flores, o chão com
tapetes pintados no cimento, flores também nos jardins. A arquitetura lembra as
mansões toscanas, com paredes cor de terra e varandas. A família Selmi Dei é de
origem italiana e D. Leda já avisou que vai comemorar seus 100 anos lá na
cidade de Luca, norte da Itália, onde nasceu seu pai.
Mas voltemos à festa, ao ar livre, com mesas
preparadas para um almoço às 4 horas da tarde!
A beleza da tarde abençoava o casal de
namorados. A noite descia devagarinho,
as luzes se acenderam e, no topo da escada, como num cenário de teatro,
apareceram os dois jovens, homenageados pelas duas famílias, ambas ligadas por
um parentesco natural de origem mineira e um parentesco espiritual de origem
artística. A mãe de Paulo é também artista e soube construir uma casa com
toques de grande criatividade.
A música tocava e um grupo se reuniu para saudar o
casal.
“-Queremos o pedido, queremos o pedido...”
Foi quando Paulo, tomando a iniciativa, apresentou
uma performance: ajoelhou-se aos pés de Alice e a pediu em casamento.
Nesta hora, os diversos celulares piscavam feito
vagalumes e, um noivado totalmente diferente aconteceu sob a luz das estrelas.
Lá embaixo, amarrados numa árvore, meus desenhos,
reproduzidos em cartões, acenavam votos de felicidades para o jovem casal.
*Fotos de Maurício Andrés e Maria Helena Andrés
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domingo, 1 de junho de 2014
VIVÊNCIA E ARTE I
O Livro “Vivência e
Arte”, editado pela Agir e já esgotado, é um livro que até hoje continua sendo
uma referência para vários artistas. Foi escrito numa fase de minha pintura
construtivista, mas alcança em seu contexto a arte conceitual. Na época contei
com a colaboração de minha cunhada Lourdes Resende, recentemente falecida. As
próximas postagens, extraídas de “Vivência e Arte”, constituem uma homenagem à
Lourdes, irmã do Luiz e muito minha amiga.
Alceu Amoroso Lima,
grande pensador católico, dedicou no prefácio do livro palavras incentivadoras,
que transcrevo abaixo:
“Este pequeno e modesto volume é um admirável solucionador
de equívocos. Não conheço, em nossa língua, melhor introdução à arte moderna,
com a dupla autoridade de quem meditou profundamente e sem preconceitos sobre o
próprio fenômeno estético, e pratica uma arte, a pintura, com uma vocação e uma
originalidade absolutamente incontestáveis.
O mal-entendido entre a arte moderna e o grande público é
muito anterior à ruptura que, em 1914, a Primeira Grande Guerra criou entre o
século XX e o século XIX. Já sem remontar à "batalha de Hernani", na
literatura ou às telas de Delacroix, na pintura, com o advento do Romantismo,
foi com o Simbolismo em literatura e com o Impressionismo em pintura ou música
que começou o mal-entendido. Tudo se agravou, porém, de modo precipitado depois
que as várias correntes do pré-modernismo ou do próprio modernismo,
especialmente a partir de 1904, se anteciparam ao dinamismo revolucionário do
novo século. A arte precedeu e como que anunciou os acontecimentos, confirmando
o paradoxo de Oscar Wilde, de que a natureza imita a arte. Os novos artistas e
os novos críticos começaram a compreender que a interpretação que os
renascentistas, e acima de tudo os "acadêmicos", que dominaram o
século XIX, haviam dado à estética de Aristóteles, era errada. Quando o
Estagirita definiu a arte como "imitação da natureza" não queria
dizer que a arte era uma cópia das formas naturais, e sim que imita o modo de
criar da natureza. Ora, a natureza não copia modelo algum. Quando muito
poderíamos dizer que a estética de Platão imporia à arte a imitação de formas
ideais. E nesse sentido o renascentismo, e seu reflexo sem talento, o
academicismo, são muito mais platônicos que aristotélicos. Mas o realismo
aristotélico ou escolástico é o fundamento filosófico da liberdade estética. E
Maritain o demonstrou cabalmente.
Essa liberdade é que está na base da arte moderna e é o
grande motivo do famoso equívoco entre o público e os artistas. Ou entre
artistas "acadêmicos" e artistas "modernos". Bem sei que no
fundo o equívoco ou o mal-entendido está entre artistas com talento criador ou
sem talento. E entre o público que considera a arte simples passatempo e o que
toma a sério o fenômeno artístico.
