A exposição sobre Arte Abstrata nas coleções do MAM e de Gilberto Chateaubriand – (Ordem x Liberdade), inaugurada no final de 2003 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro propunha uma retomada histórica do abstracionismo no Brasil, com ênfase nos anos 50.
Aproveitando uma viagem de férias no Rio, fiz um roteiro cultural com meus netos, todos interessados em arte: “- Vó, você deve estar do lado da liberdade, não é?”– “Não sei, posso estar nos dois, já que andei por vários caminhos. ” Naquela exposição, eu estava do lado que correspondia à ordem, disciplina. Foi com emoção que pude rever os artistas da década de 50 que participavam das Bienais de São Paulo. Lá estavam, ao meu lado, vizinhos do mesmo biombo, os companheiros de artes da época, muitos já falecidos: Milton Dacosta, Maria Leontina, Mário Silésio, Alfredo Volpi, Amílcar de Castro, Cícero Dias, Edith Bhering, Fayga Ostrower, Iberê Camargo, Lygia Clark, Manabu Mabe, Tomás Santa Rosa. Senti-me a própria sobrevivente, percorrendo a mostra.
O Concretismo na década de 50, nos propunha disciplina, concentração, limpeza de cores, uma arte mental, intimista, sem impulsos emocionais. Cultivava-se a virtude da paciência. Os quadros levavam meses para serem feitos e o instrumento usado na época para se conseguir uma linha perfeita era uma espécie de caneta ou bisturi, chamado tira-linhas, instrumento gráfico em desuso hoje em dia na era do computador. Com as linhas paralelas eu fazia postes de luz e partituras musicais. Gostava de ficar horas pintando, porque me fazia bem à alma.
Passar pelo concretismo foi para mim uma lição de vida. O fazer artístico significava crescimento. A integração de varias áreas das artes, necessária a uma revisão de valores, era um dos pontos mais importantes do movimento concretista que surgiu a partir da primeira Bienal de São Paulo. Poetas, músicos e pintores se uniam dentro do mesmo ideal estético dando prioridade à pureza da forma. O grande incentivador do concretismo foi o crítico de arte Mário Pedrosa, que visitava os artistas em seus ateliês e muitas vezes chegava até Minas Gerais para acompanhar o trabalho dos artistas mineiros que buscavam uma arte pura, desligada dos padrões figurativos. Os júris de seleção das primeiras Bienais, que às vezes eliminavam 90% dos trabalhos apresentados, eram o grande teste a ser enfrentado. Naquele tempo não existiam curadores de arte e os artistas se dispunham a passar por essa experiência.
A aprovação na Bienal era a minha chance de descer das montanhas e viajar para São Paulo, encontrar os amigos companheiros de jornada, participar dos eventos internacionais e estudar o pensamento dos grandes artistas abstratos europeus. Trocava idéias com os paulistas Maria Leontina, Milton Dacosta, Arcângelo Ianelli e Volpi. Todos tínhamos vindo de antecedentes figurativos e isto transparecia em nossos trabalhos. Não havia a preocupação matemática dos concretistas suíços, seguíamos o comando da sensibilidade e da intuição. Naquela ocasião as idéias espiritualistas de Kandinsky começaram a me acenar como uma estrela luminosa. Os grandes pintores abstratos europeus, principalmente os da vanguarda russa, não se limitavam aos aspectos formais; tinham uma busca interior, um contato direto com níveis mais profundos de consciência.
O rompimento com a figura e o tema indicaram também direções novas para a escultura brasileira. A exposição do artista suíço Max Bill no Museu de Arte de São Paulo em 1950, impulsionou a nova geração de escultores ao questionamento dos moldes tradicionais da escultura figurativa, para abraçar a forma tridimensional pura. Do grupo de Minas, três artistas escultores aderiram ao movimento: Amílcar de Castro, Franz Weissmann e Mary Vieira. Mais tarde, Mary deixou o Brasil para se radicar na Suíça, onde se tornou uma aluna e seguidora de Max Bill vindo a ser uma artista de renome internacional.
Repensar o concretismo é também repensar os caminhos por onde passamos. Aqui em Minas Gerais a nossa visão da arte vinha dos antecedentes líricos de Guignard. Um pequeno grupo se reunia no ateliê de Marília Gianetti, projetado pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos. Marília Gianetti, Mário Silésio, Nely Frade e eu formávamos o grupo de pintores que na década de 50 encontraram o seu próprio caminho dentro da arte não figurativa.
A mesma preocupação do simples estava em todos nós. Revendo os quadros da exposição do Museu de Arte Moderna no Rio cheguei à conclusão de que houve em todos um ponto de mutação comum: a necessidade de eliminar o supérfluo, reduzir o impulso emocional e buscar a essência, na arte e na vida.
Naquela exposição, foi-me possível constatar um fato: Todos nós mudamos depois de algum tempo, alguns radicalmente, outros sem grandes saltos. O caminho da liberdade foi uma conseqüência do exercício da disciplina. Ali no museu, frente a frente estavam os opostos complementares de tudo que existe na natureza e na criação.
A exposição MHAndres -Linha e Gesto, organizada por Roberto e Marilia Andrés, agora no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, significa também disciplina e liberdade, duas vertentes constantes em meu itinerário artístico. Percorrendo a exposição pode-se ver como estes dois impulsos estão ali presentes, buscando sempre no passado uma linguagem renovada. A acessoria e entusiasmo do grupo de jovens colaboradores do evento possibilita a renovação do diálogo entre os curadores, artistas e o público.
*IMAGENS:
1) Maria Helena Andrés – Fantasia de ritmos,1958
2) Mário Silésio – Ritimo,1957
3) Marília Gianetti Torres – Composição n° 2, 1956
4) Amílcar de Castro – Sem título, 1963
5) Franz Weissman – Escultura
6) Mary Vieira – Escultura,Parque do Ibirapuera, SP
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