A autora desta pequena e lucidíssima introdução à arte em
geral, à arte moderna em particular e à arte religiosa, compreendeu
admiravelmente o problema e o coloca em termos tão simples, tão honestos, tão
accessíveis e sensatos, que custa a crer que haja quem resista às suas razões.
É precisamente essa ausência total do complexo de
superioridade ou de inferioridade, que dá tanto calor a esta introdução à
estética. Não tem nenhum complexo de superioridade, como acontece muitas vezes
com os livros dos modernos críticos de arte, tratando o público de cima de suas
tamancas, como sendo um rebanho de ignorantes e de retardatários. O complexo de
inferioridade, que considero pior que o outro, se coloca por sua vez na posição
do falso publicano, que no fundo se gaba de sua humildade, dizendo que não entende os modernos, mas deve ser
porque não está à altura etc.
A autora destas considerações não assume nem uma nem outra
atitude. Apresenta-se com a simplicidade de quem sofreu muito para chegar às
conclusões a que chegou, e por isso mesmo as exibe sem nenhuma pretensão de
querer converter ninguém. Quem quiser
que se converta a si mesmo ou se convença do bem fundado delas e depois passe a
aplicá-las, na prática, não confundindo preferências
pessoais com uma compreensão objetiva das formas infinitas com que os
artistas – que por natureza palmilham
os caminhos dos possíveis e não dos
já trilhados ou impostos pela arrogância dos dogmatizadores de regras
disciplinares – exprimem a sua capacidade de criação.
A autora não pretende ser pedagoga e muito menos palmatória
do mundo. Como provavelmente passou pelos mesmos transes de ser chocada pela arbitrariedade e
multiplicidade das formas estéticas e pelas deformações das formas naturais e
pela ausência de critérios de perfeição ideal, sabe perfeitamente que ninguém
se converte senão por si mesmo. Se isto é verdade até em religião, onde a graça
indispensável não tem nome nem forma nem palavra que a exprima, quanto mais em
arte, quando a vocação é que desempenha o papel da Graça e o trabalho, o métier, a técnica, o da Natureza.
A autora, além disso, não se limita a doutrinar sobre arte
ou a repetir o que aprendeu nos livros dos filósofos da matéria. É ela própria
uma artista, uma grande pintora. Uma criadora de formas novas, com um
extraordinário talento e uma originalidade não procurada mas espontânea. E tudo
isso à custa de muito trabalho, de muito "sangue, suor e lágrimas",
dessas que os verdadeiros artistas, da palavra, do som, da matéria, do
movimento, do que quer que seja, escondem ou por vezes não escondem na obra
feita ou no silêncio dos seus ateliers.
Sente-se, nas entrelinhas deste pequeno breviário de
estética, especialmente pictural – com uma síntese histórica da evolução da
pintura moderna, muito instrutiva – o enorme trabalho interior de raízes, para
se chegar a esta pequena árvore tão fresca, tão simples, tão copada, que dá uma
sombra tão repousante e luminosa ao leitor de boa vontade.
Nem por isto deixa de condenar o mau gosto, como sendo o
grande inimigo da verdadeira arte. Justamente por ter a arte moderna
reivindicado, para o artista, os direitos da liberdade, é que o problema da
honestidade ou da desonestidade em arte, do bom e do mau gosto, tanto dos
artistas como do público em geral, é hoje muito mais importante do que quando a
arte obedecia a certos modelos e disciplinas compendiadas e ensinadas. "A
fotografia libertou a pintura", disse Jean Cocteau numa frase célebre. Mas
também soltou os cabotinos. Contra os quais então o mau gosto reage em nome da
sinceridade... Em matéria de arte religiosa então é que o mal-entendido se
tornou mais grave. E a autora sai da sua mansidão habitual para escrever coisas
incisivas e indispensáveis como esta: "A Igreja passou a ser a depositária
deste mau gosto público. E a ornar os seus altares com o que de pior pode haver
em matéria de arte. Não se pode mesmo dar o nome de arte a esses santos de
bazar, porque neles não se vê a menor preocupação de estilo. Nem ao menos de
acadêmica poderia ser chamada esta pseudo-arte das igrejas". Perfeito.
Não quero, porém, nem poderia de modo algum, substituir-me à
autora, com sua tríplice autoridade – de pintora, de conhecedora teórica do
fenômeno estético e de escritora, tão simples, tão natural, tão sem pretensão.
E last... tão profundamente
espiritual.
Não será esse último aspecto o mais íntimo segredo destas
páginas, que recomendo vivamente aos que querem compreender? Porque aos que não
querem, nem Deus convence...” (Alceu Amoroso Lima, 1965)
Fotos de arquivo e da
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